Coluna de Pedro Del Mar sobre política, educação, cultura e muitos outros assuntos
Racismo institucional na indústria do entretenimento
A semana que recém findou-se foi marcada por dois episódios nas searas da cultura e entretenimento que, mais uma vez, escancararam as marcas de uma ferida longe de ser limpa e cicatrizada: a discriminação racial velada e amplamente utilizada nos dois hemisférios do globo terrestre.
Na terça-feira, 12 de Janeiro, a página oficial no Facebook da Prefeitura de Santo Amaro, cidade no recôncavo baiano, localizada a 71 quilômetros de Salvador, conhecida nacionalmente por ser a cidade natal de Caetano Veloso e Maria Bethânia, postou uma peça publicitária para anunciar a sua tradicional festa “Lavagem da Purificação”, que consiste em uma série de eventos sagrados e profanos em homenagem a Nossa Senhora da Purificação, padroeira da cidade, que ocorre desde o século XVIII, firmando-se como umas das principais celebrações religiosas do país. Acontece que na referida propaganda, foi utilizada uma imagem de 5 jovens, todos brancos e quase todos loiros, como pano de fundo do cartaz que anunciara a tão esperada festa municipal.
Não se faz necessário nenhum malabarismo e/ou esforço intelectual para perceber e problematizar o grave erro desta opção de marketing. Em uma cidade cravada no recôncavo da Bahia, região de predominância negra entre seus habitantes, o que diabos fariam 5 jovens brancos, loiros e europeus (em matéria do G1 descobriu-se que trata-se de jovens húngaros em foto para promover a noite da capital do país, Budapeste) no cartaz de divulgação da maior festa popular de uma cidade com ampla maioria de população negra? A reação foi suficientemente clara: a larga maioria da população santoamarense não se viu representada naquela foto e em poucos minutos após a publicação da imagem se deu uma enorme lista de reclamações e repúdio a mesma (veja aqui).
Assusta perceber como uma administração municipal pode ser tão amadora e relapsa ao ponto de deixar passar e/ou aprovar tamanha falta de sensibilidade e falta de respeito com a história, ancestralidade e identidade de seu povo. E olhem, preciso vos dizer que estou tentando não ser pessimista e não cogitar a possibilidade de clara má-fé e racismo escancarado.
Cartaz
Já na quinta-feira, dia 14, a Academy of Motion Picture Arts and Sciences divulgou a esperada lista de indicados ao Oscar 2016. Avaliações técnicas à parte, que você pode ler aqui mesmo no Cabine Cultural, um dado chamou a atenção: pelo 2º ano consecutivo não há NENHUM negro entre os indicados. Isso mesmo, nas 20 principais categorias que concorrem ao prêmio, somente pessoas brancas estão na disputa, assim como ocorreu na edição passada.
Vale lembrar, como informa matéria do Brasilpost – que “em 2015 a indignação perante a ausência de negros e negras nas indicações levantou nas redes sociais a hashtag #OscarSoWhite (#OscarMuitoBranco, em tradução livre), criada por @ReignOfApril, que volta esse ano com #OscarStillSoWhite (#OscarAindaMuitoBranco).
Agora, proponho a você, caro leitor, o seguinte exercício: lembre rapidamente dos filmes que foram aos cinemas no ano que passou e início deste e tente elencar quantos atores negros tiveram papéis de destaque nestas obras. São muitos, não? É possível lembrar com facilidade, por exemplo, das magníficas atuações de Abraham Attah, Idris Elba e Emmanuel Nii Adom Quaye no excelente longa da Netflix “Beasts of No Nation”. Ainda, para ficar em nomes mais clichês, de Will Smith em “Um Homem Entre Gigantes”, Michael B. Jordan em “Creed: Nascido para Lutar” e, devo confessar, do meu preferido, Samuel L. Jackson em “Os Oito Odiados” a mais nova obra prima de Quentin Tarantino – sim, sou fã!-.
Para entender melhor como os dados acima não se dão de forma isolada e nem são meras e infelizes coincidências, ou seja, são reflexos de um problema estrutural que atinge toda a sociedade, um estudo da UCLA (University of California, Los Angeles) – veja aqui, em inglês – mostra que apenas profissionais brancos estão em cargos de chefia nos 3 maiores estúdios de Hollywood.
O fato é que o racismo permeia nosso cotidiano bem embaixo dos nossos narizes e nas mais diversas modalidades. Vemos – ou fingimos que não vemos – racismo na padaria, no ponto de ônibus, na faculdade, no trabalho, no supermercado, na reunião de condomínio, na TV e nos momentos de lazer. Quantos negros há na direção da empresa que você trabalha? Quantos negros são protagonistas nas novelas que você assiste? Quantos negros estão nos presídios e são assassinados diariamente no país? Será mesmo que é possível crer em coincidências ou traços genéticos que justifiquem tamanhas diferenças e o doloroso genocídio que acomete aos filhos da África todos os dias? Tenho a certeza que não.
Oscar So White still
E já que falamos de cinema, termino estas palavras deixando dois exemplos, um ator e uma atriz de Hollywood que falam sobre o combate ao racismo. Porém, fiquem atentos, o primeiro, a meu ver, e é claro que você pode discordar, é um exemplo do que NÃO falar e NÃO fazer diante do racismo.
Explico: há 2 variáveis que precisamos considerar na fala de Morgan Freeman (veja aqui) 1 – A conjuntura de tensões raciais nos EUA é bastante distinta da brasileira, 2 – Em nenhum momento da história registrou-se a superação de uma opressão ignorando o opressor e suas ações, estando inerte e mudo. Bem disse o poeta: “só a luta muda a vida”. Então, por mais que eu nutra extremo apreço pelo trabalho de Freeman como ator, não posso concordar com suas palavras.
Já o segundo exemplo, bom, este eu deixo que você mesmo sinta e reflita sobre (leia aqui)…
Pedro Carvalho (Del Mar) é graduando em Direito e em Ciências Sociais. Desde a adolescência participou ativamente de movimentos estudantis e sociais na Bahia e em Minas Gerais. À margem destas atividades, mas não menos importante, cultiva o hábito da escrita, sempre atento ao que acontece na política, sociedade, comportamento, educação, cultura e entretenimento no Brasil e no mundo.