Crítica

Crítica Dupla Identidade episódio onze: um tiro no próprio pé

Dupla Identidade

Na reta final, trama de Gloria Perez derrapa no roteiro; desfecho do episódio prepara a série para o seu final

Por Luis Fernando Pereira

É quase consenso que todos aqueles que gostam de uma história sobre serial killer, ou sobre outros tipos de psicopatia criminosa, gostam por conta de uma instigante caracteristica comportamental que todos estes personagens apresentam: inteligência. Em Dupla Identidade não é de modo algum diferente. Desde o seu início víamos em Edu (Bruno Gagliasso) um rapaz extremamente inteligente, charmoso, simpático, sempre com bons argumentos e esperto o suficiente para se livrar por um bom tempo de qualquer suspeita de sua real personalidade assassina.

Assim, foi bastante surpreendente, e frustrante, assistir ao desfecho do mais recente episódio da série. Imaginávamos dezenas de saídas para Edu se livrar, mais uma vez, da cadeia. Muitos lembravam do caso do cadarço usado em uma das mortes, que pertence a outra pessoa e que poderia ser utilizado para inocentá-lo temporariamente; outros buscavam na sua capacidade de simulação e de invenção a saída para conseguir novamente enganar os policiais. Todos arriscavam um palpite para o acontecimento que daria uma reviravolta na história e que faria Edu voltar à liberdade.

Entretanto o roteiro optou por transformar Edu em um marginal qualquer, e fez o serial killer tomar a arma usada por Vera (Luana Piovani) e ameaçar matá-la. Será desta forma que, provavelmente, Edu conseguirá uma sobrevida na história. Este acontecimento deixa bem claro para todos que não há a mínina chance de Dupla Identidade ter uma segunda temporada nestes mesmos moldes, já que Edu é definitivamente colocado como culpado, e ninguém mais na trama acreditará (após o desenrolar desta última cena) em sua inocência.

Outro desconforto que o episódio apresentou se relaciona com toda a primeira parte do mesmo, quando Dias (Marcelo Novaes) descobre a relação de sua filha com Edu. Tudo que aconteceu a partir daí foi surreal: Dias liga para sua ainda esposa, com um fato emergencial e importante para contar, e ela o destrata, mesmo sabendo que era sobre a segurança de sua filha. Então Tati rouba a chave do carro, mas não sabe dirigir e é alcançada por Vera, que aborda a garota, pega a mochila, mas nem liga para a nova fuga da menina. O importante para o roteiro alí era mostrar o que havia dentro da mochila.

Vera (Luana Piovani) e Edu (Bruno Gagliasso)

Enquanto isso Edu, no maior estilo pastelão, é intimidado pelo outro detetive (Nelson), que não consegue nem abrir conversa com o serial killer, provavelmente por falta de capacidade para dialogar como adulto.

Resumindo: pouca coisa boa aconteceu no décimo-primeiro episódio de Dupla Identidade.

A preocupação de Dias em ver sua filha ficar atrelada ao caso é até justificável, principalmente quando a cabeça foi achada na mochila da garota. De fato, foi uma jogada interessante de Edu fazer crer que Tati poderia, aos olhos do povo, estar relacionada com as mortes, sendo até mesmo uma cúmplice. Isso faria um estrago na vida dela – e consequentemente na de seu pai – então as decisões de Dias foram compreensíveis. Porém, o sentimento que deveria tomar conta do delegado neste episódio teria que ser o de alívio, sobretudo por saber que a sua filha poderia, mas não foi, uma das vítimas de Edu.

Outra peça que está sendo bem conduzida mostra todo o trabalho que fará Ray perceber que Edu a enganou por todo este tempo. Ela já está associando as datas de sumiço dele com as mortes das mulheres. E, mesmo com a trama focada na caçada ao serial killer, ainda sobrou tempo para o espectador perceber o quão frágil é a personalidade de Ray, que mesmo com seu mundo desabando, se preocupa somente com o fato de Edu estar a traindo.

Mas chegamos então ao principal acontecimento do episódio, um dos momentos mais esperados de toda a série: o confronto de Vera e Edu. Imaginávamos este encontro com muita expectativa, acreditávamos que ele seria épico e que teria alguns dos mais inteligentes diálogos de Dupla Identidade. Porém foi tudo bastante frustrante.

Dupla Identidade

Só para ilustrar um pouco, em um determinado momento Vera acusa Edu de reproduzir em suas mortes imagens de um livro sobre obras de arte que ela segura. A câmera se posiciona de modo bem estratégico, como se estivesse diante de um diálogo decisivo e grandioso. Então eis que Edu contra-ataca perguntando para Vera se todos os que possuem tal livro na biblioteca também devem ser considerados suspeitos, numa argumentação tão simplista que chegou a ser vergonhosa. Uma pena.

Outro fato que causou estranhamento foi Edu ter recebido uma arma dentro de sua refeição, provavelmente enviada pela esposa do Senador (Marisa Orth), mas ter necessitado roubar a arma de Vera para fazê-la refém. Qual a função então da arma entregue momentos antes?

Dupla Identidade chega definitivamente no seu ponto final. Ainda não dá para afirmar que tudo que acontecerá daqui para frente será decepcionante. Existem manobras que o roteiro poderá utilizar para deixar o desfecho memorável, ou ao menos aceitável. As atuações, principalmente de Bruno Gagliasso e Débora Falabella continuam dignas de aplausos e isso dificilmente se apagará. A parte técnica continua bem conduzida (trilha sonora e direção de arte). O calcanhar de Aquiles da série reside, desde o seu piloto, no roteiro, e foi exatamente ele quem atirou em seu próprio pé.

Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site

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