Crítica

Crítica “Somente o Mar Sabe”: vale a pena assistir?

Somente o Mar Sabe

Dirigido por James Marsh. Roteirizado por Scott Z. Burns. Elenco: Colin Firth, Rachel Weisz, David Thewlis, Ken Stott, Mark Gatiss, Andrew Buchan, Finn Elliott, Kit Connor, Eleanor Stagg, Jonathan Bailey, Anna Madeley, Genevieve Gaunt

Por Gabriella Tomasi

Somente o Mar Sabe é uma trama baseada em fatos reais, na qual conta-se a história de Donald Crowhurst (Firth), um empresário de classe média apaixonado pelo mar que decide deixar sua esposa Clare (Weisz) e seus três filhos na cidade britânica de Teignmouth e se aventurar em uma competição para navegar ao redor do mundo, cujo prêmio é atribuído aquele que chegar ou em primeiro lugar ou quem fizer o trajeto mais rápido. O problema é que Donald consegue às pressas financiar patrocínio e um barco, e de tão inexperiente, despreparado e sem dinheiro, ele se vê em meio à uma situação desesperadora durante a viagem.

A tragédia, portanto, inevitavelmente se prenuncia desde o primeiro ato quando o protagonista faz de tudo, inclusive dar garantia de sua própria e única casa, para poder concretizar o desejo de viajar no alto-mar. É visível, pois, que antes mesmo de pisar no barco ele já sofria com a pressão popular e de seus patrocinadores o que nos faz entender as motivações por trás de suas ações posteriormente. Crowhurst se vê num impasse entre continuar na competição e correr o risco de morrer afogado diante das imperfeições da sua embarcação, ou retornar para casa sem terminar o trajeto, o que significaria falência financeira e moral para ele.

O design de produção seiscentista é muito bem retratado, principalmente pelo figurino utilizado e o aparato de filmagem que imita imagens caseiras da dinâmica da família criando uma empatia forte em relação a ela. Aliás, os laços familiares são a base na narrativa, cuja montagem alterna tempos presentes, passados e as preparações antes da viagem. Interessante observar como a fotografia possui um papel relevante aqui, inclusive para que nos situemos no espaço temporal do filme: a paleta mais escura com tonalidades do azul e cinza não coincidentemente está presente em sua maioria nas cenas de Donald no barco; as cores mais saturadas e tonalidades do vermelho e amarelo representam o ambiente acolhedor e íntimo com a família; e, pouco antes do protagonista partir, há uma mescla entre tonalidades frias e quentes que simbolizam essa ambigüidade de sentimentos. É possível notar inclusive a deterioração física através do personagem que reflete no seu psicológico, em que conforme a narrativa progride lhe aparecem olheiras, cabelos brancos, roupas sujas e rasgadas.

James Marsh, mais conhecido pelo seu trabalho em Teoria de Tudo (2014) prova mais uma vez sua habilidade em trabalhar com atores. Colin Firth e Rachel Weisz estão ótimos e extraíram o necessário para transmitir as incertezas pelas quais seus personagens passaram. Firth, especialmente, traz um resultado competente e convincente pelo material lhe dado. Contudo, Marsh não soube conduzir eficientemente sua história de modo que mesmo após duas horas de projeção sua mensagem permanece um tanto quanto obscura.

Isso porque o longa, por um lado, possui um forte conteúdo existencial e por isso tinha um potencial enorme de ser explorado.  As teorias filosóficas sobre a própria condição humana documentadas pelo real Donald evocavam um estado psicológico particular dele mesmo, uma linha tênue entre loucura e lucidez provocadas por sua solidão em meio ao Oceano durante quase um ano e que Marsh, em contrapartida, não fora bem sucedido em deixá-los evidentes para seu espectador. A confusão, portanto, se dá pelo fato de que o cineasta enaltece mais a jornada de um homem progressivamente ficando louco, do que dar mais atenção a todas as circunstâncias psicológicas, políticas e midiáticas que envolvem sua situação, as quais são retratadas por breves instantes. Obviamente, a impressão que ficará para seu público é de um “filme parado”, pois Marsh confia demais nas emoções e nas vagas assertivas.

Outro problema são os ângulos e enquadramentos nas cenas de Donald em sua embarcação para simbolizar a sensação de isolamento. Os planos gerais e em ângulo plongée (de baixo para cima) são eficazes, mas são constantemente repetidas (ainda que não o suficiente para denunciar uma “reciclagem” de tomadas) denotando uma grande falta de criatividade do diretor e tornando, por conseguinte, essa loucura provocada pela solidão crível, mas muito pouco sentida pelo seu público. Além disso, fora desse cenário, Marsh dirige em modo automático, sem nenhuma peculiaridade que façamos sentir as experiências dos personagens, mantendo assim o público em uma relativa distância de conforto durante a narrativa. O que salva o filme certamente é a fotografia pelos aspectos anteriormente mencionados, assim como a trilha sonora diegética de Jóhann Jóhannsson da água e rangidos que contribuem para a imersão no conflito apresentado.

No final, Somente o Mar Sabe tem seus pontos positivos, mas é tão dramaticamente pobre que não chega a fazer jus ao seu cinebiografado.

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