Amor de Mãe
Texto belo e bem escrito, direção artística impecável, músicas bem selecionadas, discurso político: a excelente primeira semana de AMOR DE MÃE.
Inicio este texto, que pretende discorrer sobre a primeira semana da telenovela AMOR DE MÃE, de Manuela Dias, com supervisão de texto de Ricardo Linhares e direção artística de José Luiz Villamarim, desejoso de que todas as adjetivações presentes no título possam permanecer durante os seis a sete meses que essa trama deve ficar no ar.
Desejo exposto, preciso enfatizar que, com a estreia dessa nova novela das 21h, voltei a ter esperança de que o principal horário de telenovelas, no Brasil, o das 21h (antigo 20h), da Rede Globo, retorne a ser um horário de qualidade artística. Sim: ao afirmar isso, eu termino colocando em questão a qualidade da maioria das novelas anteriores, que foram exibidas nesse mesmo horário. Com raríssimas exceções, a exemplo da excelente A FORÇA DO QUERER e da ótima SEGUNDO SOL, não temos tido a presença de produções das nove que prezem pela qualidade, especialmente, a qualidade textual. Algo inverso – que venho expondo já há alguns anos – é o que acontece com a qualidade das telenovelas das 18h: ótimas tramas – de textos coerentes e, o melhor, muito bem escritos -, direções de arte impecáveis (vide ORGULHO E PAIXÃO, ESPELHO DA VIDA e, atualmente, ÉRAMOS SEIS) e tramas que fazem com que a gente, telespectadores, tenhamos vontade de continuar assistindo. Cito o horário das seis porque é fato que as tramas das 21h possuem, tradicionalmente, um orçamento bem maior que as novelas exibidas nos três outros horários – MALHAÇÃO, a das seis e a das sete. E, por conseguinte, deveriam ser as melhores.
A baiana Manuela Dias, formada em Jornalismo pela UFBA, não é uma autora novata. Como autora titular de uma telenovela, sim. Contudo, ela já havia escrito a esplendida série JUSTIÇA, em 2016. E, para aqueles que assistiram os primeiros capítulos de AMOR DE MÃE, muito provavelmente devem ter percebido o estilo de Manuela, aquele mesmo que já tínhamos visto na citada série.
E esse estilo interessante – e realista – de escrita se junta, mais uma vez, ao estilo contido e, ao mesmo tempo, audiovisualmente prazeroso de ser ver, de Villamarim, junção já concretizada em JUSTIÇA.
Amor de Mãe
Um grande diferencial dessa nova trama, foi a já tradicional primeira fase dos protagonistas de uma novela. Enquanto, costumeiramente, temos uma semana, ou até mais, para conhecermos a origem de alguns personagens importantes à trama, em AMOR DE MÃE, o que temos, e não só no primeiro capítulo, como em alguns capítulos seguintes, são essas informações passadas através de flashbacks – alguns rápidos, outros mais longos, a exemplo do primeiro bloco do primeiro capítulo, quando Lurdes, interpretada por Regina Casé, em um primeiro plano longo, sem um único corte para a advogada Vitória, conta, para essa advogada, sua origem e o seu drama de ter tido o seu filho caçula vendido pelo próprio pai, seu marido.
A partir daí, após o conhecimento do principal conflito vivido pela primeira protagonista – Lurdes – passamos a conhecer as outras duas protagonistas. A extremamente bem sucedida advogada Vitoria Amorim, interpretada por Taís Araujo que, aparentemente, não vê problema em defender clientes inescrupulosos, e a mãe super protetora Thelma, vivida por Adriana Esteves, que descobre ter um aneurisma inoperável e, por acreditar categoricamente que o filho é um rapaz fraco, sem personalidade e sem nenhuma estrutura para viver sem ela, Thelma decide não contar ao rapaz que, a qualquer momento, o aneurisma pode estourar. E, se estourar, ela morre.
Três protagonistas com dramas estabelecidos e que precisam ser resolvidos.
Manuela Dias é drama. E como eu costumo dizer: drama com D maiúsculo. E prevejo que AMOR DE MÃE deverá ser uma trama para adultos. Para se ter uma ideia do que digo, no primeiro capítulo, em legítima defesa, Lurdes mata o marido, ainda no flashback da primeira fase. Na fase atual, Magno, filho mais velho dela, no intuito de defender uma mulher que estava sendo violentada, termina por matar o estuprador e, agora, finalizando a primeira semana da trama, vemos Magno apaixonado pela irmã do criminoso que, até o momento, não sabe que seu amado é o responsável pela morte (ou provável morte, já que não se viu mais o corpo) do seu irmão.
Murilo Benício, que faz um rico empresário, apaixona-se pela personagem de Nanda Costa e, por conta dessa paixão que ele diz ser sincera, tem a coragem de se separar da esposa neurótica e infeliz. E essa esposa – Lídia, defendida por Malu Galli – nos proporcionou, só nessa semana, um daqueles barracos que os espectadores adoram.
E várias outras tramas paralelas que se caracterizam pelo aspecto dramático. Por conta disso, não sei – as próximas semanas dirão – se haverá muito ou algum espaço para a comédia em AMOR DE MÃE.
A proposta de AMOR DE MÃE é ambiciosa. A expectativa do público, e também da classe artística e do jornalismo da área, grande. Acredito que tal expectativa não foi frustrada, pois terminamos o último sábado com a clara impressão de que teremos uma grande telenovela pela frente. Uma telenovela, inclusive, que tocou e estar desenvolvendo temas políticos, a exemplo da inclusão de negros em universidades.
A sequência da personagem de Jessica Ellen, que é recém-formada em Licenciatura em História, na sala de aula, para seus alunos, foi um dos discursos mais emocionantes já vistos na história recente das telenovelas brasileiras. A cena em que Lurdes ouve da criminosa que comprou seu filho de que o menino havia morrido logo após a compra, e que estava enterrado num cemitério do Rio de Janeiro, é de cortar o coração. A música de fundo, de Chico César, na voz de Maria Bethania – Onde Estará o Meu Amor -, junto com a atuação de Regina Casé, já valeu aquele capítulo. Aliás, acredito que com essa nova novela, Regina Casé continuará provando que é uma das melhores atrizes do Brasil.
Contudo, há, sim, mais duas protagonistas defendidas por duas excelentes atrizes: Adriana Esteves e Taís Araújo. Mas, aposto que será Regina, como Lurdes, que continuará (pois, já está sendo assim) roubando a cena.
Os bons adjetivos para essa trama de Manuela Dias são muitos. É verdade! E muitos deles são otimizados pelas músicas selecionadas para compor a trilha musical desta obra. À excelente abertura – que mostra cenas cotidianas das mães com seus filhos – tem-se a obra-prima É, de Gonzaguinha. Há, também, creio que ineditamente, uma música dos Los Hermanos numa trilha de novela, que é a esplendida Sentimental, tema dos personagens de Murilo Benício e Nanda Costa.
A direção, então, merece uma atenção à parte.
Como disse, é a segunda parceria entre o texto de Manuela e a direção de Villamarim.
Os planos de câmera que estão sendo apresentados em AMOR DE MÃE possuem uma qualidade artística audiovisual raramente vista em produtos televisivos que, normalmente, nos oferecem planos básicos, óbvios, que tendem a não sair muito do lugar comum: uma câmera na mão, nervosa, se a sequência tiver cenas agitadas, de perseguição, ou um básico travelling acompanhando algum personagem, ou o estabelecimento de um plano de conjunto, mostrando o contexto do local, para mostrar, depois, o campo/contracampo que envolva os personagens.
Em AMOR DE MÃE já houve, só nessa primeira semana, um maravilhoso plano-sequência, quando Magno (Juliano Cazarré), um dos filhos de Lurdes, sai do trabalho, vê um motociclista atropelado, continua a caminhar pela rua, depara-se com o carro de Vitória preso no engarrafamento, responde, rapidamente, uma pergunta feita por ela, continua seu percurso, cruzando também com o carro da personagem de Adriana Esteves, chegando, por fim, a um beco onde ouve uma mulher gritando por socorro. Vários acontecimentos sem um único corte, e tudo ao som da música O Estrangeiro, de Caetano Veloso, música de 1989.
Tem sido constante, também, a presença da câmera parada num determinado ambiente, à espera que os personagens possam entrar em quadro. Ou, ainda, planos abertos que dão privilégio à locação, mas sem deixar de mostrar todo o diálogo que acontece entre os personagens inseridos na cena.
Artisticamente e tecnicamente, só posso elogiar a primeira semana de AMOR DE MÃE. É evidente que, se os contextos dramáticos forem os únicos, sem haver espaço ao respiro cômico, a novela tende a ganhar uma aura que, talvez, possa sufocar os telespectadores.
Mas, se os mesmos conflitos citados no decorrer desse texto, e outros que, acertadamente, devem surgir, tiverem fôlego para os mínimos seis meses que AMOR DE MÃE deve permanecer no ar, creio que a estreia de Manuela como autora titular terá sido marcada pela excelência textual numa trama realista, com emoções verdadeiras.
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