O Invisivel, novo filme de Pablo Giorgelli
Dirigido e roteirizado por Pablo Giorgelli. Elenco: Mora Arenilla, Mara Bastelli, Diego Cremonesi
Por Gabriella Tomasi
É admirável que, nos últimos anos, o cinema como um todo tenha apostado em temas polêmicos e tabus em suas histórias. Poucos longa-metragens possuem a coragem de entrar no assunto e, diante de tantas controvérsias políticas e ideológicas que estão surgindo atualmente, nada mais pertinente do que expor um lado humano e empático de jovens adolescentes que engravidam precocemente.
Neste contexto, acompanhamos a jornada de Ely (Arenilla), uma estudante de 17 anos que trabalha meio período em um pet shop para ajudar nas despesas de casa até que, em um dos seus encontros casuais com um homem, colega de trabalho, ela engravida involuntariamente deste. Aqui não se trata de estupro ou qualquer abordagem deste tipo: trata-se de um ato sexual consentido entre duas pessoas e, consequentemente, uma gravidez não desejada: portanto, Ely tenta lidar sozinha com a situação, até colocar sua confiança em sua melhor amiga, a qual, sem nenhum julgamento, tenta achar um método para abortar, sem que nenhuma das pessoas em volta possa descobrir o ocorrido.
+ Gabriella Tomasi
Em um viés completamente sensorial, experimentamos o tédio, as angústias e as indecisões da protagonista. Ela é a típica aluna desinteressada, a filha negligenciada pela mãe, e que possui um peso e a responsabilidade de sustentar ambas sozinha. Pobre, sem muitas ambições e perspectivas no futuro, Ely mora em um bairro pobre de Buenos Aires e desde que recebe a notícia da gravidez procura uma maneira de lidar com todas as situações em sua volta. Para tanto, é curioso observar como o silêncio cumpre um papel importante na narrativa: poucos diálogos são apresentados, mas ressaltam todo o sentimento de “invisibilidade” experimentado pela protagonista; é como se ela mesmo sentisse que não possui um papel relevante na vida de ninguém, mas que agora se vê impactada com a gravidez que, na Argentina, assim como o Brasil, o abordo é via de regra ilegal.
Neste sentido, Giorgelli não visa expor uma opinião, ou julgar os personagens em tela, mas sim observá-los em sua intimidade, motivo pelo qual também raramente desgruda de Ely um momento, projetando sua face na maioria das vezes em planos fechados. Percebam como em suas consultas médicas, os profissionais são desfocados, de costas para a quarta parede, não aparecendo em tela, e o cuidado de Giorgelli em fixar a câmera em Ely para que possamos testemunhar as suas reações acerca do que lhe está sendo dito.
Da mesma forma, as cores do figurino da protagonista, basicamente em tons de cinza e preto apenas ressaltam não somente os seus sentimentos, mas o que ela acredita que ela representa no mundo: em casa, as cores se misturam e complementam com as cores do design do apartamento onde mora e, em outros lugares, ressaltam o quanto ela se sente deslocada do resto das pessoas. Observem como o comportamento de Ely sempre nos direciona ora para bebês e famílias, ora para seu isolamento diante de tantos jovens se divertindo no recreio do colégio.
Essa sensação de isolação e sem rumo que permeia a narrativa também ajuda a evitar que a história se apresente previsível. É interessante e até louvável como o cineasta trata de um assunto delicado e feminino com tanta competência e compreensão. É como dizer à milhares de outras mulheres que isso acontece a tantas outras, impacta e muda nossas vidas radicalmente, muito mais do que os outros (principalmente os homens) acreditam. Com aborto ou sem aborto, a gravidez não é um fenômeno como qualquer outro, ele não é apenas algo que ocorre com a mulher; é um processo muito mais profundo e solitário que transforma a vida de uma mulher para sempre.
Que o cinema continue a fazer obras sinceras como esta.