Literatura

Dario Argento nos anos 2000: Um guia de como não fazer filmes

Jogador Misterioso

Coluna de Gabriella Tomasi sobre a sétima arte; uma análise mais aprofundada do cinema

Nascido em 07 de setembro de 1940 em Roma, Dario Argento é um diretor, ator e roteirista italiano que possui em seus currículos vários filmes de terror e, de fato, o cineasta se especializou no gênero. Inúmeras obras suas são consideradas “clássicos de cinema” e marcaram a época, principalmente nas décadas de 70 e 80, como Prelúdio para Matar (1975), Suspiria (1977) e Tenebre (1982). Contudo, o que é interessante em sua carreira ao analisá-la,  é que Argento foi no caminho contrário do que normalmente ocorre com a carreira de realizadores. Assim sendo, ao invés de inovar, aprofundar e demonstrar talento e criatividade, fica a impressão de que Argento parou em seus tempos de glória e foi decaindo em termos de qualidade de seus filmes, provando ser alguém competente mas sem nunca explorar todo o seu potencial.

Muito disso se deve em razão da pouca arrecadação em bilheteria e, consequentemente, o orçamento reduzido para produzir novos filmes. Argento fez o que pôde com recursos extremamente limitados, mas tampouco foram o suficientes para executar decentes longas dentro do que se podia.

Porém, para aqueles que realmente desejam aprender sobre a sétima arte, assistir às últimas obras de sua filmografia não é um completo desperdício de tempo, pois da mesma forma que podemos aprender como se realmente executa uma “obra-prima” do cinema assistindo a clássicos, cults e obras apreciadas pela crítica especializada, os filmes ruins, em contrapartida, nos trazer um olhar diferente e mais crítico. É pelos erros que podemos comparar e entender melhor o que se faz essencial na hora de fazer filmes. Quais cuidados se devem ter, como o roteiro deve ser estruturado, sua decupagem, qual é o papel da edição e como todos esses e demais fatores influenciam em seu resultado.

Jogador Misterioso e Giallo – Reféns do Medo entraram na lista dos piores filmes, marcando, por conseguinte, o início do término da carreira de Dario Argento, sendo seu último projeto em 2012, com Drácula 3D. Ambos fracassaram imensamente perante a crítica especializada, já que em praticamente todos os seus filmes mais contemporâneos não conseguiram agradar sequer ao público. Como resultado, na década de 2000 sua profissão já se encontrava desgastada. Isto se deve, além dos recursos que mencionamos anteriormente, mas também porque o cineasta não procurou inovar ou mesmo se atualizar com as revoluções tecnologias e as novas necessidades do mercado cinematográfico. Em muitos aspectos, parece que o cineasta parou no tempo e tentava de qualquer forma recuperar aquele prestígio. Mesmo assim, não há nenhum questionamento de que muitas de suas obras sejam de extrema relevância, pelo contrário. Mas infelizmente, quem preza pela boa qualidade encontrará um refúgio em seus projetos mais antigos.

Dessa maneira, é importante analisarmos de quê forma essa decadência se deu e em que situações Dario Argento pecou, eis que este período também faz parte de sua história. Afinal, é normal e até mesmo humano errar, sendo que há também inúmeros diretores que muitas vezes não entregam a mesma qualidade a que seus espectadores estão acostumados.

Em suma, o que podemos afirmar é que o trajeto deste realizador foi extremamente irregular, sem dúvidas, mas que mesmo com seus erros mais absurdos nós podemos extrair muito aprendizado acerca da sétima arte.

Jogador Misterioso (2004)

Dirigido por Dario Argento. Roteirizado por Jay Benedict, Phoebe Scholfield, Dario Argento, Franco Ferrini. Elenco: Stefania Rocca, Liam Cunningham, Silvio Muccino, Verra Gemma.

Jogador Misterioso é um daqueles filmes obrigatórios para estudantes de cinema, apenas para que os alunos aprendam e apontem todos os erros que se devem evitar, pois os equívocos são tão grandes em praticamente todas as áreas, inclusive nos elementos mais básicos, que chegamos até questionar onde seus conhecimentos como crítico de cinema (profissão inicial de Argento) foram parar. Aqui pretendo elencar os equívocos em cada uma das principais esferas.

Em síntese, Jogador Misterioso trata-se de um serial killer que sequestra lindas mulheres e as filma em uma webcam sendo torturadas (na realidade, não vemos exatamente isso acontecer, vemos apenas mulheres gritando compulsivamente) e, força a polícia a jogar uma partida de pôquer online, no qual ele coloca a condição de que, se o vilão sair vencedor, sua vítima será assassinada. Assim sendo, Anna, interpretada por Stefania Rocca, a quem as mensagens são direcionadas, tenta ao máximo para deter o criminoso ao lado de seu parceiro John, interpretado por Liam Cunningham – e posteriormente amante.

Em relação ao Design de Produção, é evidente que o baixo orçamento afetou e muito a construção dos cenários. Houve uma economia e um reaproveitamento das locações como a delegacia e a casa de Anna, tendo que o cineasta a recorrer bastante aos ambientes externos de Roma. Contudo, os cenários são muito pobres como, por exemplo, um ilegal e secreto local de jogos de azar e, por isso, esse descuido transforma a película datada, envelhecendo muito mal no decorrer dos anos.

Já o Roteiro peca por ser inverossímil: como explicar por que todos se comunicam inglês sendo que toda a comunicação via escrita é em italiano? Como explicar por que eles recorrem a um garoto que joga vídeo games como um prodígio em pôquer? (por que ninguém pensou em recrutar jogadores profissionais?) Por que um adolescente acha ser uma boa ideia fumar maconha no banheiro de uma delegacia de polícia? Qual é a lógica por trás da morte de um personagem em que ele “tem que escolher uma porta”, depois é jogado em um rio e arrastado na água por uma corda preso a um iate, que por sinal ele consegue facilmente se soltar, mas ao invés disso ele arrebenta a corda? E como outro personagem fora parar em uma floresta apenas por uma pista de um barulho que lembrava a um “estouro”, sendo que poderia ser qualquer coisa? E como o assassino consegue literalmente estar em dois lugares ao mesmo tempo? Isso sem mencionar a completa ausência de desenvolvimento dos personagens ou personagens literalmente dispensáveis, como a namorada (ou esposa?) de um personagem que simplesmente não tem propósito na narrativa. No mínimo, seria necessária uma motivação plausível para o antagonista ou até mesmo uma justificativa mais inteligente para o desfecho. Anna é a típica heroína, bonita que tem um passado perturbado e para vencer o homem malvado ela precisa superar o passado; já John é o típico irlandês beberrão e sedutor. E, ainda, soltar frases como “tem que conhecer seu oponente” em um jogo de pôquer é simplesmente preguiçoso e desleixo de se trabalhar um plot twist minimamente crível.

Resta evidente, pela análise da narrativa, que Argento almejava implantar pequenas pistas para que ao final as peças do quebra-cabeça se juntem, e, dessa forma, estabelecer uma dinâmica de descoberta-recompensa. Ocorre que, o efeito fica longe de ser almejado, já que nenhuma delas faz sentido ou podem ser facilmente deduzidas pela sua audiência. Os primeiros segundos em que Anna aceita as flores de presente de um colega com desdém (sem motivo nenhum), os olhares e as tensões (que não são explicadas) fazem com que tudo seja resolvido pelo espectador muito antes do que os próprios personagens. A descrição óbvia de um porão que, posteriormente, não tem qualquer função narrativa, assim como um texto de um livro aleatório defendendo que um jogador de pôquer possui os mesmos comportamentos na vida real revela-se, no mínimo, contraditório sendo que o antagonista não só trabalha com uma dupla identidade a narrativa inteira, mas também não há nenhum aprofundamento sobre qual “comportamento” seria este. Além disso, temos pistas improváveis nos corpos da vítima que supostamente seria a cereja do bolo para evidenciar a identidade do assassino (afinal, quem achou que seria uma boa ideia encontrar fragmentos de flor no pescoço da vítima?).

Neste contexto, podemos abordar sobre a Maquiagem e Figurino que também apresentam problemas graves. É notável que pouco fora investido neste longa, uma vez que, no primeiro caso, o elemento que se prestaria a reconstruir os corpos das mulheres se assemelha à bonecas nas cenas de autópsia, pois a artificiliadade é gritante. O figurino tampouco teve o cuidado o suficiente para diversificar as roupas dos personagens, principalmente a de Anna, a qual frequentemente é vista com a mesma blusa vermelha e calça preta. Não há nada de errado, a princípio, um personagem repetir determinado figurino, o problema acontece quando a roupa é alternada aleatoriamente e, por meio disso, o espectador um pouco menos atento questionará acerca da ordem dos eventos, pois não temos nenhuma noção de tempo neste universo, ou seja, não sabemos se se passaram dias, semanas, meses, e certamente o figurino não auxilia neste aspecto.

Porém, essa confusão é de certa forma responsabilidade também do trabalho de Edição, o qual intercala os eventos da maneira irregular, perdendo toda a urgência e, inclusive, toda a tensão que o filme deveria ter, especialmente nas cenas mais cruciais, quais sejam, as do próprio jogo. Elas se dão de maneira episódica e fragmentada de tal forma a perdemos a noção de tempo e espaço ao invés de criar uma dinâmica de corrida contra o tempo. É bastante estranho, por exemplo, que uma tremenda comemoração com direito à bebida e à comida teria sido feita logo após um resgate e somente depois a vítima conta os detalhes (uma história, aliás, que é cheia de furos). Em razão disto, também tornam muitas situações confusas como, por exemplo, a cena em que Anna é atacada por um agressor em sua casa. Não fazem nenhum sentido as elipses colocadas que mudam objetos de um lugar para outro, ou a perseguição gato-rato que apenas mostra poucos resquícios de movimentação e, dessa forma, pode-se dizer também que o fato de que o ambiente permaneceu escuro na maior parte do tempo facilitou para que o espectador não percebesse as falhas de continuidade. Reparem como Anna passa de um aposento ao outro e consegue repentinamente chegar ao seu quarto.

Obviamente a mencionada cena também reflete um problema de Fotografia quando mergulha a paleta em tons tão escuros que não conseguimos enxergar o que acontece. Na realidade, é algo que o filme inteiro padece: de cores ou de uma paleta que evocasse certo significado para a trama, o que não ocorre. Muito menos encontramos sua típica paleta chamativa, o capricho de estilo pelo qual Argento ficou famoso e, ao contrário, temos uma paleta fria, sem vida e pobre. Em Jogador Misterioso, o cineasta não inova ou não aproveita elementos que ele sabe que funciona, principalmente para seus fãs.

O que nos leva a questionar o seu próprio trabalho na Direção. Durante a narrativa, não há qualquer cenas de violência explícitas. O torture porn, o terror slasher, gêneros que são sua especialidade foram completamente deixados de lado. Não vemos as vítimas serem torturadas ou dilaceradas como o próprio antagonista “promete”, no máximo, gargantas são cortadas….e só! Há poucos momentos memoráveis em sua narrativa e, no geral, o resultado parece ser mais uma novela mal executada por um amador do que um filme dirigido por um dos cineastas mais cultuados da história da sétima arte. Argento também parece ter esquecido o que sabe fazer de melhor: entrar no psíquico de seus personagens, fazê-lo delirar em pesadelos diante da possibilidade inclusive da própria Anna ser a próxima vítima. Mas aqui não é o que acontece.

O que nos leva também a analisar o coração da trama: o pôquer online. Argento teria a oportunidade perfeita de inovar e usar a tecnologia a seu favor para criar uma dinâmica mais ativa, uma urgência ou apenas alguns jogos mais interessantes e inteligentes do que presenciar vários personagens em volta de um computador decidindo ou não se deve ficar com um “par de valetes”.

Por fim, a Trilha Sonora se revela um desastre. Composta por Claudio Simonetti, o músico resume seu trabalho em batidas e rifes eletrônicos que são empregados em contexto diegético e também não diegético, mas sem que essa técnica necessariamente dialogasse com o que acontece com a imagem em tela. Da mesma forma, não houve qualquer preocupação em contribuir para a (inexistente) urgência que esse filme claramente deveria ter. Muitas vezes sequer se nota que há uma música presente.

Acredito, na verdade, que ao assistir esse filme a trilha sonora era o menor das minhas preocupações, já que a péssima dublagem de atores italianos falando em inglês já me distraía inteiramente para fora da história. São cento e três minutos de dublagem deslocada, mal sincronizada e deficiente.

Sendo assim, Jogador Misterioso é uma decepção do começo ao fim. É aquele projeto que deveria ter sido engavetado ao invés de executado e realmente é uma mancha na carreira no diretor. Porém, ainda nos serve de aprendizado de como é importante ser cuidadoso em todas as esferas técnicas do cinema, assim como as artísticas; de como o trabalho em equipe e como todas as áreas devem se comunicar, o que parece não ter acontecido aqui.

Conforme veremos adiante, este longa não é o único desastre de Dario Argento, é apenas o começo de uma carreira em declínio.

Giallo – Reféns do Medo (2009)

Dirigido por Dario Argento. Roteiro por Jim Agnew, Sean Keller, Dario Argento. Elenco: Adrien Brody, Emmanuelle Seigner, Elsa Pataky, Bryon Deidra, Robert Miano, Luis Molteni, Taiyo Yamanouchi.

Já sabemos que Dario Argento é um cineasta notório pelos seus filmes de terror que, misturados com o tom fantástico de sua abordagem por vezes surreal e sobrenatural, concebe obras primas que o consolidaram no ramo cinematográfico. No entanto, Giallo – Reféns do Medo acaba sendo um ponto fora da curva diante de tantos trabalhos renomados e aclamados do diretor, e assim como Jogador Misterioso, foi recepcionado muito negativamente tanto pelo público quanto pela crítica especializada. Aliás, não é raro encontrar pesquisas, notícias e artigos declarando ser este foi um dos filmes de sua decadência profissional.

Na realidade, a palavra “giallo”, título do longa, possui um contexto interessante. O filme fora batizado como referência ao estilo de literatura com capas de livros pintados e ilustrados com a referida cor, e posteriormente também se refere a como se reconheceu os filmes do diretor italiano, abordando tramas policiais que envolvem mistério e horror e também pela fantasia à que me referi no início. Traduzido literalmente de sua língua de origem como “amarelo”, o longa não somente intencionava realizar um resgate dos tempos de ouro de sua profissão aos seus fãs, mas também resgatar a temática de assassinos em série que cometem sangrentos crimes e detetives em busca de deter essa pessoa desconhecida. Por ser bem reconhecido nesta área, Argento nunca teve medo de expor a violência gráfica e trabalhar cada vez mais com elementos de tortura com cores exóticas, movimentos de câmera sugestivos e instigantes.

Porém, este é um mais filme que não fez jus ao seu legado ou sequer representa de forma efetiva sobre o que este gênero na verdade retrata. Por sinal, às vezes a impressão que se passa é que o filme fora feito às pressas, já que a narrativa possui um ritmo irregular que às vezes se apressa para chegar ao seu desfecho, deixando, por conseguinte, muitos aspectos coerentes de sua própria história de lado, executando elipses que simplesmente não se explicam. O diretor, ainda, emprega uma decupagem extremamente irregular, já que não consegue manejar todos os personagens para que a trajetória de cada um fosse, no mínimo, lógica. Definitivamente, Argento é melhor diretor do que roteirista e ele nunca de fato se importou com a história mais do que a própria narrativa. Mesmo assim, muitos elementos técnicos escolhidos, por mais interessantes que sejam, são completamente ofuscados por uma história mal contada.

Giallo – Reféns do Medo até começa relativamente bem, com elementos bem empregados de suspense em seus primeiros minutos que nos deixam curiosos e intrigados acerca do que aconteceria na sequencia. Na trama, uma dupla de mulheres asiáticas na Itália estava aproveitando uma noite na capital, contudo, uma delas resolveu retornar ao hotel onde estava hospedada. Diante do frio e da chuva, a decisão foi chamar o taxi mais próximo. No caminho, ela percebe uma rota diferente realizada pelo motorista, cujos olhos fixados na garota pelo retrovisor já o denunciam como o vilão “Giallo”. Dias depois, o antagonista sequestra novamente mais uma bela garota, uma modelo estrangeira que estava no país para um desfile, o que já nos evidencia a maneira como ele atrai suas vítimas, assim como o perfil destas. E o problema já se estabelece porque Argento não define muito bem as motivações e não constrói a personalidade de seu personagem.  O torture porn se desenvolve com mulheres jovens, atraentes e estrangeiras, como no momento em que o sujeito tira fotos delas inteiramente machucadas ou dilaceradas e ainda se masturba. Mas essa abordagem não somente reforça um estereótipo banal contra as personagens femininas, que não fazem nada mais nada menos do que serem meras coadjuvantes dos personagens masculinos, mas também satisfazem os desejos perversos de seu antagonista. Em outras palavras, raríssimas vezes elas são colocadas em posição de destaque, mesmo colocando uma mulher ao lado do protagonista, e, se não bastasse, sequer se explica de maneira satisfatória por que o vilão direcionaria seu ódio contra elas.

O roteiro até poderia ir a um caminho interessante para explorar a ideia da xenofobia européia, o ódio pelo estranho, mas ao invés disso resolve basear em um caso de bullying infantil devido a sua aparência que, por sua vez, advém de um problema de saúde. Argento tenta justificar e explorar esses aspectos, principalmente quando uma vítima grita xingamentos do quanto ele é “feio” e “nojento”, mas não convence, até porque os “autores” de todos maus tratos em sua pouca idade não se restringem apenas à rejeição feminina. É até de se esperar o clichê que se faz do prazer em ver “mulheres bonitas” em sofrimento – tema corriqueiro do terror dos anos 70 – mas não se explica por que necessariamente têm que ser mulheres, já que, repisa-se, o trauma não as envolviam exclusivamente.  Tampouco se explicam a finalidade de seus medicamentos e os demais transtornos do vilão para além da sua condição física.

Já o herói, o policial americano Enzo Avolfi, interpretado por Adrien Brody possui um passado e motivações ultrapassadas. É o injustiçado que agora é o justiceiro em busca de vingança. Em quantos filmes de super-heróis vimos isso mesmo? Ou quantos filmes de personagens sedentos por colocar em prática o tal ditado popular “olho por olho, dente por dente”? Não há nenhuma identidade relacionável com o personagem a não ser sua obsessão. Isso sem mencionar a conduta completamente indulgente e criminosa, cujas responsabilidades por tal ato na sua infância não são desenvolvidas. Emmanuelle Seigner, sua parceira chamada Linda, por sua vez, possui tempo mínimo em tela e é completamente descartável, reforçando a ideia de subestimação das mulheres da trama: a sua personagem tem literalmente apenas um momento de relevância e quanto tem não é um momento muito significativo.

Aliás, não é mentira afirmar que as personagens femininas se prestam exclusivamente para gritar, se fazer de donzela que precisa de ajuda a todo momento. Nenhuma das mulheres em Giallo – Reféns do Medo possuí uma história aprofundada – não sabemos sequer de qual país são as duas irmãs ou como chegaram onde estão (a não ser a carreira de modelo). Em outras palavras, todas são meras turistas esperando ser a qualquer momento atacadas sem que possamos verdadeiramente conhecer quem são cada uma delas de tal modo a nos importarmos com elas.  Argento nos afasta constantemente de todos e não conseguimos extrair nenhuma empatia por ninguém.

Em relação ao desenvolvimento de personagens, o roteiro possui equívocos simplesmente imperdoáveis e são quase os mesmos que foram cometidos anteriormente em Jogador Misterioso: Por que Enzo, um homem que desde criança mora na Itália, não fala em italiano sequer com os seus colegas, sendo que entre si se comunicam no mesmo idioma? E uma lista ilegal que é posteriormente obtida por um bibliotecário que não tem nenhum propósito narrativo? Estas são questões que não são respondidas em nenhum momento.

Outro problema é a previsibilidade da história como consequência de uma serie de clichês empregados. Ora, a história do mocinho e da mocinha injustiçados contra um vilão maldoso só poderia dar em final feliz? O cinema sempre priorizou desfechos mais otimistas para seu público, ainda que várias vezes também opte para um lado mais pessimista à suas narrativas, a depender do estilo do diretor. Ocorre que, fazer final feliz meramente para colocar um fim em sua história não é mais o suficiente para a sétima arte. Qual é então o motivo pelo qual verei um filme se eu sei que a história vai se resolver? Ao responder essa pergunta, percebemos que sua resposta está associada à narrativa, e às experiências que o espectador vivencia durante a projeção. A trajetória importa, o modo de contar uma história importa. Neste caso, é visível que Argento tentou desviar do obvio, ao colocar a vítima em um porta-malas e finalizar sua obra com um gosto amargo, mas mesmo assim o resultado ficou azedo. Sendo assim, este filme também não envelheceu bem ao longo dos anos, tendo em vista que não consegue sustentar sua própria existência. Qual é o propósito deste filme? Qual é a sua mensagem? Essas são perguntas, dentre as demais, que ao final de noventa e dois minutos não conseguimos responder. E o fato de que o filme deixa mais perguntas (no mau sentido) do que respostas se torna um tanto quanto frustrante inclusive para descrever ou resenhar sobre sua história.

Em relação à cena do porta-malas já mencionada, há outro problema maior. Não há qualquer lógica que justifica a vítima estar ali e ao mesmo tempo não há motivos para que a trama acabe com Linda aos berros contra Enzo. São pontas soltas e elipses que não se justificam. Portanto, a sensação é que algo faltou. O filme, inclusive, nos outras perguntas sem respostas: “Como Giallo soube onde é e qual é o apartamento da irmã de Linda?”; “Como Enzo entra no apartamento de Giallo e este sabia de quem se tratava?”; “Como o nome Flavio Volpe aparece do nada?”. Ademais, há perseguições inexplicáveis, conflitos entre Enzo e Linda menos convincentes e toda a investigação atrás de Giallo soa como uma brincadeira, já que várias informações convenientes são trazidas pelo roteiro, de uma maneira muito fácil, sendo que Enzo também inexplicavelmente persegue o vilão há anos e nunca conseguiu capturá-lo. Tudo soa improvável.

Talvez o maior pecado de Argento foi expor demais seu vilão e muito cedo na narrativa, pois acompanhamos duas tramas paralelas, a do antagonista e dos heróis, e, dessa forma, não há surpresas, pois nós sabemos desde o início quem Giallo procura e o que ele irá fazer com suas vítimas, jamais criando sequer qualquer duvida de suas atitudes. A previsibilidade poderia ter sido contornada se talvez, mas só talvez se um esforço maior fosse empregado na montagem (com correções em roteiro) para que ele se tornasse mais enigmático do que simplesmente grotesco. Dessa forma, haveria chances de que a história poderia ter sido mais envolvente, ao invés de ser inteiramente anticlimática. Não podemos esquecer também do terrível trabalho de maquiagem que, embora deixe Adrien Brody (também interpretando o vilão) irreconhecível, sua aparência não convence e até transparece artificial demais, assim como o sangue falso jorrado uma vez ou outra de suas vítimas.

Os diálogos, contudo, são os mais sofríveis do roteiro, rodeado de frases de efeito e vazias de sentido. Quando Enzo começa a narrar seu trauma ele afirma: “a noite era escura, quase escura demais”, ou Linda que se restringe a surtar e xingar o companheiro soltando argumentos como: “você é egoísta”; “eu tenho que encontrar minha irmã”; “ele ia me dizer onde ela estava”; entre outros momentos que até doem os ouvidos e não contribuem para formação de caráter de seus personagens.

Por outro lado, a cor amarela foi sim empregada pela fotografia, mas é trabalhada muito timidamente e bem mais limpa do que em comparação a outros trabalhos do diretor como Suspiria, no qual a cor rosa era a mais predominante (e praticamente a única cor que se enxergava em tela) para exaltar o universo feminino e subverter os aspectos doce e inocente do lugar onde suas personagens se encontram. Em Giallo – Reféns do Medo, por sua vez, Argento subverte uma cor viva e quente que nos remete a sentimentos alegres para executar tons mais pálidos e escuros a fim de transparecer a enorme insegurança de seu vilão, da brutalidade. É possível notar da mesma forma tais cores aparecem na mente de Enzo quando relembra o fatídico dia em sua infância, também demonstrando o quanto ele mesmo é inseguro. Além disso, é bem interessante como Argento emprega não uma película moderna, mas uma granulação que nos lembra a época dos anos 70. Entretanto, ele não desenvolve seus talentos mais notáveis que é o excesso, a transgressão e a ousadia da paleta de cores Mas é é estranho, no mínimo, a economia de cores quando o próprio título do longa faz alusão à uma cor que poderia ser muito melhor aproveitada. O amarelo poderia ter saltado aos olhos do espectador para criar um insuportável (no bom sentido) clima de terror. As cores apagadas, em contrapartida, apenas tornam o longa insuportável (no mau sentido). A impressão do resultado é que o diretor estava muito mais contido, com medo de explorar lugares que ele já havia explorado – o que é sim contraditório. Apesar de notarmos as cores, a fotografia é em sua maioria limpa e não se destaca em relação aos demais elementos em cena. Na realidade, até mesmos as sequências dos crimes não são tão chocantes ou impactantes quanto em seus trabalhos anteriores.

Acredito que o longa será sempre uma sombra na carreira do diretor não somente pela terrível execução de um trabalho preguiçoso, mas também pelo o que aconteceu subsequentemente ao término das gravações: Dario Argento teve que enfrentar um processo judicial contra o ator Adrien Brody por falta de pagamento do trabalho do ator. Esse empecilho prorrogou a data de lançamento do filme que estreou diretamente para o formato DVD e, ainda, a sua desvinculação do projeto haja vista as discordâncias com seus próprios produtores. Como se pode perceber, o caráter pouco comercial do filme demonstra que não é mera coincidência que o filme nunca chegou a estrear nas telas do cinema.

Por fim, Giallo – Reféns do Medo dá a sensação de trabalho desleixado e incompleto. Mais um trabalho que se destoa de toda a filmografia anterior do cineasta em comparação ao que o próprio Dario Argento é capaz de executar – e sabemos o quanto ele é capaz.

Quem acredita (ou acreditava na época) que o cineasta retornava às suas raízes após uma série de deslizes cinematográficos, se engana (ou se enganou), demonstrando que de fato, esta obra era uma das últimas da carreira de Argento e suas produções estavam se aproximando do fim.

Não demorou muito tempo, portanto, para que a sua última ocorresse três anos mais tarde, com a igualmente desastrosa versão Drácula 3D em 2013, que estrelou sua filha Asia Argento no elenco.

De fato e, acertadamente, Giallo – Reféns do Medo e Jogador Misterioso traduzem nos filmes com as piores qualidades cinematográfica da filmografia do renomado Dario Argento. O declínio e o fim de sua carreira, por fim, ocorreram em 2012.

Mesmo assim, seus filmes nos anos 2000 são ótimos exemplos que compõem um guia completo de como não se fazer cinema amador e, analisar estas obras implica certamente em um maior senso crítico acerca do gênero de terror. Por outro lado, para quem deseja se aprofundar no verdadeiro estilo do diretor e apreciar um bom filme de terror, o recomendado é focar nas obras mais antigas e mais conhecidas.

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