Dupla Identidade
Série global com influências globais, Dupla Identidade traz saldo bem positivo em seu capítulo de estreia; clima sombrio ajuda
Dexter, The Killing, The Fall, CSI… Dupla Identidade, nova série policial da Rede Globo, bebe de todas estas fontes americanas e inglesas, não há como negar, e não há porque se envergonhar, afinal de contas o tema central da série é bem instigante e não pode ser de propriedade de uma única série de televisão. Desenvolver uma história focada em um serial killer é uma tarefa ousada e bem desafiadora para Glória Perez, autora do projeto, e por isso que o resultado observado no episódio de estreia pode ser tranquilamente considerado bem sucedido, apesar de alguns incômodos que podem ser melhorados daqui para frente.
Se analisarmos mais profundamente os elementos que sustentam a história (questões técnicas, enredo e atuações) vamos concluir que tecnicamente a série impôs uma marca própria, e isso é digno de aplauso; em termos de roteiro apresentou oscilações, mas no fim as qualidades se sobressaíram; e as atuações merecem uma atenção maior pela equipe do projeto, porém é bastante promissor o trabalho do protagonista Bruno Gagliasso, que promete ser o grande destaque da série nesta temporada.
Fotografia
Principal elemento técnico deste primeiro episódio, a fotografia apresentou uma Rio de Janeiro menos colorida e mais sombria, implementando desde os segundos iniciais a atmosfera que a série deseja passar. Não chega a ser um submundo, mas simplesmente uma perspectiva mais carregada da cidade, que ainda assim mostra sua beleza, como numa das cenas finais: um plano geral da noite na cidade, com o personagem de Bruno Gagliasso contemplando-a. É interessante perceber o quão a Rede Globo deseja deixar Dupla Identidade com ares universais, facilitando assim a sua venda para diversos países. Isto já vem sendo uma regra e a série de Glória Perez de maneira alguma irá fugir dela.
O trabalho de cenografia e direção de arte corrobora com esta ideia, romantizando até o trabalho, tanto da polícia, quanto da perícia técnica. Pela visão da série, nossos policiais e peritos são bem parecidos com os americanos do CSI, o que cá entre nós é uma tremenda mentira. Ainda assim, não há mal algum em – por questões plásticas – transformar a bagunça que deve ser o IML do Rio de Janeiro em um local até mesmo aprazível.
Dupla Identidade
Roteiro
O maior problema do roteiro de Dupla Identidade talvez (esperemos) tenha sido algo pontual e passageiro. O didatismo que vimos nas primeiras cenas, entre os personagens de Luana Piovani e Marcelo Novaes, chegou a incomodar bastante. Mas como disse, há chances de ter sido somente neste momento inicial da série, para situar logo de cara o espectador para o contexto a seguir: os dois provavelmente tiveram um caso, ou alguma relação mais estreita; ela acabara de chegar de um estágio no FBI, justamente no trabalho de análise de perfil de assassinos em séries; ele tem um cargo importante na polícia e deseja crescer ainda mais; ele possui uma visão simplista, ela é mais inteligente e sagaz…
Espera-se que nos próximos episódios os diálogos fluam de modo mais dinâmico e menos robótico, sobretudo entre estes dois personagens, que são fundamentais para a história. Outro ponto questionável é o número exagerado de coincidências que entrelaçam todos os personagens. Foi criada uma história onde todos os personagens se interligam de um modo muito automático, atrapalhando um pouco a ideia de verossimilhança, tão importante para uma boa narrativa. Porém, ainda é cedo para afirmar algo mais categoricamente, então deixaremos os próximos episódios provarem que estou errado.
Bruno Gagliasso
Quem saiu do episódio fortalecido sem dúvida alguma foi o ator Bruno Gagliasso. Ele, que atualmente está em cartaz no promissor filme Isolados, mostrou ser capaz de interpretar um personagem com camadas, que apresenta múltiplas personalidades, bem dignas de um psicopata. O sucesso da série vai depender muito dele, tal como As Noivas de Copacabana (outra série brasileira do gênero) dependeu muito de Miguel Falabella, ou Dexter dependeu de Michael C Hall.
Os personagens de Marcelo Novaes e Luana Piovani precisam mostrar mais personalidade, pois neste episódio todas as sequências deles soaram bastante genéricas. A personagem de Luana, que me faz lembrar bastante o trabalho da escritora brasileira, Ilana Casoy, especialista em serial killer, precisa sair do didatismo e das frases de efeito e apresentar logo seus demônios. Sabemos que sua vida guarda questões mais complexas, e somente quando esses pedaços vierem à tona que sua personagem irá engrenar.
Dupla Identidade
Débora Falabella apresentou bem superficialmente sua personagem, então espera-se um crescimento considerável de seu trabalho, pois acredito também que ela terá uma importância crucial na história. Aderbal Freire Filho e Marisa Orth carregam o chamado núcleo político, tão constante em qualquer tipo de série brasileira. Sabemos que, tal como na série The Killing, há uma ligação bem estreita entre a primeira vítima do serial killer (no episódio inicial) com o candidato a Senador (Aderbal). Se bem trabalhada, a ideia pode ser bem interessante.
Dupla Identidade merece a atenção de todos. Seu episódio de estreia criou o terreno ideal para o desenvolvimento de uma série de tramas e subtramas. Há o foco principal, os crimes em série, mas também veremos disputas por poder, traições e politicagem, além de possíveis romances. Com pequenos incômodos, que podem ser resolvidos bem rápido, a série prova ser outro tiro certeiro da Rede Globo, que pelo visto resolveu de vez apostar na universalização de suas histórias e entrar com tudo no mercado mundial. Fica a torcida.