Todo Clichê de Amor
Dirigido e roteirizado por Rafael Primot. Elenco: Maria Luisa Mendonça, Débora Falabella, Marjorie Estiano, Rafael Primot, Gilda Nomacce, Eucir de Souza, Clarissa Kiste, João Baldasserini
*Este texto pode conter spoilers
Por Gabriella Tomasi
O romance é um dos gêneros mais antigos da história. Tão antigo que podemos olhar o passado e encontrar uma das primeiras histórias nos poemas de Homero quando Páris roubou sua Helena e a levou para Tróia. É inegável, pois, que todos apreciam uma boa história de amor (inclusive eu), mas fato também é que muitas fórmulas narrativas foram esgotadas há muito tempo, tanto na literatura, quanto no cinema e tornaram-se o que chamamos atualmente de “clichê”. O diretor Rafael Primot, com uma excelente premissa – principalmente para o cinema nacional – cria este novo longa, que como já sugere seu título, trata-se de uma sátira que brinca como todos aqueles “clichês românticos” a que estamos acostumados presenciar.
Todo Clichê do Amor tem muitos pontos positivos, começando já pelos minutos iniciais quando mostra cenas pra lá de eróticas em seus créditos. Não é mera coincidência, nem se trata aqui de uma ofensa, já que a granulação é totalmente alterada para anunciar justamente uma espécie de ficção, cujo tema muitas vezes é erotizado e tratado com desrespeito pelo cinema. E afinal esse é todo o objetivo do filme: denunciar certos tipos de abordagem em relação ao romance.
Em seguida, somos introduzidos a três narrativas separadas, simbolizando alguns dos clichês do gênero, e cujas histórias ao final se interligam: a prostituta Lia (Estiano) que sonha com uma família tradicional e quer engravidar, mas entra em conflito com o marido por causa disto; o anti social que encontra amor com a bela Helen (Falabella) e; por fim, uma madrasta à la cinderela que busca aceitação de sua enteada no velório de seu marido. A fragmentação destas tramas e a alternância delas na narrativa tampouco foi uma escolha adotada por Primot aleatoriamente, já que vemos este recurso sendo realizado em inúmeros longas, e, ainda, impossível não identificar certas similaridades com Closer – Perto Demais (2004).
É sim evidente, durante a narrativa, que Primot não quer ser levado a sério, mas sim brincar com os diferentes conceitos e abordagens dentro das histórias. Por um lado, o discurso metalingüístico é inteligentíssimo e aqui ficção e realidade se misturam como na vida real, afinal, quem nunca sonhou encontrar um “príncipe encantado” ou viver um romance puro como o dos contos de fada? É justamente esse amor idealizado e quase utópico que sempre buscamos em nossa vida que se espelha nos ideais retratados pela arte. Não é à toa, pois, que o protagonista da obra 50 Tons de Cinza, por exemplo, passou a ser uma das figuras mais desejadas atualmente.
A fotografia é outro ponto alto da narrativa, a qual se utiliza de tons extremamente evocativos, tendo muito do vermelho, roxo e sombras escuras em sua paleta e que favorecem muito o sentimento pretendido. Quando a prostituta está com seu cliente, os tons predominantes são roxos e vermelhos e quando a esposa deste aparece, o vermelho volta a predominar. Já no amor platônico de uma garçonete, a lanchonete onde esta trabalha possui cores muito quentes denotando uma intimidade e um sentimento acolhedor, ao passo que quando o pretendente comete um crime posteriormente, os planos são tomados por sombras muito aparentes.
Contudo, ainda que ele almeje ser diferente e ambicioso em sua narrativa, o longa ao mesmo tempo acaba sendo em outros aspectos conservador demais. Isso porque o cineasta não vai além dos clichês que quer denunciar, ou seja, ele não traz um olhar diferente a partir da sátira intencionada, girando ao redor de suas próprias assertivas, o que por conseguinte torna o filme refém de si mesmo. O roteiro se preocupa demais em afirmar o tempo todo o quanto essas histórias são “bregas”, “clichês” ou tiradas do “cinema francês”. Assim sendo, a necessidade de se auto-afirmar e não aprofundar os temas a que propõe a discorrer não faz o longa criar o efeito esperado e, ao final, parece até que se leva muito a sério. Em outras palavras, o tom expositivo da necessidade de sempre falar o quanto as histórias são ruins, faz com que elas acabem sendo efetivamente ruins.
Ademais, os desfechos das três histórias se desenvolvem de uma maneira um tanto forçada, artificial, e bem machista. Reparem como as personagens femininas são as que abdicam de si mesmas para satisfazerem os desejos de seus respectivos parceiros (o que no romance normalmente ocorre o contrário). A garçonete é quem se declara de maneira abrupta para seu amado e a potencialidade de uma traição não é enfrentada, mas sim ofuscada; Lia acaba cedendo ao marido; a esposa vai ao encontro do marido no hotel para recuperá-lo (e Lia neste momento magicamente desaparece esquecendo inclusive as algemas e demais acessórios no corpo do seu cliente); e a madrasta e enteada milagrosamente se entendem mesmo após anos de conflito, em prol do falecido.
Por conseguinte, Todo Clichê do Amor é um filme com muitas ideias boas, mas que ao final não concretiza todas elas.