Crítica

Crítica Frantz: imprevisível e emocionante

Frantz

Dirigido por François Ozon. Roteirizado por François Ozon, Philippe Piazzo. Baseado em Broken Lullaby por Ernst Lubitsch. Elenco: Pierre Niney, Paula Beer, Ernst Stötzner, Marie Gruber, Johann von Bülow, Anton von Lucke, Cyrielle Clair, Alice de Lencquesaing

Por Gabriella Tomasi

A Primeira Guerra Mundial se tornou em muitas formas parte do cinema francês. Longas como Feliz Natal (2005), Viva a França! (2015) – que na realidade acontece entre a primeira e a segunda guerra, A Grande Ilusão (1937), entre outras obras exploraram a temática. Em Frantz, em contrapartida, trata-se de um estado mais profundo sobre a relação entre esses dois países e o que a devastação social, política e até mesmo moral das duas nações causou, tão bem executada pelo relacionamento que surge entre um ex-soldado francês e uma mulher alemã.

A história gira em torno, portanto, de Anna (Beer), que acaba de perder seu noivo em batalha, Frantz (Von Lucke), cuja rotina se presta basicamente a prestar homenagens ao seu amado no cemitério e cuidar de seu túmulo. Ainda, ela vive junto com seus sogros, os quais a consideram praticamente como uma filha, já que o luto também foi um elemento que os aproximou ainda mais. Certo dia, ela encontra um homem francês chamado Adrien Rivoire (Niney) que presta a mesma solenidade ao falecido a cada dois dias, e posteriormente se apresenta como um amigo de Frantz no período em que este estava em Paris.

É interessante perceber como o término da Guerra impactou os alemães. Sua derrota foi considerada uma vergonha para sua população, a qual ficou dividida entre aqueles que desejavam uma retaliação e aqueles mais pacifistas que rechaçavam mais um confronto. Porém, todos tinham o mesmo sentimento em comum: o ódio pelos seus vizinhos, os franceses, criando, assim, uma rivalidade entre ambos. É dessa forma como Adrien se torna praticamente um “parasita” dentro da pequena cidade alemã onde visita Anna. Sempre observado pelos locais com olhares desconfiados, referindo-se à sua pessoa como “o francês”, como se sua nacionalidade realmente representasse sua identidade, e também o motivo pelo qual Hans (Stötzner), o sogro, recusou-se de início a sequer dirigir a palavra ao sujeito, já que seu filho fora morto durante um combate entre os dois países.

Contudo, a aproximação da família com Adrien causa um impacto enorme, não somente para a história, mas para a narrativa também. A suposta amizade entre ele e o personagem-título, faz com que o estrangeiro fosse visto com outros olhos, ou seja, por um lado muito mais humano, a ponto de Hans defender a sua estadia aos seus colegas que não tardam em julgar o patriarca como traidor da pátria por se relacionar com o “inimigo” do país, por meio de um comovente discurso sobre como a própria política cria e desenvolve esse ódio entre as pessoas e a submissão a um governo, seja ele qual for, somente é sustentado por nós mesmos. Assim, o pai se culpa pela própria morte do filho, eis que por “amor e lealdade ao país” exigiu que Frantz se alistasse, assim como os filhos de seus colegas também o fizeram e; da mesma forma e pela mesma razão que os pais franceses exigiram que seus filhos fizessem igual.

Frantz

Anna, por sua vez, é uma jovem que naturalmente não permite se importar com esses detalhes políticos devido ao seu luto, uma vez que inicialmente enxerga – assim como seus sogros – uma oportunidade de reviver mais uma vez memórias lindas de seu amado com o intuito de ajudar a superar as dores, o que efetivamente acontece principalmente por aprender a lidar com o sofrimento e a aceitação durante sua jornada. Posteriormente, em rimas visuais, é interessante observar como ela sente a mesma hostilidade quando viaja para Paris, quando vê de perto os traumas e os destroços que o país francês também sofreu. Afinal, a guerra não deixa apenas uma vítima, mas sim várias. Dessa forma, é curioso quando o francês na Alemanha é posicionado sempre à esquerda, sendo rechaçado pelas pessoas; enquanto em outro momento a francesa observa à direita, soldados e locais posicionados à esquerda cantando fervorosamente a marselhesa. O patriotismo, portanto, é aqui retratado em dois lados da mesma moeda como um instrumento poderoso e destrutivo.

Uma escolha por vezes óbvia, mas extremamente eficaz do cineasta na fotografia é a utilização do preto e branco que alterna com a paleta colorida, e que aqui se presta como um recurso narrativo bastante sutil e simbólico. Por exemplo, no plano inicial, a cidade alemã de Quedlimburgo é a única descolorada no quadro, como se o local, a vida e o cotidiano vivesse sempre o luto e a melancolia, não somente para Anna e para a família de Frantz, mas também para todos em geral. O descolorido segue boa parte da trama em momentos de tristeza que permeiam toda a obra, e as cores surgem em pequenos momentos alegres, criando com a cor monocromática uma dinâmica interessante. Por exemplo, em um momento Anna e Adrien se aproximam em um dos lugares preferidos de Frantz, onde a fotografia colorida surge de forma quente e acolhedora; já em outro momento Anna visita o mesmo local, mas vista pela mudança cromática, representando o que posteriormente o ambiente passa a significar para ela. Já nos instantes mais obscuros podemos perceber pelo breu do preto que cerca o rosto dos personagens. Outrossim, quando Adrien recria momentos junto à Frantz, as imagens também são coloridas e a mudança de paleta se torna tão fluída, que passa a significar um novo ambiente alegre familiar que se forma entre ele, Anna e seus sogros, cuja afeição e interesse é tamanha que um ar de mistério é apresentado quando se sugere uma relação amorosa entre Frantz e Adrien em forma de pista falsa. Porém, tudo se trata apenas da subjetividade de seus personagens, o que é ainda mais visível quando Anna imagina um quadro de Manet, até que a realidade lhe choca ao ver pessoalmente a obra.

Frantz é um filme imprevisível e emocionante sobre as feridas e as culpas deixadas no pós-guerra, mas principalmente marcado por nossas escolhas ao tentarmos ser felizes.

Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o blog Ícone do Cinema

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