Literatura

Crítica Música: Laura Pergollizi, LP para os interstícios

Laura Pergollizi

Laura Pergollizi – “Eu sei as tuas obras, que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca” (Apocalipse – 3;15-16)

Por Elenilson Nascimento e Anna Carvalho

Vamos falar de música? Entre os anos 50 até o começo dos anos 2000, as músicas eram o espelho da alma artística, movidas por grandes reflexões, protestos, questões, romantismo, conflitos familiares, solidão, desespero, situações do dia-a-dia. As composições transmitiam emoções, mensagens, sentimentos. E era algo enriquecedor, alegre, bom para os ouvintes – não apenas puro entretenimento. Mas muitos músicos sofreram pela censura de suas letras, pela cor de sua pele, pelo modo de se expressar, pelo estilo das vestimentas e/ou por ser músico.

Hoje, a discriminação e o racismo continuam presentes no meio artístico, a maneira como muitos olham para os músicos mostra que ainda não os enxergam como profissionais e sim como pessoas que não merece espaço ou apenas mais uma fórmula para se ganhar dinheiro. Ou o contrário: a qualidade artística é tão baixa nos dias de hoje que qualquer um – até aqueles sem o mínimo de talento (*vide os BBBs e cantores sertanejos) – podem se dizer artistas.

Laura Pergollizi

Quando olho para o meu playlist do meu som, vejo sempre os mesmos artistas que eu ouvia 20, 30 anos atrás: Queen, Michael Jackson, Alanis Morissette, Diana Ross, U2, REM, Coldplay, Cyndi Lauper, George Michael, Mariah, Pet Shop Boys, Maná, Ricky Astley, Sade, Beatles, Stones, The Police, Legião, Pretenders, Cranberries, Paralamas, Chico Buarque, Radiohead, Caetano, Bruce Springsteen, Gil e Whitney Houston. E o que restou destes? Ou estão mortos. Ou estão aposentados ou se aposentando. Ou fazendo o mais do mesmo. A única que ainda sobrevive absoluta é Madonna – mesmo com toda a torcida do contra chamando-a de velha. Dessa nova geração dos anos 2000, temos ainda coisas ouvíveis: Adele, Justin Timberlake, Aguilera, Shakira, Jennifer Lopez, Amy Winehouse, Nelly Furtado e Bruno Mars. No Brasil, a coisa ainda é mais dramática! Quem foi o grande nome dos últimos anos na nossa música? Cássia Eller. E só! O restante são os mesmos nomes fazendo as mesmas coisas. Ou o lixo comestível de sempre. Na Bahia, prefiro nem comentar!

Contudo, há artistas que são verdadeiros mergulhos profundos. Nem dá tempo de antes do borrão, entre a asfixia do caldo, tomar pé, assim, são como o destino. Eu tomaria/tomarei o caldo, e isso requer coragem! Nietzsche falava que o homem surge de duas características de deuses: o apolíneo e o dionisíaco, respetivamente força e o delírio, a vontade e a potência. Há pessoas que surgem com a potência de Apolo na força, generosidade, à personalidade arguta, analítica e o coma impressionante das regiões dantescas.

Por isso, tenho medo de mentes alforriadas, pois elas alertam com protocolos sob seu nirvana cognitivo e que se aderem ao seu dionisíaco. Mas a liberdade está entre a potência e a força , e se veio para ser excêntrico, respirar o é, c’est la vie, arrematado com um “pqp” ou um “foda- se” bem sonoro. Alguns não conseguiram lidar com o dionisíaco maior do que a força, o filtro, a frivolidade – vide Amy Winehouse, Dolores O’Riordan, Kurt Cobain, Carmen Miranda, Janis Joplin, River Phoenix, Ian Curtis, Whitney, Jim Morrison, Marilyn, Heath Ledger, Michael Hutchence, Cássia Eller, Renato Russo, Cazuza, George Michael, Elvis, Michael Jackson, James Dean, esse último morreu com a potência dionisíaco de um falo representado num carro.

Esses são exemplos de que a vida, como Nietzsche e Foucault falaram, vivem de prescrições, sumários, prontuários abertos, suspensos, fechados, engavetados, onde a morte faz com que pessoas quebrem martírios, protocolos. Como se quisessem dizer: vamos apresentar o mundo sem facetas, sem fichas que transita no dionisíaco apenas, em saga de feeling, órfãos de estigmas, vivendo de lutos. E eis que, de repente, não mais que de repente, ouvimos uma voz quase dissonante, com falsetes, assobios, o burlesco, o trágico, longilíneo, onde o corpo é escolha, bandeira, onde você pode decidir qual mastro você quer.

Laura Pergollizi

NASCE A ESTRELA – Tratamos aqui da cantora LP, Laura Pergolizzi, a voz que entra em nossas cabeças antes mesmo de se ter um contato visual. Nascida em Nova Iorque, no ano de 1981, mais conhecida por seu nome artístico LP, isso mesmo LP, é uma cantora e compositora estadunidense. Se mudou para Los Angeles em 2010, onde de lá pra cá já lançou três álbuns de estúdio e um EP. Como compositora, já escreveu para Cher, Rihanna e Christina Aguilera, dentre outros. “Quando eu pego o microfone e começo a fazer melodias, posso sentir essa linha direta do meu coração à minha boca”, diz ela. “No passado, havia uma cidade cheia de ruas que precisava da minha atenção. Agora, sinto que tenho uma estrada importante para comunicar emoções. Sejam músicas mais tristes ou grandes hinos, todos eles vêm do mesmo lugar “.

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O segundo álbum de Laura Pergollizi, “Suburban Sprawl & Alcohol”, foi lançado em junho de 2004 através da Lightswitch Records. Neste trabalho, ela colaborou em conjunto com a compositora e produtora musical Linda Perry. No entanto, apesar de uma extensa turnê para promover o lançamento e críticas positivas da mídia especializada, o álbum não conseguiu um reconhecimento geral.  Contudo, LP mostra que, pela voz, se tateia até as portas de Tártaro ou até onde aquela sintonia nos leva. Ela é uma mistura obscena de Janis Joplin, Ellen Oléria, Alanis, Sheryl Crow, Maria Beraldo, KD Lang e, claro, Cássia Eller. “Eu aprendi muito ao longo dos anos sobre o que quero para mim, o que quero dizer, o que quero transmitir às pessoas e o que quero fazer”, continua ela. “Posso finalmente retratar quem quero e como quero retratar. Tudo deriva da liberdade no meu trabalho. Não preciso pedir permissão a ninguém. Eu poderia ser eu mesma e realmente tinha alguma merda que queria dizer. Nenhum de nós passa a vida ileso, mas pelo menos você pode escrever sobre isso”.

E quando se vê a personas, personagens, pessoas, não conseguimos dissociar esses ritos: uma mulher sem seios, longilínea, magra, com uma caravela tatuada no peito, típica das cruzadas (adendo, arrebata nosso olhar de literatura: cruzadas, foram santas ou arquetípicas do poder do homem em conquista? Não sabemos, redentor foda-se, pqp, não sabemos. E você é o não sei da minha vida. Foda-se sonoro). Em 2011, LP co-escreveu “Afraid To Sleep”, cantada pela finalista do The Voice, Vicci Martinez. Neste mesmo ano, ela assinou um contrato com a Warner Bros. Records. Pouco tempo depois, a triste e linda música “Into The Wild”, escrita e interpretada por LP, foi utilizada numa campanha nacional do Citibank.

Laura Pergollizi

E cantando canções como “Other People”, confissões de seu amor, de sua escolha, a compositora de hits de Beyoncé, Rihanna e de várias outras musas pop, nos dá o tom da sua autoria viva.  Conheça LP, então, a ativista LGBTQI+ que vai se apresentar no Lollapalooza Brasil 2020. Um dos nomes mais anunciados no line up da edição do Lollapalooza Brasil – com ingressos sendo disputados no tapa. Uma cantora que veio para quebrar regras e tem muito o que dizer.

Contudo, talvez, Deus esteja morto, pois morreu porque fomos seus algozes, com essa capacidade atávica de o homem rasgar tudo que o impede, o limita, tantas leis, estigmas para que os insurgentes se ressintam. Mas temos agora LP que canta “Lost On You”, onde descreve um amor que pode não ser real e se mirar na expectativa de seu limbo como fumaça e, mesmo assim, merecer o brinde, o fusionismo.

Feliz, caro leitor, quem lhe deu o luxo de tirar você da sua zona de conforto, saia, o ser humano em seus ritos, aprendeu a se poupar, quero o grito canônico do “Terra à vista” nem que seja por um dia. Com um verso: “Nos devotamos ao amor sem um pingo de dúvida”. Com esse verso LP resume, em “Other People”, uma certa comoção, pois o amor é o único mito que faz você se perdoar por escolher espelhos, onde pessoas que você atrai por serem você, equidade, alteridade, difícil amor, quase impossível, mas uma ótima opção para que você saia do seu córtex. Em suma, LP lhe faz esse convite ou aceite ou decline, você é livre SQN.

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