Crítica

Crítica 120 batimentos por minuto | começa a briga pelo Oscar

120 batimentos por minuto estreia

Dirigido por Robin Campillo. Roteirizado por Robin Campillo, Philippe Mangeot. Elenco: Nahuel Pérez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel, Antoine Reinartz, Félix Maritaud, Aloïse Sauvage, Médhi Touré, Simon Bourgade, Catherine Vinatier, Saadia Bentaïeb, Ariel Borenstein, Théophile Ray, Simon Guélat, Jean-François Auguste, Coralie Russier

Por Gabriella Tomasi

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2017, assim como um dos concorrentes à Melhor Filme Estrangeiro no Óscar de 2018 representando a França, o filme do marroquino Robin Campillo chega comercialmente aos cinemas, abordando uma temática considerada como tabu até os dias de hoje: a AIDS.

No final dos anos 80, a AIDS se tornou mundialmente conhecida no seu auge, eis que foi nessa mesma década que fora descoberta nos Estados Unidos.  Essa doença gerou muitas controvérsias e era pouquíssimo falada, principalmente por atingir a comunidade LGBT, a qual sofreu duras repressões – já não bastasse o preconceito que já existia contra ela. É também nessa época em que o movimento não-governamental ACT UP surgiu sob a liderança do produtor e roteirista Larry Kramer (um dos criadores da série Seinfeld) no país, inspirando inúmeras outras nações a reivindicarem também por pesquisas, tratamentos eficazes e urgentes, assim como a igualdade de gênero. 120 batimentos por minuto fala e homenageia essa luta de um grupo de jovens heróis pertencentes ao ACT UP em Paris na França, explorando um tema delicado, mas com muita responsabilidade.

Os números que apresentam a atual quantidade de indivíduos que portam o vírus do HIV demonstram que essa batalha não foge da realidade do presente século. Campillo, dessa forma, se encarregou de mostrar o quanto a união é importante e se faz necessária em qualquer momento conturbado sem, contudo, romantizar o risco de vida enfrentado pelos personagens. Com uma abordagem tão realista e com câmeras ora estáveis, ora tremidas capturando o movimento de várias pessoas por meio de planos fechados, a obra ficcional possui um verdadeiro tom documental.

120 batimentos por minuto

Da mesma forma, o roteiro aborda o cotidiano do movimento e o íntimo de seus personagens principais, como se estivesse acompanhando o rumo das vidas daquelas pessoas – o que apenas reforça esse tom. Muitos dos diálogos são didáticos e servem para apresentar as causas, as consequencias, e as possíveis curas da doença sem soar monótono ou expositivo demais, ao contrário, tudo há um contexto dentro de debates, pesquisas, discussões, reuniões etc. Foi também uma oportunidade de Campillo demonstrar o quanto esse grupo é diversificado podendo entre eles mesmos causar desavenças e brigas diante de diferentes opiniões e personalidades: pessoas surdas, homossexuais, soropositivos ou negativos, transexuais, héteros, entre outros. Todos fazem parte. Aliás, é fascinante a maneira como o cineasta se distancia de todo e qualquer estereótipo envolvendo seus integrantes, evidenciando ao mesmo tempo o preconceito alheio sem que isso seja um motivo para vitimizá-los e, ainda, retratando-os como humanos com desejos, ambições e sonhos – algo que pavorosamente a industria cinematográfica não parece ter esse cuidado.

Além do roteiro, a técnica é tão impecável quanto. Pode-se afirmar que o ritmo é por muitas vezes frenético representando a urgência para uma solução à AIDS, quando, por exemplo, o grupo discute as ações e protestos que irão fazer enquanto testemunhamos o plano em execução. Mas também observamos a urgência por viver e aproveitar o fato de estar sobrevivendo, de estar vivo. Neste sentido, os planos mudam completamente mediante o rack focus, representando os momentos lúdicos e utópicos em slow motion, dessa forma simbolizando a intenção de todos em parar no tempo para que a alegria não cesse mesmo em tempos difíceis. É o que vemos quando todos dançam ao som de uma música vibrante com luzes piscando o tempo todo, aproveitando a noite, além da poeira que paira sobre os personagens representando as células da doença, assim como em outro momento, as cinzas de um amigo.

Longe de ser pessimista, 120 batimentos por minuto é um filme que representa, como um todo, um alarme para seu público, um sinal de alerta sobre como nós mesmos encaramos certos assuntos com tanto preconceito e desdém – assuntos que ainda merecem serem discutidos. Com tanto conhecimento e propriedade transmitido por Campillo, podemos aprender com o passado para olhar o futuro com esperança, com união e força.

Sendo assim, 120 batimentos por minuto resulta em um dos filmes mais lindos e comoventes a que já assisti.

Gabriella Tomasi é crítica de cinema, graduanda em letras, membro do coletivo de mulheres críticas de cinema – ELVIRAS, e possui o blog Ícone do Cinema

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