Machiko Kyo
Cinema
O Palácio das Artes – Fundação Clóvis Salgado é responsável por uma mostra gratuita, acessível pelo YouTube. Há filmes de Ozu e Mizoguchi, entre outros, para serem assistidos até o dia 9 de julho.
O mercado e a prostituição numa cidade devastada pela guerra. Esta parece ser uma das temáticas recorrentes de grandes filmes japoneses do século passado. ‘Mulheres da noite’ (1948), de Kenji Mizoguchi, e ‘Portal da carne’ (1964), de Seijun Suzuki, são duas referências nesse sentido.
O trauma nacional foi sintetizado, cinematograficamente, nos dramas das prostitutas de rua, habitantes de cortiços cravados entre os alambrados das zonas militarizadas e as crateras de entulho, num país que quase desaparecera sob os bombardeios.
Algumas coisas vêm à mente. Em ‘Portal da carne’, a figuração do soldado norte-americano como invasor alienígena é debatida de maneira explícita, como poucas vezes se vê na cultura de massa. No cinema brasileiro este também é um assunto tabu, ao que parece: tivemos de esperar ‘Bacurau’ para vê-lo abordado mais francamente.
Ainda sobre o ponto das repressões coletivas, muito já se discutiu sobre quanto os traumas do desaparecimento de seres humanos devido à guerra e à guerra aérea (abstrata ao agressor, alienígena), em específico, foram recalcados no imaginário das pessoas, para reaparecer como fantasmagoria na cultura de massa e de consumo.
Desde ‘Godzilla’, passando por ‘Power Rangers’, ‘Dragon Ball Z’ e ‘Evangelion’ – só para ficarmos com alguns exemplos do coração dos anos 1990 – uma constante se notava nessa equação de recalques e desrecalques, apesar das variáveis de tons e narrativas (comicidade em ‘Power Rangers’, tragicidade em ‘Evangelion’ etc): o quão rápido uma cidade (e até um planeta) poderia desaparecer completamente, sob a agressão de técnicas e maquinários estrangeiros, em histórias como a de Namekusei e a de New Tokyo.
Animes e mangás funcionaram como válvula de escape ao pavor geracional e ao mau pressentimento coletivo sobre os rumos do século XX, de maneira semi-cifrada.
De forma menos explícita, o fenômeno cultural das máquinas de pachinko, analisadas por Wim Wenders em ‘Tokyo Ga’ (1985), pôs-se, também, como resposta a um passado não passado a limpo, sob o ponto de vista da cultura material de massa, e dos desejos de consumo da multidão.
Mas voltemos ao cinema japonês. Seja como for, seu brilhantismo não se resume a abordagens das tragédias humanas do século vinte. É possível, sempre, vê-lo mais polifonicamente, com as mesmas lições de profundidade e sabedoria, contudo.
Para ilustrá-lo, é bom sabermos que o Palácio das Artes – Fundação Clóvis Salgado é responsável por uma mostra gratuita em curso, acessível pelo YouTube. Há filmes de Ozu e Mizoguchi, entre outros, para serem assistidos até o dia 9 de julho.
É um belo curso de cinema sobre um dos mais ricos períodos da história audiovisual, o do Japão no pós-1945
Em que pese toda a destruição do país, o ímpeto criativo e narrativo de cineastas incontornáveis de fins dos anos 1940 e da década de 50 parece só ter se reforçado, naquele contexto crítico.
Meu preferido é ‘Contos da lua vaga’, de Mizoguchi [https://youtu.be/82ApJt-LS1U].
Nessa obra, o cineasta descola-se da explosão da realidade de ‘Mulheres da noite’ e nos presenteia com uma narrativa folclórica sobre fantasmas e sobre o país desconhecido, o mundo dos mortos, num drama moral encantador e cheio de sutilezas.
A senhora Wakasa, interpretada por Machiko Kyō, tem-me ficado sempre na memória.
A interpretação é mais enigmática do que ver um espírito no corredor, ou notar um espectro de relance entre os vapores de uma fonte termal.
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