Dupla Identidade
Penúltimo episódio da primeira temporada prepara o terreno para o desfecho da história de Edu; Bruno Gagliasso como sempre foi o grande destaque
Por Luis Fernando Pereira
Depois de um final frustrante no seu décimo-primeiro episódio, Dupla Identidade começou seu penúltimo capítulo da temporada buscando logo de cara provar que Edu não é um criminoso comum, mas sim o típico serial killer que a série quis sempre vender: um ser inteligente, charmoso, dissimulado e sempre com uma carta na manga.
Assim, é interessante perceber que Gloria Perez sabia exatamente onde desejava chegar com a história de Edu, e mesmo com os muitos incômodos, para não dizer defeitos que a trama apresentou, ela conseguiu chegar no episódio derradeiro da temporada instigando o espectador a querer saber qual será o desfecho da história.
E ela só conseguiu este feito na narrativa por conta de dois fatores:
O primeiro é a carapuça que seu protagonista vestiu desde o primeiro capítulo: bonito, atraente, simpático, bem sucedido, faz trabalho voluntário, pessoa do bem… em suma, o filho que toda mãe queria ter. Isso faz de imediato as pessoas não acreditarem que ele possa ser alguém tão cruel. Lembrem de Suzane Von Richthofen e de quanto tempo demorou para cair a ficha e percebermos que ela era uma assassina sem compaixão alguma.
O segundo fato foi ter jogado Edu no núcleo político, transformando-o no suplente do Senador Oto. Isto fez de Edu (aos olhos dos personagens na trama) um possível bode espiatório com a finalidade de atingir e atacar o Senador. Junte à isso a história do marido de uma das vítimas, que resolveu fazer campanha em prol de Edu, e chegamos num quadro onde o protagonista chega ao último episódio da temporada ainda sendo visto como um anjo por uma boa parte das pessoas. Ponto para a autora.
Dupla Identidade (Foto Estevam Avellar TV Globo)
Mas para isso acontecer, era fundamental que Edu não cometesse erro algum com a refém Vera (Luana Piovani). E foi isto que ele pensou: saiu da cadeia sob os olhos da imprensa, fez um discurso utilizando sua carta na manga (a relação dele com a filha de Dias) e deixou Vera sobreviver, mesmo tendo feito aquele jogo psicológico bem cruel e intenso.
Essa reviravolta fez o episódio de Dupla Identidade ganhar bastante em qualidade e em ritmo, mas ainda acredito que foi a escolha mais preguiçosa do roteiro. Edu teria capacidade de sair da cadeia sem tocar sequer numa arma. A inteligência que os roteiristas plantaram no seu personagem nos dizia isto. E todos acreditavam que a qualquer momento sairia algum laudo provando que o cadarço usado em um dos crimes era de outra pessoa, ou qualquer outra saída deste tipo. Usar uma arma e fazer Vera refém não era uma destas possibilidades, mas vamos ter que conviver com isso.
Outro ponto interessante para a história de Edu continuar em aberto é que a única pessoa que tem realmente uma série de provas contra ele é a sua namorada Ray (Débora Falabella). Por isso foi oportuno o texto de Dupla Identidade ter desenvolvido com cuidado os seus problemas com a síndrome de borderline. Sem isso, acharíamos a personagem somente uma pessoa patética e com uma baixa auto-estima absurda, que só comete erros na vida.
Todo o vai e vem de Ray na delegacia, ora querendo denunciar Edu, ora querendo inocentá-lo, só é passível de compreensão por conta deste trabalho feito durante a temporada. No fim das contas, a ideia de “dupla identidade” promovida no título da história também pode ser relacionada à sua personagem.
Para não dizer que tudo são flores, toda a sequência mostrando o comportamento de viciado em crise de abstinência de Edu, querendo tirar o atraso com o seu trabalho de assassino soou muito forçado. Até acredito que era esta a intenção, mas fazer crer que numa mesma noite ele encontrou uma mulher que facilmente o deixou entrar em sua casa, e logo depois encontrou outra mulher no meio da estrada pronta para aceitar carona de qualquer um e se permitir ser algemada é estranho demais.
Dupla Identidade (Foto Estevam Avellar TV Globo)
E foi exatamente desta sequência que partiu o maior incômodo do episódio: fazê-lo entrar em tiroteio com a polícia. A cena foi bem estranha e não condizente com a personalidade de Edu, porém bastante necessária ao objetivo do roteiro, pois ela explica a afirmação dita no início do texto, de que Gloria Perez sabia exatamente onde queria chegar. Edu precisava voltar para a prisão para que o episódio tivesse aquele desfecho.
A visita de sua mãe, a entrada desta importante personagem no principal episódio da série, servirá como ponto de partida para entendermos a jornada que Edu teve que percorrer para chegar neste momento de sua vida. E daí o roteiro talvez tente responder a pergunta mais intrigante da história: o que leva alguém a se tornar um assassino tão cruel e sem compaixão? Exatamante neste ponto que a autora desejava chegar, e se ela souber desenvolver esta, que promete ser uma sequência catártica, Dupla Identidade então poderá ter a sua primeira temporada finalizada com um saldo mais que positivo, fazendo os espectadores rezarem por uma continuidade da trama em 2015.
Para terminar, uma observação que vem se tornando repetitiva: Bruno Gagliasso chega ao fim da temporada carregando praticamente a série nas costas. Não que os outros estejam ruins, mas existe um abismo que separa a atuação dele com a dos outros (exceto Débora Falabella). Suas expressões corporais, faciais, seus olhares, o ritmo e o tom que sua voz impõe. Espero que ele seja lembrado nas diversas premiações de televisão que existe no país, porque se ele fosse americano, já entraria como favorito nos Emmys da vida.
Uma segunda observação: incrível como o personagem filho de Oto e Sylvia é um zé ninguém na série. Doze episódios se passaram e ele não teve utilidade alguma.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site