Crítica Silêncio o novo filme de Martin Scorsese
“A filosofia budista em Silêncio não é demonstrada em seus costumes ou hábitos. Apenas o uso dela por tiranos”
Por João Paulo Barreto
Martin Scorsese traz para Silêncio uma análise de um elemento comum à sua filmografia. Porém, aqui, o aprofundamento de tal questão avança em um patamar ainda maior do que o visto em outros dos seus filmes. Trata-se da culpa católica que vimos, por exemplo, no tormento do Charlie de Harvey Keitel, em Mean Streets, ao brincar com as velas de um altar prevendo como seria quente o suposto fogo do inferno, ou até mesmo a crença cambaleante de um não menos atormentado Jesus ao contestar sua própria fé em A Última Tentação de Cristo.
O tormento dos jovens padres portugueses Rodrigues e Garupe em relação à própria fé, no entanto, reside não somente no receio de que a força na qual eles acreditam possa vir a falhar e que ambos sejam condenados. Aqui, esse medo não é individualista. Pelo contrário. A morte ou a vida de inocentes dependerá da força que ambos possuem em suas crenças. Em Silêncio, a tal culpa extrapola qualquer terreno imaginário dentro da religião e passa a figurar dentro do perigo real e imediato que o ceifar de vidas de pessoas que apenas buscam uma representação e uma fuga para o sofrimento que o seu meio as infringe.
Longe de ser um trabalho catequizador, o longa de Scorsese oferece uma reflexão acerca do diálogo entre dois tipos distintos de fé. Não seria correto, entretanto, inserir o budismo, religião pregada no Japão do século XVII e período abordado pelo filme, como sendo a origem de um desses tipos de fé que a obra busca colocar em análise. A filosofia budista em Silêncio não é demonstrada em seus costumes ou hábitos.