Babilônia
O triste, nisso tudo, é que vemos, no cotidiano televisivo, tanta porcaria fazendo um baita sucesso. Inclusive, novelas, algumas com tramas péssimas, sendo aceitas pelo grande público
Por Mauricio Amorim
Há uns três dias, um amigo meu, através do chat do Facebook, questionou-me algo que, segundo ele, estava sendo alvo da sua incompreensão. Eis o simples e direto questionamento:
“Maurício, por que Babilônia não está fazendo sucesso?! Eu acho que ela tinha tudo pra ser um sucesso…”
Eu respondi, a ele, algo mais ou menos assim…
Sim, aparentemente (e vamos frisar bem esse aparentemente) Babilônia tinha tudo para dar certo, até porque estava sendo escrita por um dos melhores autores de telenovela brasileira – Gilberto Braga.
Gilberto, só para lembrar, foi o autor de grandes sucessos da Rede Globo, basta lembrarmos-nos de Vale Tudo, Dancin’ Days, Água Viva, Celebridade e, até mesmo, a morna Paraíso Tropical fez sucesso. E olha que nem enfatizei Escrava Isaura e, a também de época – e excelente – Força de um Desejo!
Gilberto escreveria em parceria com João Ximenes Braga e Ricardo Linhares, dois ótimos autores, o diretor de núcleo seria Dennis Carvalho, um dos diretores mais acostumados com a escrita de Gilberto e, o principal, teria um elenco de primeira, elenco este de causar inveja a muitos autores.
Confesso, com total tranquilidade, que normalmente não perco um capítulo de Babilônia. Confesso ainda que, nos primeiros dois meses, se eu não assistisse o capítulo no horário oficial de exibição, eu corria logo depois, ou no dia seguinte à exibição daquele capítulo, para a internet, a fim de assisti-lo lá. Já há algum tempo, não faço mais isso.
Babilônia
Faço por Além do Tempo (atual novela das 18h), mas, por Babilônia, não mais. Apesar de continuar gostando de assisti-la.
Contudo, o grande público – aquele que decide o que fica e o que não fica no ar – não gostou nem um pouco da trama de Gilberto Braga.
Logo nas primeiras semanas de exibição, Babilônia mostrou beijo gay entre duas das maiores atrizes da TV, do cinema e do teatro. Eu amei aquele beijo, aliás, um simples e bonito beijo. Porém, foi demais para as mentes extremamente preconceituosas dos brasileiros.
Ou alguém ainda duvida que a população brasileira seja altamente – e implacavelmente – preconceituosa?
Além de mostrarem Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg se beijando, logo nos primeiros capítulos vimos o personagem de Glória Pires fazendo sexo com um número variado de homens, afinal, era este o perfil inicial da personagem: uma mulher que gosta muito de transar. Uma ninfomaníaca? Que fosse. Porém, novo repúdio público! Pois a população não faz sexo, já que há tanto repúdio ao mesmo!
Outro personagem gay: o de Marcos Pasquim. Que iria, inclusive, se apaixonar pelo gay Ivan, personagem de Marcelo Melo Jr. Ivan, aliás, um gay negro, bonito, resolvido sexualmente e profissionalmente, morador da favela, másculo e nada afetado. O público também não gostou. Pois, para este mesmo público, não existem gays assim. Para eles, os gays devem ser caricatos, beirando, muitas vezes, o ridículo, e desprovidos de qualquer traço de masculinidade.
Outra questão repudiada pelo público: Shopie Charlotte como uma garota de programa e Bruno Gagliasso como seu cafetão.
E por aí vai… E o inesperado acontece: Babilônia só não fica com a audiência lá embaixo, perdendo feio para a péssima I Love Paraisópolis, como seus autores, sendo, obviamente, comandados pelo autor principal – Gilberto – são obrigados a mudar praticamente toda a trama da novela.
Nesse momento, recordo-me de várias telenovelas cujos autores foram obrigados a mudar algo – ou muita coisa – nas suas tramas.
Teresa ( Fernanda Montenegro ) e Estela ( Nathalia Timberg )
A Padroeira, por exemplo, foi uma novela de Walcyr Carrasco, das 18h, exibida no início dos anos 2000, e que lutou, durante todo o tempo de exibição, para ter uma boa audiência, inclusive mudando perfil de personagens, incluindo novos personagens, transformando uma novela que seria um drama – pesado – numa trama quase cômica! Só para se ter uma ideia, a personagem de Elizabeth Savalla, que só vestia preto, devido a sua forte e intransigente personalidade, chega num momento da trama que só usa vermelho, e seu perfil, de severo, toma ares burlescos, beirando, de fato, o ridículo.
Era para que o público se sentisse agradado. Não deu muito certo.
Esperança, do já não existente horário das 20h, inicialmente escrita por Benedito Ruy Barbosa, também teve muitas modificações na sua trama. Benedito, para completar, ficou doente e foi substituído por Walcyr.
Aguinaldo Silva amargou um fracasso, que foi a novela Suave Veneno. Aliás, um dos poucos fracassos, porque, se há um autor que reina na audiência, esse autor chama-se Aguinaldo Silva. Roque Santeiro, Tieta, Pedra Sobre Pedra, A Indomada, Fina Estampa, Império… Todas com ótima audiência.
E o próprio Gilberto Braga já passou por isso algumas vezes, como em Louco Amor, que achou de ter, como casal protagonista, Glória Pires e Fábio Jr, com os dois atores no auge dos problemas conjugais: praticamente se separando, na vida real e, na trama, um casal apaixonado! E a novela O Dono do Mundo, pois o público não aceitava Antonio Fagundes como vilão e achava a heroína Márcia, interpretada por Malu Mader, apática.
Contudo, às vezes, dá certo tudo que um autor faz para que a sua trama tenha audiência.
Em Por Amor, de Manoel Carlos, exibida entre 1997 e 1998, pesquisas semanais eram feitas pela Globo. Isso, até, não era novidade alguma. Manoel Carlos, contudo, escrevia sua trama tendo por base o personagem que estivesse mais agradando o público, naquela semana. Lembro, inclusive, com pesar – porque eu achava aquelas cenas um porre -, que houve um período em que, semanas contínuas, o público adorava as cenas do personagem alcoólatra de Paulo José, ao lado da filha, a menina Sandrinha. Então, era uma overdose de cenas entre o pai e a filha. O público gostava, se emocionava, chorava…
Nesta mesma ocasião, Benedito Ruy Barbosa afirmou que ele não seguia pesquisas, nem se atentava a elas, pois, se ele fosse escrever o que público quisesse, ele seria, apenas, um mero datilógrafo!
Entretanto, todo programa de televisão depende, sim, de uma boa audiência, para se manter no ar. O lucro vem daí…
Infelizmente, Babilônia não teve sucesso: a novela foi, até, encurtada! E já amarga o triste título de um dos maiores fracassos não só do horário nobre, mas da história das telenovelas brasileiras. Todos os dias, de forma inexorável, Os Dez Mandamentos, telenovela da Rede Record, tem uma audiência maior que a de Babilônia. Ambas são exibidas, praticamente, no mesmo horário.
Escrevo, acima, infelizmente, porque, de fato, eu gosto de Babilônia.
Glória Pires em Babilônia
Reconheço, óbvio que reconheço, que a trama perdeu muito com as mudanças. Personagens com perfis riquíssimos, do ponto de vista dramatúrgico – a própria Beatriz, de Glória Pires, ou a Inês, de Adriana Esteves, ou a Alice, de Shopie Charlotte -, tiveram mudanças determinantes na sua estrutura que comprometeram o andar da trama.
Mas, ainda assim, eu gosto de assistir Babilônia.
E acho, sim, injusta a falta de audiência que a novela amargou durante esses cinco meses.
A novela tem uma trama que, apesar de reestruturada, é boa. Tenho essa opinião também – e principalmente – das tramas paralelas. Sem contar que tem um núcleo cômico muito legal, que diverte, a começar pela personagem de Arlete Salles, Dona Consuelo – a mãe do prefeito de Jatobá – e o núcleo muito engraçado composto pelo personagem de Marcos Veras e Igor Angelkort.
O triste, nisso tudo, é que vemos, no cotidiano televisivo, tanta porcaria fazendo um baita sucesso. Inclusive, novelas, algumas com tramas péssimas, sendo aceitas pelo grande público.
Lembro de ainda ter respondido, ao meu amigo lá da pergunta feito no facebook, que muitas foram as explicações que tentaram justificar o fracasso de Babilônia: excesso de sexo, muitos vilões, gays na terceira idade, beijo gay, gay másculo, a religião usada como pretexto para roubos e tals, heroína fraca, texto pesado (muito palavrão)… E por aí vai…
Contudo, creio, categoricamente, que aquilo que acabou com a audiência de Babilônia foi o fato de o Brasil, a cada ano que passa, estar mais e mais careta.
Hipócrita, preconceituoso e careta!
Deduzo que Gilberto Braga e companhia não contavam com… Digamos… Tanta caretice!
Mauricio Amorim é Professor de Produção e Direção para TV e Vídeo, Edição, Roteiro, Linguística e Produção Textual da Universidade do Estado da Bahia, Especialista em Linguagens e Mídias Audiovisuais, Cineasta e Colunista do Cabine Cultural.