Eu Fico Loko – O Filme
Direção de Bruno Garotti. Roteiro por Bruno Garotti e Sylvio Gonçalves. Baseado no livro homônimo de Christian Figueiredo. Elenco: Filipe Bragança, Isabella Moreira, José Victor Pires, Giovanna Grigio, Michel Joelsas, Thomaz Costa
Por Gabriella Tomasi
Ao longo da história do cinema, celebridades de importância cultural receberam suas respectivas homenagens em tela ou retratando suas origens, história de vida ou como ingressou em suas carreiras. Nos Estados Unidos já vimos tais produções trazerem figuras como Johnny Cash, Elvis Presley, Ray Charles, Eminem e Mariah Carey. No cinema brasileiro, temos os filmes Pelé – O Nascimento de Uma Lenda, Dois Filhos de Francisco, e o recente Elis.
Atualmente, com a ascensão dos canais de YouTube e rápida velocidade das informações pela internet, pessoas que fazem vídeos caseiros de repente se tornaram celebridades, como aconteceu por exemplo com Camila Coelho e Kéfera Buchmann. Esta última, já autora de livros, protagonizou em É Fada! – um fracasso perante a crítica especializada – e também estreou em A Vida de Catarina. Outro youtuber de muito sucesso, Christian Figueiredo, com o seu canal Eu Fico Loko, aproveitou a onda e agora possuí sua própria cinebiografia neste longa-metragem.
É muito óbvio que certos filmes que seguem esta linha se prestam para inflar a indústria comercial do cinema, em detrimento da produção artística séria, e, portanto, apenas possuem o intuito de vender seus objetos de estudo: os famosos. Algo que ficou muito claro com o filme É Fada!, infelizmente volta a acontecer em Eu Fico Loko.
Em resumo, trata-se de uma adaptação do livro homônimo de Christian Figueiredo e também dos vídeos já publicados no YouTube, os quais contam suas experiências de vida. Filipe Bragança interpreta o autor em seus 15 anos de idade e conta as principais pressões na época de sua adolescência. Ao contrário do que se presume, este se revela um tema muito vasto. Nele temos: o primeiro amor, a primeira namorada, os bullyings que sofreu, as amizades, a relação familiar (principalmente sua relação com sua avó), o primeiro beijo, sexo, entre outros. Evidentemente, os temas são relacionáveis com qualquer um, até porque, Christian se tornou popular justamente por dialogar abertamente sobre tudo isto com sua própria geração. Aqui não é diferente. Contudo, ao explorá-los é que nos deparamos com muitos clichês e superficialidades que não permitem que ele seja uma obra tão impactante para os jovens como deveria ser.
O próprio protagonista é revestido de características tão comuns e igualmente clássicas hollywoodianas: ele é um looser que se torna famoso superando dificuldades pessoais, apesar de ninguém acreditar em seu trabalho. Inicialmente tem poucos amigos, é constantemente ridicularizado pelos valentões da escola – os incontestáveis vilões – o que leva a ele ter sempre uma linguagem corporal retraída, com as costas encurvadas, jeito tímido e calado, com um amor platônico escondido. E tal como já mencionei em minha crítica do filme Pequeno Segredo, o conhecemos e nos identificamos com os próprios clichês e não apesar deles. Dessa forma, com exceção de sua avó, nunca identificamos quem Christian é de verdade ou como a dinâmica de sua família e sua estrutura funciona: Por que sua avó mora com ele? Seus pais são divorciados, casados, ou separados? Nunca casaram? São presentes ou ausentes? Além de algumas situações esporádicas, isto não fica esclarecido ou respondido. Ele é próximo de sua irmã? Nota-se que ela aparece apenas como uma figurante e nunca interage com ela. Inclusive, sabemos apenas de sua existência durante o segundo ato.
Outro grande problema é que os personagens em sua volta (de sua idade) tampouco possuem uma personalidade definida, um arco dramático próprio e, portanto, nunca são desenvolvidos. Aliás, eles somente se prestam para trazer situações ao protagonista, casos que o colocam em situações embaraçosas ou não. A prova mais clara disto é do relacionamento de Christian com Alice (Moreira), cujos sentimentos pelo protagonista nunca são definidos: em um primeiro momento ela faz bullying; outras vezes só olha passivamente Christian ser zombado; outras demonstram interesse somente em pegar carona de volta para escola com ele; outras um carinho muito grande, mas também aponta para a possibilidade de ter criado um vínculo de amizade apenas por pena, tornando a falta de nuança da personagem em atitudes extremamente confusas.
Eu Fico Loko – Filme
Neste contexto, a narrativa não possui um conflito ou um objetivo bem delineado, uma vez que tudo o que acontece com Christian é lidado pelo roteiro de forma mais documental, ou seja, uma coletânea de seus vídeos transformada em ficção. A ausência de uma história e narrativa sólidas também prejudica na mensagem do filme, uma vez que trata a questão da juventude de forma circunstancial, ao invés de trazer uma reflexão séria sobre os problemas que trata, como por exemplo, a rebeldia, o sexo, a bebida, a falta de paciência com os pais e o isolamento deles que todos os jovens experimentam. Todos esses elementos são muito fortes principalmente pela presença da personagem Gabriela Coelho (Grigio), sua primeira namorada: uma garota de escola católica, mas promíscua, de cabelo colorido, piercing e roupas excêntricas. No entanto, não há nenhum fator psicológico explorado nesse universo nem para justificar de alguma forma alguns atos inconseqüentes de Christian, como foram tão brilhantemente desenvolvidos em Mate-Me Por Favor.
O filme ainda tem seus méritos em sua técnica ao apresentar uma montagem de habilidade. A utilização de raccords para fazer as transações de alguns planos é extremamente eficaz, especialmente em um deles quando se projeta uma propaganda eleitoral para termos noção do tempo transcorrido e criar um evento cômico a partir disto. No entanto, a direção de Garotti não traz nenhuma inovação em seu movimento de câmera, além da utilização de alguns planos tremidos e ângulos holandeses que contribuíram para refletir o ânimo do protagonista. O pecado maior, na realidade, foi tentar legitimar a participação do real Christian Figueiredo ao realizar narrações, seja em off, seja sua inserção na tela quebrando a quarta parede, tornando o longa demasiado expositivo sem qualquer necessidade.
Eu Fico Loko pode quebrar certos pré-conceitos acerca de produções vinculadas a astros do YouTube, mas ainda não consegue fugir de seu caráter primordialmente comercial.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o blog Ícone do Cinema