50 Tons de Cinza
Filme estreou quinta-feira nos cinemas transportando para as telonas uma das histórias mais bem sucedidas da literatura adulta atual
Por Luis Fernando Pereira
50 Tons de Cinza vem sendo até este instante o filme mais comentado do ano, e este posto se deve basicamente ao enorme barulho causado pela campanha publicitária do filme desde os primeiros dias de produção da adaptação literária. Os fãs da saga de Christian Grey e Anastasia Steele estavam com as expectativas a mil; o resto, cinéfilos e pessoas normais, estavam curiosos para saber se o filme seria realmente tão apimentado.
E ai, o filme entrou em cartaz esta semana, então o mínimo que todos desejam agora é: respostas.
Valeu à pena a espera? Dá para refletir e introduzir psicologia ao filme? O filme é erótico?
Respondendo: o filme, dirigido pela cineasta Sam Taylor-Johnson (O garoto de Liverpool) e que retrata o relacionamento do jovem milionário Christian Grey (Jamie Dornan, da ótima série The Fall) com a estudante Anastasia Steele (Dakota Johnson), saiu, no fim das contas, bem além do que esperávamos. A espera valeu neste sentido, por fazer o espectador se surpreender ao invés de se decepcionar.
Todos imaginavam uma história erotizada, que buscaria fisgar o público pelas cenas de cunho fetichista e sexual. Neste sentido, 50 Tons de Cinza surpreende, pois apresenta, mesmo que ainda superficialmente, um personagem com seus demônios internalizados, e é daí que surge boa parte de suas práticas sexuais.
A sua falta de vontade em se relacionar amorosamente com alguém, e em contrapartida, de fazer de suas relações, práticas regradas (com inclusive a assinatura de contrato) transforma Grey num personagem interessante, com algumas camadas e possíveis reflexões. Por que ele é assim? O que faz um ser humano ter um comportamento tão peculiar como o de Christian?
No filme esta resposta não é clara, mas acredito que o homem (raça) já possui todo este potencial de sentimentos, desejos e vontades ditas excêntricas em si, só basta um elemento que o faça externalizar isso. Nem sempre acontece, por milhões de detalhes, mas Grey não deve ser considerado uma figura anormal por possuir essas caracteristicas em sua personalidade.
A relação de dominação e submissão, fator de destaque no livro, e que motiva discussões e imaginação do público, é aqui desenvolvida preliminarmente, sem adentrar muito na principal questão, que é saber que tipo de prazer esta prática fornece para ambos. Na história, Christian nos dá mensagens que liga esta prática com uma espécie de pacto de intimidade. O que ele oferece em troca da submissão de Anastasia? Proteção, cuidados, atenção… é como se o universo que eles compartilham (o do sadomasoquismo) fosse o elemento de união dos dois.
50 Tons de Cinza
Erótico?
O filme, que é baseado no primeiro volume da trilogia erótica de E. L. James, é absurdamente mais comportado que o livro, e esta escolha trouxe por um lado uma sofisticação maior para a narrativa, mas por outro tirou o que mais chamava atenção na versão literária, que era aquela fome sexual de Christian, aquele desejo erotizado impregnado na sua pele, na sua voz, em suas falas. O roteiro, ao suavizar o protagonista, acabou deletando uma parte do DNA de 50 Tons de Cinza.
As atuações de Dakota Johnson e Jamie Dornan não comprometem de forma alguma a história. Dakota entrega o que lhe pediram: uma jovem aparentemente inocente, virgem, romântica, mas com uma vontade (escondida em algum lugar de sua personalidade) de conhecer e testar seus limites. Ela faz isso bem, mesmo por vezes demonstrando certo desconforto, que não sabíamos se era da personagem ou da atriz.
De Jamie Dornan esperávamos mais, principalmente por sabermos do que o ator é capaz. Jamie acabou de finalizar a segunda temporada da série The Fall, e dominou completamente a história, levando ao seu personagem (um serial killer) dezenas de camadas e detalhes de personalidade, numa riqueza de interpretação.
Em 50 Tons de Cinza ele perde um pouco o brilho, e não deixa tão evidente o poder que Christian Grey possui na história. Usando aqui uma linguagem chula, ele era para ser o fodão da trama, esbanjando poder, arrogância, sensualidade e sexualidade. Mas nesta primeira parte da história ele parece ter sido castrado. E meio que foi, pelo roteiro, que resolveu tirar a parte mais pesada de sua libido e colocou no lugar algo mais palatável.
Essas decisões de Sam Taylor-Johnson e equipe de produção não estragaram o filme, que cresce um pouco quando inserimos os elementos técnicos na análise. Uma direção segura, uma fotografia bem densa e cinzenta (o clima de Seattle ajuda) e uma trilha sonora arrebatadora, que adentra na trama nos momentos certos e que casa de uma maneira tão homogênea e prazerosa na história.
50 Tons de Cinza é bem melhor do que você, caro leitor, imaginava. Ainda está aquém do que você, caro cinéfilo, desejava. Usando então um meio termo, ele é um bom filme, não chega a ser erótico, não chega a ser dramático, não chega a ser romântico. Sem rótulos.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site