Crítica Jogador Nº 1
Dirigido por Steven Spielberg. Roteirizado por Zak Penn, Ernest Cline. Baseado em Ready Player One de Ernest Cline. Elenco: Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn, T. J. Miller, Simon Pegg, Mark Rylance, Lena Waithe, Hannah John-Kamen, Win Morisaki, Philip Zhao
Steven Spielberg é um diretor que fez notáveis filmes realistas como O Resgate do Soldado Ryan (1998), Lincoln (2012), A Lista de Schindler (1993) e mais recentemente o irregular The Post: A Guerra Secreta (2018). Ao mesmo tempo, é um cineasta que se sobressaiu especialmente no gênero da ficção científica com E.T – O Extraterrestre (1982), A. I – Inteligência Artificial (2001), e Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977). Em Jogador Nº 1, Spielberg retorna para este campo explorando aí o que se tem de melhor da cultura pop, mesclando uma linguagem cinematográfica, que muito se comunica com as atuais gerações, com referências nostálgicas dos anos 80 para os mais velhos.
Neste sentido, temos uma trilha sonora que contempla hits antigos como Queen e Tears for Fears, enquanto nos apresentam a elementos que flertam com essa época e a atualidade também. Presenciamos referências como o boneco Chucky, Star Trek, Star Wars, Freddy Krueger, Space Invaders, Lara Croft, Homem-Aranha, Harley Quinn, King Kong, Batman, Alien, T-Rex, O Exterminador do Futuro, Os Embalos de Sábado à Noite, Hello Kitty, entre tantos outros, além de contar com um muito especial episódio de O Iluminado (recomenda-se assisti-lo antes. Não é necessário, mas aproveita-se muito mais das cenas).
A história se passa em um futuro distópico no ano de 2045, no qual as novas favelas se denominam “pilhas”, onde a maior parte de seus habitantes vive em meio à pobreza, ao lixo, à degradação do meio ambiente e à superpopulação, devido o extremismo que o capitalismo alcançou. O único escape que as pessoas têm é quando passam seu tempo jogando o vídeo game chamado OASIS (conseguiram perceber o trocadilho de seu nome?), uma realidade virtual criada por James Halliday (Rylance). O sucesso é tanto, que inclusive a população dá mais importância aos bens e à vida conquistados nesse mundo do que no universo real, já que, conforme afirmado pelo próprio narrador, você pode ser o que quiser com o seu avatar.
Quando o seu criador morre, ele deixa pistas para que quem desvendá-las fosse agraciado com sua fortuna e ações do jogo. Wade Watts (Sheridan), um jovem fã de Halliday, consegue desvendar a primeira pista e, consequentemente, acaba travando uma corrida contra o poderoso magnata Nolan Sorrento (Mendelsohn).
O mais interessante é a abordagem metalinguística que Spielberg desenvolve em sua narrativa. Ele não somente utiliza easter eggs com grande eficiência conforme mencionamos acima, mas ele também empresta de seu próprio conceito para simbolizar um McGuffin, um objeto em forma de ovo que quando é conquistado é o momento em que, não coincidentemente, Wade percebe de fato para quê toda aquela competição servia, e o sentido real da criação desse vídeo game. Isso porque é ali que está a mensagem do cineasta: a de que nosso mundo virtual costuma ser dado tanta importância que não vemos o que está ao nosso redor e isso encadeia efetivas consequencias para nós, o que fica bem claro quando em determinada cena, a personagem de John-Kamen testemunha uma população inteira conectada no jogo ao mesmo tempo.
Jogador Nº 1 ainda se destaca pelo seu visual, inclusive de seus próprios avatares, os quais em muito se assemelham à estética do próprio filme Avatar (2009) de James Cameron. Com um design de produção invejável, o universo virtual ganha uma vida espetacular diante de tanta criatividade de cenários completamente distintos uns dos outros, com uma fotografia viva com cores primárias bastante acentuadas a fim de criar um mundo que inquestionavelmente se opõe à triste realidade das tonalidades frias e cinzentas das cidades reais.
Infelizmente, o filme não se aprofunda muito em questões essenciais sobre o assunto que ele mesmo se propõe a falar, qual seja, o futuro do papel da tecnologia em nossas vidas. Há em Jogador Nº 1 uma abordagem que foge do realismo em certo ponto e passa para o estilo romanesco e idealizado. Por um lado, ele reflete bem uma narrativa estilo “super-herói blockbuster do final feliz” (afinal, o longa se assume como tal), reiterando igualmente a assertiva de que seu pai se inspirou nos codinomes como Brune Banner ou Peter Parker ao nomear o protagonista de Wade Watts. Por outro lado, enfraquece aquele impacto maior para uma reflexão de sua própria problemática. Além disso, outro inconveniente que também advém dessa construção narrativa adotada é o excesso de facilidades que o roteiro concede aos seus personagens, mas que são improváveis, como por exemplo, a fácil infiltração e posterior fuga de uma empresa por Samantha (Cooke) ou o encontro das amizades feitas no OASIS.
Jogador Nº 1 está longe de ser uma obra-prima, mas a despeito de seus defeitos é uma experiência que vale muito a pena