Operação França
Grande cineasta norte-americano é lembrado em evento paulista com a exibição dos seus principais filmes neste fim de semana prolongado para os cinéfilos
Por Adolfo Gomes
William Friedkin não vem mais a São Paulo. O realizador natural de Chicago foi proibido pelos médicos de enfrentar o deslocamento aéreo até o Brasil, em razão de uma otite aguda. Da Master Class planejada para este final de semana, nos mesmos moldes das que tem realizado em outros grandes festivais de cinema (como Cannes), restam os filmes. Não é pouca coisa. Afinal, ali estão todas as lições possíveis de serem verbalizadas. Um bom cineasta se comunica através das imagens que cria, que capta ao real. E, felizmente, as que emanam do cinema de Friedkin são devidamente eloquentes.
Por isso, o olhar atento às sessões duplas dos próximos dias (“Operação França” e “Parceiros da Noite”, no dia 30/10) e (“O Comboio do Medo” e “Viver em Morrer em Los Angeles”, no dia 2/11), além das revisões de “Killer Joe” (29/10) e “O Exorcista” (também no dia 30/11); certamente representam um dos pontos altos do evento paulista, já em sua reta final.
A pertinência de Friedkin na cena contemporânea logo será reconhecida pelos adeptos do chamado “docudrama”, convertido em gênero em si, sobretudo, pela produção brasileira atual. Mas devemos separar o joio do trigo, o vulgar clichê, da ruptura incontornável. O cineasta norte-americano fez parte de uma geração de realizadores – a “nova Hollywood” que também permitiu surgir Coppola, Scorsese, Brian De Palma, Rafaelson, Cimino, entre outros – que não encarava o filme como uma “casinha” do (jogo) “Banco Imobiliário”. Eles fizeram fortuna, é verdade, num primeiro momento, porém, a maioria logo em seguida cairia em desgraça com a “pós-nova sensibilidade do público”, sendo a maioria sacrificada pelo regime emergente dos “blockbusters”, cujo formato conhecido hoje remonta àquela época, os anos 1970.
William Friedkin
Para resumir, não havia na poética de Friedkin, Coppola e Cimino, por exemplo, uma fronteira traçada entre documentário e ficção. Tudo era cinema, matéria criativa do real, organicamente impressa na tela. Então, quando o herói de “Operação França”, o indefectível Popeye Doyle (Gene Hackman), atira nas costas do seu oponente, quer ele seja um bandido ou não, a transgressão já nada tinha a ver com o código moral do western, da fabulação. Era uma atualização, ou melhor, a rendição do arquétipo, da mitologia à realidade das ruas – a narrativa das perseguições policiais televisionadas ao vivo, pelos programas jornalísticos americanos, nascia ali, na mise-en-scène crua de Friedkin.
A todo poeta maldito cabe a derrisão e as pessoas costumam se vingar na primeira oportunidade. O poder de Friedkin, após o extraordinário sucesso de “O Exorcista”, foi minado por fracassos da amplitude de “O Comboio do Medo”, notável remake do clássico do francês Henri-Georges Cluozot, e “Um Golpe Muito Louco”. Em trajetória semelhante à de Cimino – não por acaso os dois premiados com o Oscar, respectivamente por “O Franco Atirador” e “Operação França”- o realizador de “Killer Joe” foi marginalizado da indústria, construindo a segunda metade da sua filmografia com muita dificuldade e inconstância.
William Friedkin no set de O Exorcista
Bela oportunidade para aferir, de novo, agora através da Mostra de SP, o que perdemos com o exílio de Friedkin, atualmente mais perto do circuito europeu das grandes Óperas – acaba de montar “Aida” de Verdi, entre outras obras fundamentais do repertório clássico – do que de um novo filme. O cinema se apequenou. Ele não. Continua “bigger than life”.
Adolfo Gomes é cineclubista e crítico de cinema filiado à Abraccine. Curador de mostras e retrospectivas, entre as quais “Nicholas Philibert, a emoção do real”, “Bresson, olhos para o impossível” e “O Mito de Dom Sebastião no Cinema”. Coordenou as três edições do prêmio de estímulo a jovens críticos “Walter da Silveira”, promovido pela Diretoria de Audiovisual, da Fundação Cultural da Bahia.