Ponto de Mutação – Cena do filme
À primeira vista ou, para ser mais exato, nos primeiros quinze a vinte minutos de Mindwalk, filme de Bernt Capra, lançado em 1990, adaptado do livro homônimo de Fritjof Capra, o espectador, muito provavelmente, irá se sentir um tanto quanto disposto a abandonar aquela história, por alguns motivos, sendo que, a sensação de que o que está vendo não é uma história, venha a ser o principal motivo de ele não continuar assistindo esse filme.Porém, se o espectador for paciente e, sobretudo, curioso para saber o que está para acontecer – ou não acontecer – naquele filme, ele terá a oportunidade de assistir uma honesta adaptação de um livro que discute, exaustivamente, assim como o filme, o que é esse mundo tão abrangente e assustadoramente diversificado e, ao mesmo tempo, tão conectado, mundo esse no qual vivemos.
O que há de história (ou de pretexto para se contar uma história) resume-se no fato de uma cientista – cheia de ideais, mas que teve vários de seus ideais traídos -, um político – que quer ser presidente dos Estados Unidos – e seu amigo, um dramaturgo – que está passando por uma crise pessoal e profissional – encontrarem-se num castelo medieval do Litoral da França e, em um único dia, trazerem à roda da discussão temas tão aparentemente diversos, e tão importantes, como ecologia, física quântica, tecnologia e novas tecnologias, política, amor, economia, guerra, tudo com o intuito de entenderem – ou tentarem entender – o mundo.
Os três personagens são americanos, mas vivem em mundos sociais diferentes. Entretanto, os três carregam, consigo, alguma (ou algumas) frustração. Sonia, por exemplo, a cientista, apesar de ser claramente a mais lúcida dos três – e tal lucidez é mostrada numa das primeiras sequências do filme: a ótima sequência do relógio -, não consegue manter uma convivência lúcida com a sua filha; o político, apesar de ser senador, perdeu as eleições para presidente e sente que vive numa mentira, sempre reproduzindo, nas suas falas públicas, a fala dos seus assessores,e o dramaturgo saiu dos Estados Unidos para morar na França, num claro comportamento de fuga.
Ponto de Mutação – Cena do Filme
E nesse único dia – um dia ensolarado naquele castelo medieval à beira de uma praia com ondas brandas – os três discutem vários desses temas já citados. Em vários momentos, discussões que começam em uma longa sequência para dar continuidade – ou finalizar – numa próxima (e, na grande maioria das vezes, também longa) sequência.
Pelo descrito acima, percebe-se que já há razões de sobra para que muitos não consigam nem chegar à metade do filme: Mindwalk tem uma hora e cinquenta minutos.
A questão aqui, não é ser, O Ponto de Mutação, um filme bom ou ruim. Ele pode ser extremamente degustável, e útil, bom, para um grande público – exatamente aquele púbico que está disposto a entender melhor, ou um pouco mais, o mundo no qual ele vive, e toda conexão que há entre os povos da Terra – como também pode ser um martírio, um produto audiovisual bastante torturante – para aqueles que se sintam obrigados, pela razão que for, a assistir esse filme.
Creio, contudo, que, em nenhum momento, Bernt Capra teve a preocupação de fazer uma obra que agradasse a todos ou, pelo menos, deixasse a maioria do público e crítica satisfeita, já que agradar a todos, ainda mais quando o assunto é cinema, é algo praticamente impossível. Acredito que ele tenha tido um claro objetivo de fazer um filme não só justo à áurea do livro, como justo no tocante a todos os temas delicados que são abordados durante as longas conversas dos três protagonistas. Percebemos, inclusive, que o filme deixa espaço para aquelas três pessoas se posicionarem: o cineasta não prioriza nenhum dos personagens, deixando-os livres para exporem suas teorias, comprovadas na prática, ou não, assim como também deixa-os livres para suas concordâncias ou discordâncias.
Do ponto de vista puramente voltado à linguagem cinematográfica, não podemos deixar de citar, como primeiro ponto a favor desse filme, o seu texto. Os diálogos de Mindwalk são extremamente bem engendrados, tão bem construídos que, muitas vezes, no corte de uma sequência para outra, a discussão, por rápidos segundos, é interrompida, e ficamos na expectativa de conhecer qual argumento um ou outro vai utilizar, para rebater as ideias expostas.
Destacaria, também, a ótima atuação do trio de atores principais, em especial, Liv Ullmann que, depois que passou a dirigir filmes, tem sido bem raras suas aparições como atriz de cinema. Tanto ela, quanto Sam Waterston e John Heard dão tamanha credibilidade aquelas palavras, escritas inicialmente no livro, transpostas para uma linguagem audiovisual, que nos sentimos impelidos a permanecer sentados, a fim de ver até onde vai aquele denso, sim, porém interessantíssimo debate sobre o mundo.
Mauricio Amorim é professor de Linguistica e Produção Textual da Universidade do Estado da Bahia, Cineasta e Colunista do Cabine Cultural.