Literatura

Crítica Severina: uma obra fantástica que encanta os sentidos

Severina

Dirigido e roteirizado por Felipe Hirsch. Elenco: Javier Drolas, Carla Quevedo, Daniel Hendler, Alejandro Awada, Alfredo Castro

Por Gabriella Tomasi

Adaptado da obra do escritor guatemalteco Rodrigo Rey Rosa, o diretor e dramaturgo brasileiro Felipe Hirsch mescla uma paixão entre cinema e literatura em sua mais nova empreitada – Severina. Filmado e co-produzido no Uruguai, acompanhamos a história de R. (Drolas), um livreiro já consumido pela monotonia de seu cotidiano até que a bela e jovem Ana (Quevedo) aparece em sua loja e rouba-lhe livros, seu bem mais precioso. Mesmo ciente do crime cometido, R. fica cada vez mais intrigado e curioso em relação à moça misteriosa e tímida, fazendo com que ele mergulhe cada vez mais em uma paixão arrebatadora.

Em um mundo que transita entre realidade e fantasia, Hirsch demonstra ser muito habilidoso e um cineasta deveras maduro. O clima de tédio na cidade e dentro da própria livraria é palpável o que torna muito pertinente a discussão sobre como a cultura da leitura e da literatura mudou, já que os interesses atualmente – principalmente dos mais jovens – são completamente diferentes. Há uma tentativa o tempo todo de se resgatar esse antigo hábito para ressaltar a importância que essa arte tem em nossas vidas, mas já não da mesma forma, pois o papel impresso já se encontra decadente. Neste sentido, essa paixão pelos livros permeia tanto a narrativa quanto a própria história. Não é à toa, pois, que o longa se divide em capítulos ou então que o próprio protagonista encontre em Ana algo já perdido, pois ela é a sua musa, a obcecada por livros, a intelectual, alguém do mesmo universo que R. e que dialoga com ele. Há, portanto, entre o casal uma relação mútua dependente que corrói, ilude e degrada, mas que ao final inspira.

Da mesma forma, a fotografia traça um papel importante na ambientação da trama. No exterior a paleta é cinzenta e azul, conferindo o ar melancólico que o filme possui e os planos longos que Hirsch executa ressaltam esse sentimento, assim como evocam o ritmo parado de um lugar solitário. As cores mais quentes não coincidentemente são dentro de livrarias, espaços constituídos de forma mais íntima, sempre filmados em planos mais próximos e mais fechados, ao contrário dos ambientes externos.  Um lugar, aliás, também sempre muito alegre, de confraternização, de leitura e de reflexão, algo que vemos muito recorrentemente no decorrer da narrativa. Outro destaque são as sombras escuras e iluminação fraca no rosto de R. e Ana que caracterizam a sobriedade e o caráter perverso dos personagens em alguns momentos. Em outra situação, notamos o mesmo recurso utilizado para evocar o mistério e o sentimento de frustração em uma livraria vizinha que de repente se torna um labirinto sem fim e sem saída.

Existe também, de forma bem inteligente, uma ausência ou presença proposital de informações sobre os personagens que é muito curioso. R. é o protagonista mas ele não possui nome ou um passado a que possamos nos relacionar. Sua vida passa a ser contada a partir e no entorno de Ana, que aqui sim é denominada e personificada “em carne e osso”. Ainda que haja um ar de mistério e muitos plot twists em relação à sua personagem, como o próprio pai ou amante, é notável que esta possua um arco dramático bem mais definido e trabalhado, algo que funciona independente dos personagens masculinos em sua volta.

Cheio de simbolismos e metáforas, Severina é uma obra fantástica que encanta os sentidos de seu espectador.

Shares: