Bloodline
Bloodline carrega em seu roteiro denso a principal virtude da trama; público entra no âmago de uma família disfuncional americana
Por Luis Fernando Pereira
Logo nos primeiros minutos de Bloodline, quando a primeira sequência é mostrada e vemos quase todos os personagens sendo apresentados de forma bem dinâmica, ficamos com aquela sensação de que a história que será contada a partir dali tem um quê de outras que já vimos antes: lembra um pouco Twin Peaks e a ideia de que por trás de uma família (ou comunidade) aparentemente comum se esconde pessoas estranhas e problemáticas. E lembra também Ray Donovan, esta ainda no ar (indo para a terceira temporada) e que apresenta uma família americana que luta para manter uma normalidade que todos sabem não existir.
E é neste meio termo que se encontra Bloodline: com toda uma atmosfera pesada, carregada mesmo, tal como a história de Ray, e com toda uma trama com ares de suspense e mistério, como Twin Peaks um dia foi. E o resultado de tudo isto é, ao menos num primeiro momento, uma narrativa tensa, intensa, que joga no espectador todas as mazelas de uma família cheia de cicatrizes resultantes de brigas e confusões ao longo do tempo. Em suma, a Netflix acertou em cheio ao apostar num drama adulto.
História
Bloodline segue a vida da família Rayburn, uma família americana nos dias de hoje que é o pilar de sua comunidade na Flórida. Quando Danny (Ben Mendelsohn), o filho mais velho e ovelha negra da casa retorna para o aniversário de 45 anos do hotel da família, ele ameaça revelar os mais escuros e sombrios segredos do passado da família Rayburn e leva seus irmãos a testar até onde vão os limites da lealdade entre eles.
A primeira grande qualidade da série reside no seu elenco principal. Todo o núcleo familiar primário (os pais e os quatro irmãos) é interpretado por atores talentosos que conseguiram passar aquele ar de dissimulação que uma família como a dos Rayburn possui. É por conta disso que a cada diálogo imaginamos que algo vai sair do controle, como em uma das cenas iniciais, quando Danny pede para brindar o aniversário de casamento dos pais. Todos acreditam que ali as coisas sairão do controle, mas nada de fato acontece.
Esta estrutura familiar acaba ajudando a criar um clima de apreensão constante na família e faz a série ter esta atmosfera mais pesada, como se não existisse a possibilidade de termos sequências mais alegres e felizes.
Ainda falando do elenco, não podemos esquecer-nos do ótimo trabalho da dupla formada por Sam Shepard e Sissy Spacek, os patriarcas da família Rayburn. Uma história que se dê ao luxo de ter esta dupla trabalhando junta não merece de forma alguma ser ignorada.
Bloodline
Mistério
Se a carga dramática foi um elemento quase que automático na história, o suspense e o mistério foram jogados ao longo do primeiro episódio, e esta perspectiva vai fazer os espectadores da série querer assistir todos os episódios logo de uma vez. Temos logo de cara duas mortes, uma ainda não identificada e outra que será o grande fio condutor da temporada. Estas duas mortes abrem dezenas de possibilidades para a história, que passa a dialogar também com o gênero policial.
Um ponto que ajuda bastante neste ar de mistério é a forma como Bloodline é narrada. Quem conta a história aqui é John (Kyle Chandler), o irmão exemplar, que busca unir a família e que sempre defendeu a ovelha negra (Danny). Desde o início o roteiro faz o público entender que ele é uma boa pessoa, de bons princípios, e com boas intenções. E o roteiro faz isso justamente para, logo no final do primeiro episódio, subverter esta ideia e criar um nó na cabeça de quem assiste.
Bloodline estreou nesta sexta-feira na Netflix como grande aposta da empresa para este semestre. Os 13 episódios da temporada já foram disponibilizados, ou seja, se você tiver um tempinho sobrando, pode terminar a primeira temporada em um único fim de semana. Para os desafortunados, resta buscar tempo e continuar o trabalho de conhecer cada vez mais a família Rayburn.
A sensação é a de que cada segundo valerá a pena.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site