Crítica

Crítica The Walking Dead: o que faríamos sem a morte?

TWD season 6

“A julgar pelo novo capítulo, em The Walking Dead tudo pode piorar, podemos perder as pessoas que amamos num piscar de olhos, na simplicidade de uma mordida…”

Por Adolfo Gomes

É Waterloo! Ou a Batalha do Somme…Como quaisquer dos mais sangrentos conflitos que infligiram a humanidade nos últimos séculos. Assim recomeça a sexta temporada da série “The Walking Dead”, após o tradicional intervalo de final de ano. Acredita-se que a gênese do cinema de horror remonte à Primeira Guerra Mundial, quando milhares de soldados mutilados voltaram para casa. No sentido menos figurado possível, a sensação era de que os monstros estavam entre nós…E a Universal Pictures, do alemão Carl Laemmle, soube converter o fenômeno num ciclo de sucesso, de “Frankenstein” (1931) a “Lobisomem” (1941), entre inúmeras derivações.

Antes a vanguarda francesa já havia aberto o caminho para os mortos-vivos invadirem os cinemas, no drama antibelicista “J’accuse” (1919), de Abel Gance, no qual um cortejo macabro de soldados zumbis se erguia dos devastados campos de batalha em direção às vilas francesas para lembrar aos que ficaram sobre a importância de não repetir a experiência. Bem sabemos de que nada adiantou o alerta…

Por sinal, o caráter recorrente dos conflitos, em maior ou menor escala, está na origem dessa espécie de “eterno retorno” à selvageria em “The Walking Dead”. O que impressiona no mais recente episódio (o nono, da sexta temporada), é como a série criada por Robert Kirkman e Frank Darabont, mesmo após a saída deste último, continua a elevar, a um patamar nunca antes visto na TV, o grau de tensão, violência e fatalismo.

The Walking Dead 6

O gore (subgênero do terror calcado na exposição deliberada de sangue e vísceras) se instalou definitivamente no mainstream – e sem o verniz científico, por exemplo, de um “CSI”. Não se trata apenas de resgatar do gueto reservado aos filmes fantásticos e de horror as obras de cineastas transgressores como George Romero e Larry Cohen, mas de reabilitar um universo de realizadores de enorme força inventiva.

O italiano Lucio Fulci, por exemplo. Criador de obras-primas niilistas, visualmente incomparáveis – a luta subaquática de um zumbi contra um tubarão no alto mar caribenho, para citar apenas uma das sequências antológicas de “Zumbi 2” (1980). São referências claras na composição do “inferno à luz do dia” que se configura em grande parte as situações de “The Walking Dead”.

A maneira implacável como se impõe a morte, sem cerimônia, nem ralenti…Para além da própria natureza da trama, o assustador é a presença física dos mortos, sem o filtro ou o consolo do sobrenatural. Mais do que isso: aqui não há metáfora possível, nem a possibilidade de transcendência. Apenas carne e matéria a se retroalimentarem perpetuamente.

A julgar pelo novo capítulo, em “The Walking Dead” tudo pode piorar, podemos perder as pessoas que amamos num piscar de olhos, na simplicidade de uma mordida, mas está preservado ali, por outro lado, um impulso de sobrevivência, de comunidade, de redenção…Parece, de fato, ser o mesmo na vida, sobretudo, quando não temos a opção de morrer. Assombroso!

Adolfo Gomes é cineclubista e crítico de cinema filiado à Abraccine. Curador de mostras e retrospectivas, entre as quais “Nicholas Philibert, a emoção do real”, “Bresson, olhos para o impossível” e “O Mito de Dom Sebastião no Cinema”. Coordenou as três edições do prêmio de estímulo a jovens críticos “Walter da Silveira”, promovido pela Diretoria de Audiovisual, da Fundação Cultural da Bahia.

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