Narcos
TVs americanas deveriam se espelhar na Netflix e passar a produzir menos quantidade e mais qualidade; Narcos é boa e Wagner Moura está ótimo
Por Luis Fernando Pereira
Narcos chegou enfim à Netflix, trazendo consigo um interessante diagnóstico de como as drogas foram, ao longo dos anos 1970 (final) e 1980, entrando na sociedade americana, mais especificamente de Miami, porta de entrada, e de como esta entrada transformou traficantes colombianos em lendas das drogas e milionários do crime.
Um desses traficantes é Pablo Escobar, vivido magistralmente (se esquecermos o seu tão falado sotaque espanhol) pelo brasileiro Wagner Moura. Pablo é figura central na série, é o fio condutor de toda a construção do mapa das drogas, tanto na América Latina, quanto nos Estados Unidos. Mas ele não é, de fato, o protagonista de Narcos. E esse é um dos trunfos do projeto. A construção narrativa é toda feita pelo agente Steve Murphy, interpretado pelo ator Boyd Holbrook.
Ele, o agente, faz parte da equipe responsável pelo combate às drogas nos Estados Unidos naquela época, a Drug Enforcement Administration (DEA). Sua narração em off acontece em meio ao boom que o narcotráfico teve no final dos anos 70, com cada vez mais mulas (termo usado para caracterizar as pessoas que entravam em outros países com drogas escondidas) sendo presas no país.
Logo no episódio piloto vimos o caso de uma grávida, que levava uma quantidade grande de cocaína no seu estômago, e uma parte desta droga acabou estourando (estava em saquinhos), matando a mulher. Este acontecimento (a cena foi forte) foi durante essa época bastante comum, e a polícia americana teve que de alguma forma reagir.
Narcos
Narcos então estabelece estes dois contrapontos de visão: o narcotráfico colombiano, chefiado por Escobar, e a reação americana liderada por Steve Murphy.
E esta dinâmica que faz a série ser tão boa de assistir, e que serve como um relevante registro, mesmo com alguns furos, histórico, de como o mapa das drogas na América Latina e nos Estados Unidos foi construído com o passar destas décadas.
Abertura
Antes de tudo é preciso dizer que a série já começa bem, com o tema de abertura sendo tocado e interpretado pelo ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante. A música, Tuyo, traz todo um clima latino guerrilheiro drogado de Miami à la Dexter (lembrem que Dexter era ambientada em Miami).
Os primeiros episódios, dois deles dirigidos pelo cineasta Zé Padilha, de Tropa de Elite, conseguem apresentar de modo bem eficiente um Pablo Escobar visionário e um agente americano ainda vivendo dentro de um universo onde as drogas não comandam. Essa dinâmica, há de se destacar, vai mudar durante a temporada, na medida em que o tráfico passa a dar as ordens na sociedade colombiana e a entrar de modo intenso na cidade de Miami.
Ainda não dá para bater o martelo e dizer que o resultado final da primeira temporada é maravilhoso, pois o texto tem como base os dois primeiros episódios. Escrever sobre a temporada completa de uma vez só talvez não seja interessante, sobretudo para uma série que tem muito a dizer e com muitos detalhes narrativos e históricos.
Mas dá para perceber o quão bem preparado Wagner Moura estava quando começou as gravações de Narcos. Wagner é o coração da série, mesmo não sendo quem de fato a protagoniza. A série não começa com ele, mas cria vida por causa dele. E Wagner Moura tem uma parcela enorme de responsabilidade sobre o sucesso de seu personagem.
Nos próximos textos falaremos mais sobre a dinâmica da série, a relação entre os acontecimentos históricos e tudo o que é narrado na trama, e as possíveis críticas ao fato de um personagem como Pablo Escobar ser tratado como uma figura destemida, inteligente, quase que romantizada.
Será que estes argumentos são válidos?
Acredito que não, mas veremos melhor isso nos próximos episódios.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site.