Deixando Neverland
Documentário foi exibido neste fim de semana pela HBO Brasil, após ter sido motivo de muita polêmica nos países que já haviam mostrado
É chocante assistir o documentário “Deixando Neverland”. É perturbador. Mas o mais estranho e absurdo é que nada daquilo que vimos nas quatro horas de exibição soa, agora pensando em perspectiva, soa falso ou algo novo.
Sim, não temos conhecimentos dos fatos, não havia uma câmera filmando os atos de Michael Jackson com os dois garotos. Sendo assim, não podemos afirmar com veemência que os relatos dos dois protagonistas do documentário (Wade Robson e James Safechuk) são verdadeiros. Mas é inegável que quem vivenciou toda esta época da carreira profissional de Michael Jackson percebia (ou deveria perceber) que a sua relação com crianças e com o mundo era por demais estranho. Essa estranheza não pode significar que Michael era pedófilo. De forma alguma. Mas esta estranheza, aliada aos depoimentos dos dois, e juntando-se com os demais casos que foram explicitados ao longo da vida do astro, torna ao menos verossímil os relatos chocantes de ambos.
Mas seria tão difícil imaginar que os dois estão mentindo do início ao fim, e que só querem fama? Esta é uma pergunta que certamente paira pela cabeça dos fãs do maior astro pop da história da música. Não seria inédita tal situação, mas analisando sem parcialidade alguma, é muito mais saudável imaginarmos que estes dois rapazes falam de forma honesta sobre as suas experiências com Michael. E para analisarmos este documentário, temos que abraçar que este conteúdo é verdadeiro.
E sendo verdadeiro, podemos questionar mais uma coisa: o que muda com a agora quase afirmação de que Michael Jackson foi um predador sexual, e pior, com crianças como público alvo? Se atores consagrados nos Estados Unidos tiveram suas carreiras e vidas destruídas (Kevin Spacey, por exemplo) por manterem ou tentarem manter relações com adultos, imagina então o que poderia ter acontecido com Michael, caso ele estivesse vivo?
O documentário dirigido por Dan Reed tem poder de fogo suficiente para destruir qualquer pessoa que fosse o alvo. Detalhado, explicito, poderoso e com uma narrativa que vai envolvendo quem assiste. Ele não choca logo de cara. Dan ao montar o documentário, o faz contando uma historia bem do seu início, com todos os detalhes possíveis. Chega a criar no espectador aquela pergunta: mas quando veremos algo de revelador. Os primeiros momentos têm como foco justamente a fase em que as duas crianças ainda sonham em conhecer Michael Jackson ou sequer sabem direito que é Michael. Os dois meninos, que já se destacavam desde crianças, são prodígios e logo de cara chamam a atenção do astro rei do pop, então no seu auge criativo. Michael então carrega essas duas crianças, em momentos diferentes de sua vida, para dentro de sua mansão, a icônica Neverland, onde adultos podem voltar a serem crianças.
Assim, num universo paralelo, mágico e lúdico, entramos em momentos dos relatos onde o que mais se ouvia era coisas do tipo: “ali fizemos sexo oral”, “ali nos beijamos”, “ali fizemos sexo”, etc. É perturbador quando nos deparamos pela primeira vez com estas frases. E por mais que estas frases continuem a ser ditas ao longo das quatro horas de documentário, elas ficam sempre chocantes aos ouvidos de quem assiste.
Deixando Neverland
Michael, mesmo que seja inocente – tal como decidiu todos os juris que jugaram seus casos, deu munição para que o mundo ao menos questionasse a sua relação peculiar com crianças. A mais emblemática foi, sem dúvida alguma, a que estabeleceu com o astro mirim Macaulay Culkin, hoje com 38 anos, a mesma faixa etária dos dois rapazes que protagonizam os relatos. Era tudo muito estranho. Analisando todos estes acontecimentos, e com dor no coração, afirmamos que a vida pessoal de Michael Jackson, mostrada para o mundo por escolha do próprio, era algo de uma esquisitice tamanha, com momentos em que era mais que razoável imaginar que ele estava fazendo coisas tal como as reveladas no documentário.
“Deixando Neverland” foi contestado, e muito, por fãs do cantor, e por personagens que tiveram papeis relevantes naquela época, como os advogados de Michael. A argumentação, mais que justificável, é a de que eles só querem fama. É difícil pensar desta forma, sobretudo pelo histórico de casos similares envolvendo Michael Jackson, mas ainda assim, somente a parte factual (as mensagens de fax, os vídeos, e as fotos que foram exibidas) já mostram uma relação das mais estranhas, que hoje em dia teria um poder destruidor em tempos de redes sociais que mais parecem inquisições.
Independente da veracidade do que foi revelado, podemos dizer que toda a construção narrativa de “Deixando Neverland” é chocante e perturbadora. Mesmo que fosse uma ficção, e contasse a história de um astro inexistente, estaríamos aqui aplaudindo o roteiro construído pelo roteirista, e dizendo que sua criatividade foi de uma profundidade e obscuridade tremendas.
Porém estamos possivelmente diante de algo que não é ficção. Infelizmente não é ficção. E não sendo realmente ficção, o mundo acaba para Michael Jackson e seu legado.