Literatura

Daniela Mercury: a Rainha Má se apresenta em edição concorrida no TCA

Daniela Mercury – Foto de Mauricio Serra

“Com um show intitulado ‘A Voz e o Violão’, com ingressos à R$1, a cantora Daniela Mercury não tem noção de ‘timing’, se excede nas falas e engordura show íntimo.”

Por Elenilson Nascimento

A cantora baiana Daniela Mercury se apresentou na edição de fevereiro do projeto “Domingo no TCA” no último dia 28/02, às 11h, na Sala Principal do Teatro Castro Alves, em Salvador. Às 8h da manhã a fila já estava virando o Garcia, com fãs, admiradores e curiosos se estapeando para conseguir um ingresso para o show “A Voz e o Violão”, R$ 1 (inteira) e R$ 0,50 (meia). Acompanhada do violão do músico Alexandre Vargas, Daniela entrou no palco com um vestido verde abacate parecendo uma cortina para apresentar ao público baiano um repertório composto por sucessos do último disco “Vinil Virtual”, lançado no fim de 2015, além de composições de outros autores.

Logo na primeira apresentação, Daniela estava aparentemente emocionada, surgindo no palco do TCA como uma entidade – como um orixá envolto em sua dança – e cantou, dançou coreografias que evocavam a África, mas ninguém poderia supor que o show seria transformado num recital de poesias com a participação do próprio público e com manifestações sobre a condição dos negros em Salvador. Na sequência, uma música inédita do novo disco foi apresentada e continuou os discursos políticos como se ela realmente fosse a representante dos Movimentos Negros da cidade, se dizendo até frequentadora do bairro da Liberdade. Não consigo imaginar a Rainha Má andando nas ruas apertadas e sujas da Liberdade . Mas a cantora se insinuou mais interessante quando cantou “Ilê Pérola Negra”, de Guiguio, René Veneno e Miltão, música que evoca saudação ao bloco afro-baiano Ilê Aiyê feita sem a percussão, que teve ressaltada a beleza de sua melodia no desnudado registro da voz de Daniela com o violão.

Daniela Mercury – Foto de Mauricio Serra

Tudo sinalizava um recital de bom nível. Mas eis que, a partir daí, Daniela perdeu a noção de timing, se excedeu em falas (várias sem sentido) e engordurou um show que se tornou longo demais em quase duas horas, por vezes cansativo, quando poderia ter sido mais luminoso. Daniela misturou desde “Desafinado”, de Jobim e Newton Mendonça, totalmente desritmada, palavra usada pela própria artista para desqualificar a noção de ritmo da plateia que marcara com palmas o andamento da música anterior “Ilê Pérola Negra” – foi um sinal de que Daniela se aproveitaria do clima de intimidade propiciado pelo formato do show para abusar dos discursos e comentários. Chegou até a chamar o público à atenção pelo uso demasiado dos celulares, o que estaria tirando a sua concentração.

Quando, enfim, se limitou a cantar, seja dando voz a um tema do universo pop contemporâneo, ou a um sucesso do cantor cearense Fagner e/ou de Caetano Veloso, o show parecia que ia entrar num tom mais participativo. Mas a impressão era sempre falsa. Daniela voltava a arrumar pretexto para falar alguma coisa, forçando intervenções da plateia, inclusive dos convidados Vips. O atual secretário da Cultura Jorge Portugal foi convocado até para improvisar poemas, depois de ter sido recebido às palmas tímidas da plateia. Totalmente desnecessário! No meio de tantas falas dispensáveis, Daniela desceu do palco para cantar no meio do público, gerando manifestações explícitas de idolatria. Mesmo sendo uma cantora que oscila fora do universo da axé music, Daniela arriscou versão a capella, sem microfone, de “O Bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, que impressionou (positivamente) pela ousadia e ambiência teatral, mas pecou muito no excesso de gritos e coreografias com direito a rolar pelo chão e pulinhos ensaiados em academias de ginásticas.

Ainda teatral, Daniela cantou Chico Buarque – em ágil número que emendou “Cálice”, de Chico e Gil, com “Deus Lhe Pague”- e arriscou até tema da banda de Brasília Legião Urbana, cantando “Há Tempos” em tom bem meio raivoso. O que mais me incomodou neste show é a tão comentada arrogância de Daniela que parece ter deixado o violão lá no fundo do palco, pois ela, a Rainha Má tem que ocupar todos os espaços e sons do teatro. Ameaçou até a parar o show se alguém mais abrisse a porta. E o fato é que o show transcorreu muito longo, em gangorras. Alguns instantes de beleza, como a interpretação respeitosa da balada “Meu Plano”, de Lenine e Dudu Falcão, elevaram o nível deste show desplugado. Em contrapartida, “Super Homem, A Canção”, de Gil, perdeu significados e sutilezas em interpretação sem a devida delicadeza.

Daniela Mercury – Foto de Mauricio Serra

No bis, já de volta ao terreirão do axé, Daniela se confirmou a rainha do gênero pela habilidade em selecionar repertórios e fazer discos com conceito. Por isso mesmo, e pelo honroso histórico da cantora nos palcos, o show “Daniela Mercury – A Voz e o Violão” é ponto menos luminoso na carreira da artista. Um “show anormal”, como caracterizou, marota, a própria Daniela. “Fiz um stand-up”, resumiu a artista ao fim da apresentação, como se isso fosse engraçado. Não foi. Ao menos no palco do TCA, seu show transcorreu sem graça – não pela música em si, mas pela falta de noção e de timing da cantora em suas falas.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui a página Literatura Clandestina

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