O Desaparecimento de Madeleine McCann
Documentário da Netflix não traz novidades sobre o caso emblemático, mas ajuda ao mostrar os passos em falso da imprensa, da polícia e da sociedade
Quem vivenciou (e ainda vivencia, de certa forma) os acontecimentos envolvendo o desaparecimento da menina inglesa Madeleine McCann, que simplesmente sumiu de um resort em Portugal num dia de verão em 2007, não conseguia ter uma ideia mais ampla de tudo que estava ao redor daquele caso. Pegávamos somente partes da investigação, todas liberadas pela imprensa. Assim, ficamos consternados no início, para logo depois nos enraivecer com a possibilidade dos pais estarem envolvidos e para finalizar a nova reviravolta, que joga todo o peso nos erros da polícia, e quem está de fora fica literalmente perdido com o caso.
Pois bem, pouco mais de dez anos se passaram e a Netflix acaba de lançar a primeira temporada do documentário “O Desaparecimento de Madeleine McCann”, em oito episódios que conta detalhadamente o caso, com todas estas reviravoltas citadas acima.
É incrível como o documentário prende a atenção, mesmo não trazendo nada de novo e nem trazendo um acontecimento que de alguma forma fosse inédito. Digo isso pelo fato de Making a Murderer, por exemplo, quando foi lançado, mostrava um caso absurdo e totalmente novo para todo o mundo, e por isso fomos pegos de surpresa com cada episódio. Aqui não, o caso Madeleine foi visto a exaustão por todos, seja brasileiro, portugueses, ingleses, etc. O sequestro da menina chega a entrar no grupo de acontecimentos das últimas décadas, e mesmo com essa sensação de que conhecíamos tudo, o documentário conseguiu trazer uma nova perspectiva.
Os episódios seguem a cronologia do caso, inclusive durante a série a tela vai mostrando a quantidade de dias em que Madeleine está desaparecida. Essa cronologia é interessante para mostrar as reviravoltas que o acontecimento teve.
O Desaparecimento de Madeleine McCann
No início Madeleine foi considerada desaparecida somente. Com o passar dos dias a possibilidade de sequestro foi colocada em pauta, e ai o caso tomou as proporções gigantescas que marcaram aquele momento. Até então tínhamos a mídia e a população da cidade portuguesa ao lado de Kate e Gerry McCann. Sabíamos mais ou menos por onde andaria a narrativa, mas podemos dizer que o que veio a seguir foi muito mais assustador se compararmos a sensação que tínhamos na época.
O caso teve uma primeira reviravolta e por conta de um latido de cachorro o casal passou a ser considerados os únicos suspeitos de um então possível homicídio culposo. Falavam que Kate matou Madeleine acidentalmente e depois sumiu com o corpo. É exatamente neste momento que o documentário propositadamente ou não incita uma reflexão das mais relevantes e necessárias sobre a cobertura jornalística, a ânsia de um furo de reportagem e a falta de puder de jornalistas para ganhar audiência.
A imprensa praticamente jogou na lama o nome do casal, e tudo isso se baseando em fontes anônimas e em laudos iniciais de exames peitos pela perícia. Para completar uma união que resulta em desastre quase sempre, tivemos uma policia investigativa mal preparada e uma sociedade que estava entrando na era das redes sociais, marcada pelo ódio indiscriminado das pessoas por outras pessoas.
Esse ódio chegou ao Brasil tempos depois e atualmente faz vítimas atrás de vitimas nas diversas redes sociais. Os comentários dos cidadãos de bem desejando a morte da mãe, ou chamando o pai de assassino só pelo fato dele não ter chorado a cada entrevista mostra o papel de uma sociedade doente, uma imprensa sensacionalista e pobre e uma policia mal preparada e por vezes mau caráter.
Tudo bem que este contexto pode ser pesado demais e até um pouco (bem pouco) exagerado. Mas não há dúvidas que o caso Madeleine McCann será lembrado durante a história como um belo exemplo de jornalismo mal feito, de uma investigação mal executada e de uma sociedade esquizofrênica.
Como todos devem saber, o documentário termina sem conclusão, já que a menina não foi encontrada até então. Tal como Making a Murderer, o mais novo documentário da Netflix também vibra com a possibilidade de uma segunda temporada, mas desta vez mostrando os bastidores do futuro aparecimento de Madeleine McCann. É o que todos nós esperamos.