Crítica

Crítica “Mare Nostrum”: um belíssimo filme que poderia ser ainda melhor

Mare Nostrum

Dirigido por Ricardo Elias. Roteirizado por: Ricardo Elias, Eneas Carlos e Claudio Yosida. Elenco: Silvio Guindane, Ricardo Oshiro, Naruna Costa, Ailton Graça, Carlos Meceni, Edson Kameda, Ailton Graça

No ano de 1982, Nakano (Kameda) e João Viana (Graça) acertam a compra e venda de um terreno no litoral sul paulista. Em 2011, seus filhos Roberto e Mitsuo se encontram novamente em razão das circunstâncias do acaso, para tentar ganhar dinheiro em cima do local, cada um enfrentando dificuldades financeiras. É neste contexto, pois, que Mare Nostrum trabalha as complicadas relações familiares, principalmente as originárias da geração X.

Isto porque, o longa brilhantemente trabalha como ambos personagens acabam retornando às origens, com o intuito de recomeçarem suas vidas, após muito tempo lutar pela liberdade tanto financeira, quanto emocional que o exterior também não deu conta de lhes proporcionar. Roberto (Guindane) acaba de retornar de uma longa viagem da Espanha, na esperança de despontar uma carreira no jornalismo esportivo, no entanto, é obrigado a voltar para São Paulo para morar com a mãe sem dinheiro algum para acertar suas dívidas. Mitsuo (Oshiro), por sua vez, sofre do mesmo destino, ao retornar do Japão após perder tudo em um terremoto, o que acaba gerando conflitos com sua esposa. Assim, ele se abriga na casa do pai, onde mora com a irmã, a qual gerencia sua peixaria quase falida.

Esse “antagonismo” entre pai e filho, portanto, fica gradativamente evidente para desenvolver o sentimento de toda uma geração que tentou e tenta conquistar seu próprio espaço na sociedade. Que tenta se abster de procurar ajuda muitas vezes ou guarda certos rancores por orgulho. Que tenta se desvencilhar dos laços paternos em busca de si mesmo. É que o vemos quando Mitsuo demonstra ressentimentos ao pai por tê-lo forçado a continuar os negócios da família, ou então quando Roberto resiste toda vez em chamar o João de pai, por não querer seguir o exemplo que teve em casa. Neste aspecto, Ricardo Elias cria um ambiente realista extremamente eficiente e que dialoga com a trajetória de cada um dos personagens, que ao entrarem em contato novamente com as suas raízes passam a se reconciliar com o passado e a superá-lo.

O roteiro, portanto, é um dos pontos fortes da trama que trabalha muito bem esse ponto de convergência que faz com que Roberto e Mitsuo se reencontrem. Os momentos contemplativos na praia e em outros lugares conferem um simbolismo muito marcante que transparece o sentimento de ambos. Ocorre que, o excesso de diálogos prejudica muitas vezes o trabalho do diretor em não ousar mais, ou seja, não abusar mais dos quadros para explorar os cenários físicos, especialmente em relação ao lugar que dá nome ao título.

Dessa maneira, o trabalho de Elias se restringiu muito a enquadramentos fixos e planos longos, sem que muitas vezes o espectador possua a oportunidade de experimentar sensorialmente da narrativa. Como exemplo, podemos mencionar o próprio lote da praia que possui uma visão de campo muito limitada, inclusive diminuindo a força mística que o local deveria passar e, por conseguinte, o lado fantasioso a que se propõe a obra. No mesmo sentido, no primeiro ato quando somos apresentados a Roberto e Mitsuo no aeroporto ou quando eles, crianças, estão sentados em lados opostos, há um dinamismo maravilhoso criado com a câmera e a mise-en-scène, justamente para apresentar duas realidades em um mesmo mundo. Porém, tal recurso não é mais aproveitado durante o resto do filme.

Mare Nostrum é o resultado de um belíssimo filme, que, no entanto não soube aproveitar todas as suas potencialidades.

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