Crítica

Consumo e produção de cervejas artesanais crescem em Salvador

Cervejas Artesanais

“Para entender melhor o que gira em torno desta crescente demanda por cervejas especiais na capital baiana, o Cabine Cultural esteve presente no Bagacinho Boteco, bar de propriedade da empresária Karla Baqueiro e do bancário Manu Bernardes, onde aconteceu uma palestra com o sommelier de cervejas e blogueiro Edson Carvalho, do blog Viajante Cervejeiro”

Não é segredo para ninguém o gosto dos brasileiros por uma boa e gelada cerveja. Do Pará ao Rio Grande do Sul, não há um único rincão neste país onde não haja um local de venda e consumo da bebida a base de malte, lúpulo, levedura e água. “Inventada”, por um feliz acidente, pelas mulheres da antiga Mesopotâmia – região onde hoje se localiza o Iraque – há milhares de anos, a cerveja firmou-se como uma das bebidas mais populares do planeta e sofreu diversas variações ao longo do tempo. Hoje, é possível encontrar uma infinidade de tipos de cerveja, como a tradicional pilsen, a lager, stout, IPA – India Pale Ale, red ale, bock e outras tantas. Cada um destes estilos possui suas particularidades na cor, sabor, fermentação, lúpulos utilizados, intensidade alcoólica e harmonização com alimentos.

Toda essa gama de possibilidades e variedades que o mundo da cerveja proporciona, tem, ao longo dos últimos anos, se popularizado mundo à fora e conquistado cada vez mais adeptos. Beber cerveja deixou de ser um simples hábito recreativo para tornar-se uma espécie de ritual levado muito a sério por quem o pratica. Na verdade, as mudanças na forma de consumir cerveja refletem uma mudança de cultura. Atualmente, não é raro encontrar quem prefira beber menos e melhor, ou seja, opte por consumir cervejas artesanais e importadas em menor quantidade, do que beber as tradicionais cervejas comerciais em grande quantidade.

Como um processo de alcance global, este novo tipo de consumidor chegou ao Brasil e vem transformando a relação dos brasileiros com a bebida. E se há demanda, o mercado nos diz também que deve haver a oferta. Acompanhando o crescimento de pessoas interessadas em novos tipos de cerveja, micros e médias cervejarias artesanais têm se espalhado pelo país, contribuindo para a expansão do mercado cervejeiro com uma significativa diversidade de rótulos. Neste mesmo processo, a importação de cervejas internacionais também tem crescido vertiginosamente.

Em Salvador, 3ª maior cidade do Brasil e um forte centro de consumo, já é possível observar os efeitos desta nova cultura em torno da cerveja. Nos últimos anos, proliferou-se pela cidade uma grande quantidade de bares e lojas que se especializaram em vender cervejas artesanais e importadas, como o Santíssimo Empório no Itaigara, Vitrine da Cerveja na Pituba e o Bagacinho Boteco na Barra. Nesta mesma toada, cresceu também o número de micro-cervejarias na cidade, como a Ôxe Cervejaria, empresa fundada em 2015 por dois jovens amigos, Daniela Barral e Mateus Magalhães, que produz cervejas com temáticas ligadas ao cotidiano dos baianos.

Essa expansão também pode ser observada no interior do Estado, com micro-cervejarias em cidades importantes como Feira de Santana e Vitória da Conquista, respectivamente 2ª e 3ª maiores cidades do Estado, e em Jacobina, na Chapada Diamantina, onde pude conhecer a Cerveja de Panela Payaya, produzida pelo universitário Iuri Matos, que é vendida não só na cidade, mas também com remessas enviadas para cidades maiores como Juazeiro, Petrolina (Pernambuco) e Salvador, mostrando a alta demanda por este tipo de produto.

Para entender melhor o que gira em torno desta crescente demanda por cervejas especiais na capital baiana, o Cabine Cultural esteve presente no Bagacinho Boteco, bar de propriedade da empresária Karla Baqueiro e do bancário Manu Bernardes, onde aconteceu uma palestra com o sommelier de cervejas e blogueiro Edson Carvalho, do blog “Viajante Cervejeiro”, onde ele viaja todo o país, de carona, conhecendo as diferentes cervejas e cultura cervejeira de cada local. Na oportunidade, conversamos com os proprietários do bar e com o blogueiro. Confira abaixo:

BAGACINHO

– Cabine Cultural: O Bagacinho, a princípio, era um boteco como qualquer outro, só recentemente passou a focar em cervejas artesanais e importadas, e aparentemente a mudança vem dando resultado, visto que o bar está sempre cheio. Como vocês optaram por essa transformação?

Karla e Manu, proprietários do Bagacinho. Entre eles, o sommelier Edson Carvalho. Foto: Paula Andrade.

Bagacinho: A mudança começou em Agosto de 2015. Nós sempre fomos apreciadores de cervejas artesanais, sempre que viajamos, dentro ou fora do Brasil, procuramos conhecer e experimentar o maior número possível de cervejas, visto que só recentemente Salvador passou a ter um variedade maior de rótulos. Na nossa última viagem, Karla decidiu que o Bagacinho iria ter cervejas especiais. Voltamos para Salvador e 2 semanas depois começamos o projeto “quintas especiais” com 14 rótulos diferentes de cervejas artesanais e importadas, hoje, quase 1 ano depois, trabalhamos com 70 rótulos distintos, um crescimento considerável.

– Cabine Cultural: Um diferencial de vocês é que o bar conta com um profissional, que apesar de não ser um sommelier de formação, é um exímio conhecedor de cervejas e pode indicar ao cliente qual tipo e rótulo de cerveja consumir, uma espécie de consultor. Isso é uma novidade na cidade…

– Bagacinho: É, não somos sommeliers profissionais, mas os clientes chegam aqui e já nos procuram para pedir indicações. Adquirimos essa capacidade pela experiência de proprietários de bar e de degustadores de cerveja mesmo. Então, a partir do perfil do cliente, do paladar dele, do que ele gosta, baseado em 2 ou 3 perguntas, nós podemos indicar um tipo de cerveja que achamos que vai agradá-lo.

– Cabine Cultural: A partir desta mudança do perfil do bar, do foco em cervejas especiais, vocês acham que o público que frequenta o bar também mudou?

– Bagacinho: Olha, mudou sim. Mudou o perfil do cliente não só na questão da idade, agora vemos pessoas mais jovens aqui, mas na mentalidade. Agora temos clientes mais dispostos a aceitar a diversidade não só de cervejas, mas das pessoas e seus modos de vida e isso sempre foi uma questão primordial para nós. Porque a cerveja é um componente fantástico, une as pessoas, mas tem algo maior que é a visão que temos da vida e acho que hoje o bar está mais integrado, os clientes interagem mais porque são, em sua maioria, pessoas que respeitam a diversidade e uns aos outros.

– Cabine Cultural: A cerveja sempre foi muito ligado ao universo masculino, hoje este perfil tem mudado, muitas mulheres têm perdido o temor não só de consumir cerveja de uma forma natural, mas de falar sobre, estudar e até mesmo produzir. E aqui no Bagacinho vemos um público bem feminino. Como vocês percebem isso?

– Bagacinho: Como proprietários percebemos que hoje as mulheres não possuem mais vergonha para sentar na mesa de um bar, para pedir uma cerveja, sozinha ou com amigas, para pedir indicação de uma boa cerveja e tal. As mulheres já perceberam que não precisam continuar presas ao machismo, que sentar sozinha em uma mesa de bar e pedir uma cerveja é normal e não tem nada de errado.

– VIAJANTE CERVEJEIRO:

Cabine Cultural: Conta para os nossos leitores como começou a ideia do blog, a ideia de viajar o país conhecendo cervejas.

– Viajante Cervejeiro: O blog surgiu em Maio de 2014, fez 2 anos agora que estou na estrada. Mas minha história com a cerveja começou em 2007, quando eu morava em Barcelona, Espanha, quando eu conheci uma lojinha chamada “La Cerveteca” e tomei uma cerveja completamente diferente das pilsens que estamos acostumados a tomar e fiquei encantado. Daí, eu voltava na loja quase todos os dias e pedia pro vendedor me indicar uma cerveja diferente e me explicar sobre e ai eu comecei a me apaixonar por cerveja. Voltei a morar no Brasil, em Curitiba, e lá comecei a trabalhar em uma loja de cerveja artesanal, depois fiz curso de sommelier. Depois disso, fui morar fora do Brasil de novo e voltei pro Brasil novamente, sempre trabalhando com cerveja. Mas acontece que eu sempre tinha vontade de viajar, mas não dava pra ficar largando o emprego toda hora, então eu pensei que tinha que unir a minha vontade de viajar com o meu amor por cervejas e tornar isso um trabalho, daí veio a ideia de criar o projeto. Planejei-me e coloquei o pé na estrada.

– Cabine Cultural: Por que a opção de viajar sempre de carona, de mochilão?

Edson Carvalho, o “Viajante Cervejeiro”. Foto: Paula Andrade.

– Viajante Cervejeiro: Virou um desafio, primeiro porque eu não tinha grana. Mas não só por isso, mas porque também isso chama a atenção do projeto e é uma experiência de vida. Além de viajar só de carona eu também só me hospedo em casas de pessoas voluntárias que me ajudam, nunca fiquei em hotel, albergue ou coisas do tipo.

– Cabine Cultural: Nestes anos todos experimentando tantas cervejas, você consegue apontar alguma cerveja como a melhor que você já tomou?

Viajante Cervejeiro: Eu costumo dizer sempre que a melhor cerveja é a próxima. Mas há 2 rótulos que, talvez nem sejam os melhores, mas eu tenho um carinho especial. Um deles é uma cerveja de malte defumado, da cidade de Bamberg, Alemanha, chamada Aecht Schlenkerla Rauchbier Märzen, que foi a primeira cerveja diferente que tomei e me fez perceber que existem cervejas de vários tipos. Uma outra que só vende em poucos bares de Barcelona, de um cervejeiro inglês que morava lá, chamada Steve Beer, com maltes artesanais, uma cerveja típica do estilo inglês, pra beber em grande quantidade.

– Cabine Cultural: Você acha que uma boa cerveja é necessariamente cara?

– Viajante Cervejeiro: De forma alguma, uma boa cerveja depende muito do próprio cervejeiro e dos ingredientes, que não precisam ser caros. É claro que uma cerveja artesanal não vai ser tão barata quanto as comercias, mas é possível sim fazer uma boa cerveja a um preço módico.

– Cabine Cultural: Há aquela velha discussão sobre o uso de milho na produção de cerveja, o que você acha?

– Viajante Cervejeiro: Não acho que o milho, o arroz ou outro cereal seja necessariamente um vilão. O problema mesmo está nos produtos químicos que as grandes indústrias colocam na cerveja, como estabilizadores e conservantes, porque não precisa, porque os próprios lúpulos e o álcool já são conservantes naturais. Então essa é minha crítica, as grandes cervejarias não respeitam o processo natural da cerveja, e é isso que vai te dar dor de cabeça, ressaca e tal. Então o milho não é o problema, é um cereal como qualquer o outro, o problema é a forma como você o utiliza.

– Cabine Cultural: Nessa sua passagem pela Bahia, quais cervejas feitas aqui você mais gostou?

Viajante Cervejeiro: Olha só, cerveja com registro no Ministério da Agricultura eu provei e gostei de duas, uma que é a Adamantine de Vitória da Conquista e outra de Arraial D’ajuda chamada Arraiana Mucugê. Mas também provei várias cervejas caseiras, gostei de várias. Como tudo na vida você encontra coisas ruins e boas, algumas tinhas defeitos bem claros, já outras eram bem feitas e bem gostosas.

Você pode acompanhar o Viajante Cervejeiro nos seguintes endereços:

– Facebook
Instagram: @viajantecervejeiro
Site

E o Boteco Bagacinho aqui:
– Endereço: Rua Comendador Bernardo Catharino, 171, Barra
– Facebook
Instagram: @bagacinhoboteco

 Pedro Del Mar  baiano, 25 anos, repórter e colunista. Um curioso nato que procura enxergar o mundo sem as velhas e arranhadas lentes do estabilshment. Acredita que para todo padrão comportamental há interessantes exceções que podem render boas histórias.

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