Crítica

Crítica 1ª temporada “O Mecanismo”: o que achamos?

O Mecanismo

Série entra com tudo na política nacional e conta a história das investigações que deram vida a maior operação anticorrupção da história do país

O que falar de “O Mecanismo” nova série da Netflix dirigida por Zé Padilha (de Tropa de Elite e Narcos) e estrelada por Selton Mello? A dificuldade é tamanha, principalmente porque não dá para distanciar uma análise sobre a série e uma análise sobre a política nacional partidária. Sim, mesmo que no fim das contas a série deixe bem claro que são todos farinha do mesmo saco (e de fato são), a vida da operação Lava Jato se mistura com a vida do Partido dos Trabalhadores no poder, tanto com Lula tanto com Dilma.

Esse é um ônus que a produção da série terá que arcar por escolher contar um período bem específico da história política brasileira.

Os ‘personagens’

A série de Zé Padilha, diferente do filme Polícia Federal – A Lei é Para Todos, modifica os nomes dos personagens (uma mudança um tanto sarcástica para falar a verdade, mas ainda assim mudança). Inspirada nos fatos reais, mas com modificações também, a série da Netflix consegue ir além e alcançar o objetivo, que é explicar todo o esquema de corrupção na política brasileira. O tal esquema é colocado de forma didática, até porque não é algo tão sofisticado de entender. Talvez o seja para acreditar.

Os personagens principais são destaques a parte: primeiro quem comanda a série, Ruffo, interpretado por Selton Mello. O trabalho de Selton, por melhor que seja, não é o mais destacado da temporada, mas ainda assim é o seu personagem o responsável por começar a trama, e por finalizar. A ideia de protagonista se encaixa nele, mesmo sabendo que há duas atuações em “O Mecanismo” que estão acima da dele. Isso não quer dizer que Ruffo é um personagem simples, pois não é. Com um comportamento psicológico bem soturno, a personalidade dele varia de apaixonado por justiça a esquizofrênico.

Se Selton representa a justiça em “O Mecanismo”, Enrique Diaz representa o extremo oposto. E o faz com maestria. Interpretando o doleiro Ibrahim ele acaba sendo uma das figuras mais marcantes desta temporada de estreia. O modo como ele flerta a todo instante com o poder, e como ele tem muitos políticos e empresários nas mãos é um sinal de que nada adianta estudar, o que vale no país descrito pela série é ser esperto. E espero é algo que Ibrahim certamente é.

A outra atuação que colocamos acima da de Selton é a da atriz, a menos conhecida dos três, Caroline Abras, que interpreta Verena, o grande nome por trás da Operação Lava Jato na série. Seu papel é dos mais representativos na narrativa, pois se tirarmos ela, todas as outras figuras femininas só existem por conta de seus maridos. Não que suas funções sejam desmerecidas, mas Verena consegue com perfeição representar a mulher contemporânea e o contexto atual do Brasil.

O roteiro, que ora flerta com os fatos nos seus detalhes, e ora se entrega à ficção, consegue se fazer entender, e talvez seja este o objetivo de Zé Padilha: explicar sem ser panfletário. É uma tentativa válida, mas que as vezes derrapa em uma visão que pode soar simplista. Toda investigação da Lava Jato se concentrou neste momento da série nos partidos de governo, o PT e seus aliados. Mas sabe-se que muitos desses políticos já estavam na máquina estatal na era FHC. Então como trabalhar um tema tão plural com uma abordagem direcionada a um grupo político?

O Mecanismo

As poucas aparições de um Senador mineiro que brigava nas eleições com Janete ( a nossa Dilma), e que é a representação de Aécio Neves, são os únicos momentos da série onde o narrador, Ruffo (Selton Mello), deixa claro que a corrupção é sistêmica, e que se o ex presidente e a presidenta são coniventes com a corrupção, os opositores certamente também o são. Todos são corruptos, inclusive o rapaz que se apresentou para consertar um problema do esgoto da rua em que Ruffo mora.

O trabalho que o Ministério Público e o Juiz Ricco (o nosso Sérgio Moro) realizam é recheado de altos e baixos, tanto nas atuações quanto nas escolhas narrativas. O juiz, que na série é bem menos charmoso que Moro, aparece em situações sempre pontuais e poucas vezes o vemos refletir sobre a situação em que vive. Sempre o vemos assinando mandados e explicando o porquê de algo acontecer ou não acontecer.

Já o Ministério Público é descrito como um antro de egos que sempre buscam o protagonismo em situações emblemáticas como foi e é a Operação Lava Jato. Por muitos momentos parecia que o MP duelava com a Polícia Federal para saber quem de fato é o pai desta que é a maior operação anticorrupção da nossa história.

A primeira temporada da série, que cobre somente esta fase inicial da operação, e que vai até meados de 2015, é só a ponta do iceberg. Muitas coisas aconteceram de lá para cá, e inclusive estamos prestes a presenciar pela primeira vez na história deste país um ex-presidente tão popular sendo preso. Certamente se este evento vier a acontecer, será o ápice de toda a operação  um marco para a história do Brasil.

A série de Zé Padilha é educativa, pedagógica, e ao mesmo tempo entretém. O fato de termos situações que foram modificadas atrapalha um pouco na credibilidade que a trama possa querer passar, mas ainda assim não é nada de muito grave. Zé Padilha é inteligente o suficiente para ter entregado algo que mexe com todos, brasileiros ou não, e que tem força suficiente para agradar a direita, por ideologia, e a esquerda, pela qualidade narrativa.

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