A Portuguesa – Olhar de Cinema
“A Portuguesa”, de Rita Azevedo Gomes, transpõe obra do escritor austríaco Rober Musil para o cinema com o rigor e o respeito à duração das coisas e dos sentimentos
Deveria ser a matéria-prima de todos os filmes: o tempo e a luz. O irremediável começo. Assim como a composição do quadro cinematográfico, a partida de qualquer (re)criação imagética. A esta altura, infelizmente, já não são tão óbvios tais pressupostos. E uma boa maneira de lembrar esses princípios é se deparar com o mais recente trabalho da lusitana Rita Azevedo Gomes: “A Portuguesa”, baseado em obra do escritor austríaco Robert Musil. O filme é uma das atrações no segmento“Exibições Especiais”, do Festival “Olhar de Cinema 2019”, realizado em Curitiba.
Exigente na construção do seu ritmo, Rita Avezedo encena, aqui, uma espécie de ritual de espera, percorrendo com rigor o itinerário de solidão, discreto prazer e resiliência que enseja. Uma jovem, provavelmente no século XVI, é entrincheirada num austero palácio enquanto aguarda o desenrolar das guerras forjadas, em grande parte, pelo espírito beligerante do seu esposo, um nobre algo decadente e rude.
A intermitente convivência do casal é um contraponto quase farsesco (nos faz recordar os desencontros pantomímicos de Keaton a Tati) ao ascetismo do ambiente e das situações. O operar do tempo, neste sentido, parece se descolar do tédio e da angústia, para se inscrever no próprio seio da narrativa, criando elos sensoriais entre as parcimoniosas sequências, como se cada ação enquadrada pela câmera, ancorada no seu décor inventivamente atemporal, tivesse uma autonomia espacial, ou seja, poderia estar em curso em diversos lugares simultâneos– e também em outras épocas.
A Portuguesa – Olhar de Cinema
Então, “A Portuguesa”, à parte a força evocativa e atualizadora da adaptação de Agustina Bessa-Luís, é um filme que se manifesta para além dos diálogos e do “enredo”. Sua grandeza reside, sobretudo, no artesanato vigoroso da composição dos planos, no regrado movimento dos atores, na imobilidade das convicções de seus personagens traduzida em imagens luminosas, justas. Tudo isso lhe confere um encanto peculiar, o da a vida em si preservada, (re)imaginada e constante, como se da guerra não tivéssemos mais necessidade para nos sentirmos em paz.
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