Animais Noturnos filme
Direção e roteiro por Tom Ford. Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson, Isla Fisher, Armie Hammer, Laura Linney, Andrea Riseborough, Michael Sheen, Ellie Bamber
Por Gabriella Tomasi
Animais Noturnos é um filme provocativo e ousado desde os créditos iniciais quando apresenta mulheres idosas e nuas dançando, portando uma obesidade praticamente mórbida. É provável, portanto, que o longa sofra duras críticas por parte do público, como já o foi por parte da crítica. Porém, é exatamente em função destas “chocantes” imagens é que podemos entender o tema central tratado aqui: as imperfeições.
Na sequencia, vemos que estas mulheres fazem parte de uma exibição em uma galeria de arte realizada por uma renomada artista Susan (Adams). Rica, famosa, mora em uma mansão luxuosa e casada com Hutton (Hammer) um homem polido e atraente. Mas ainda que isto na superfície seja um cenário invejável, notamos pela sua linguagem corporal e o ambiente daquela casa pouco acolhedora, que ela não parece ser tão satisfatória assim, principalmente ao sabermos que o marido é tão distante a ponto de sequer se importar se sua esposa descobre seus casos amorosos.
Certo dia, a protagonista recebe uma encomenda de seu primeiro marido Edward (Gyllenhaal): um livro de sua própria autoria intitulado “Animais Noturnos”. Dedicada esta obra especialmente à ela, tal como consta na sua primeira página, Susan se torna bastante intrigada com o que seria a história, já que ela confessa de antemão que o título significa um antigo apelido que o ex lhe atribuiu. Então, ela decide lê-lo.
À partir disso, mergulhamos em três tramas distintas: a realidade atual, na qual foca nas atitudes e sentimentos despertados pela protagonista durante a leitura da obra; as memórias do relacionamento de Susan com Edward e; por fim, a própria realidade do livro, recriada em imagens. Dessa forma, a montagem demonstra ser extremamente habilidosa, no sentido de executar muito bem a alternância entre as cenas destas três realidades, assim como inseri-las nos momentos onde se fazem necessárias, sem que isto prejudique o ritmo da narrativa. Além disso, Ford demonstra uma criatividade incrível ao empregar rimas visuais para fazer as transições e as ligações entre uma cena e outra e realmente funcionam muito bem, como por exemplo, um plano com uma filha e sua mãe nuas se abraçando cortando para outro plano de dois amantes nus se abraçando ou então a caída de uma caneta em dois momentos distintos.
Animais Noturnos filme
Porém, as referidas rimas também têm um contexto metafórico na sua execução. Elas servem para nos dizer que as escolhas do passado refletem nas consequencias do presente de Susan, e isto aprendemos na medida em que observamos a história do livro Animais Noturnos.
Nele, acompanhamos a trajetória de uma família: o pai Tony Hastings, interpretado por Jake Gyllenhaal, a esposa Laura Hastings (Fisher) e a sua filha India (Bamber) em uma viagem de carro. Certo momento, eles são encurralados por um carro com bandidos perigosíssimos que acabam com a tranqüilidade dos três personagens e os torturam. Tony consegue escapar, mas Laura e India acabam sendo assassinadas por eles. Completamente arrasado e diante de um sistema burocrático que não consegue colher provas concretas para deter os criminosos, mesmo sendo reconhecidos como os autores, Tony conta com a ajuda do policial Bobby Andes (Shannon) que sensibiliza com a causa e se prontifica a ajudá-lo. Já que está prestes a morrer, e não tem nada a perder, eles buscam uma punição mais “informal”.
Ocorre que, ao contrário do que podemos presumir, esta não é uma mera obra de ficção. Ao fazermos uma análise mais aprofundada, a história é o retrato perfeito da vida de Edward e os impactos que seu divórcio teve nele. Aliás, podemos constatar isto de início apenas pelo fato de que o filme, por meio de Amy Adams, recria em sua mente as personagens de Fisher e Bamber com traços físicos muito semelhantes aos seus, como o cabelo ruivo.
Neste contexto, não coincidentemente a narrativa da ficção literária nos conduz à somente duas pessoas (dois bandidos) de quem Tony pretende se vingar. Duas pessoas, as quais são as principais responsáveis por tirar dele sua paz e a possibilidade de viver sua vida feliz com uma família. Tal como na sua vida real, foram duas pessoas que privaram Edward de construir tudo isto com Susan.
Animais Noturnos filme
Além disto, a ausência da presença em tela de Jake Gyllenhaal no papel do ex-marido é espelhada pelo fato de que na ficção ele sempre hesita em criar coragem e manter-se concentrado quando enfrenta tais pessoas. Não conseguindo tomar uma atitude, um deles verbaliza muito enfaticamente uma palavra que ele sempre quis ouvir na vida real, mas que acredita que nunca tiveram coragem de lhe dizer: “fraco”.
É uma história que, portanto, pode ser perfeitamente contrastada entre o abuso emocional de Edward que busca ser curado por meio do livro, com o abuso físico de Tony pelos dois deliquentes, o qual visa ser curado com mais violência. Ou seja, a antiga lei do “olho por olho, dente por dente”. E este nexo permite ser realizado pelo espectador quando somos introduzidos às próprias lembranças do relacionamento de Susan e Edward, como se conheceram, como se relacionaram e a causa da separação. De como ela chegou a conhecer e a casar posteriormente com o segundo marido.
Mas esta justiça feita pelas próprias mãos, uma perseguição e um desejo de vingança insaciável, por consequencia, nos traz um ensinamento muito grande. É o fato de que a violência é um círculo vicioso; de que se pode chegar ao fundo do poço se sacrificando em busca de uma punição ao responsável por um determinado evento que tenha mudado por completo sua vida. Porém, no final, não leva a lugar algum, somente à sua própria destruição e autosabotagem.
Desta forma, não é a toa que Susan fica emocionada ao se identificar com a obra de Edward. Não é a toa que suas memórias retornam conforme a leitura. Tampouco é ao acaso que ela demonstra certo arrependimento pelas suas escolhas, muitas delas movidas pelo egoísmo e pelo materialismo.
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E afinal, as pessoas não são imperfeitas, tal como abordamos inicialmente? Essa é a própria natureza humana nua e crua. No entanto, nossas escolhas, boas ou ruins, muitas vezes são apenas feitas olhando para o benefício que trarão a nós mesmos, e deste modo, ignoramos a possibilidade de afetar outras pessoas e o rumo que a vida delas segue. Esta relação causa-consequencia do qual mencionamos anteriormente é o que leva à vingança por Edward na vida real. Ou Tony na ficção.
A direção e o roteiro do talentoso Tom Ford foram essenciais para que essa psicologia seja explorada e refletida. A obra maravilhosa que é Animais Noturnos é prova de que o famoso estilista tem um comprometimento sério com a indústria cinematográfica.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o blog Ícone do Cinema