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Entrevista com Jorge Portugal, Secretário de Cultura do Estado da Bahia

Entrevista com Jorge Portugal

Entrevista concedida aos editores do site no dia 19 de junho de 2015 no Palácio da Aclamação, sede da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia

Por Cristiana de Oliveira e Luis Fernando Pereira

Foi nesta mesma época, três anos atrás, que tivemos a oportunidade de conversar por um bom tempo com o então Secretário de Cultura do Estado da Bahia, Albino Rubim. Nosso interesse naquela entrevista era discutir não somente políticas culturais, mas principalmente a cultura, em sentido mais amplo e teórico, e também num sentido mais restrito, de modo mais detalhado, discutindo as ações culturais que o governo baiano, liderado pelo Partido dos Trabalhadores, implementou, e vem implementando ao longo dos anos.

Hoje, com novo governador e com novo secretário de cultura, percebemos a importância de revisitar alguns temas discutidos na época, e também de trazer novos elementos para um novo bate-papo. O atual secretário, Jorge Portugal, poeta, professor, compositor e ativista nas áreas da educação e da cultura, aceitou nosso pedido e foi daí que surgiu esta boa conversa transcrita mais abaixo.

Nela o Secretário fala, sobretudo, dos problemas de receita pelo qual passa a sua pasta, afirmando ser difícil concretizar muitas de suas ideias por falta de verba. Jorge Portugal também garantiu pensar em projetos em prol da crítica cultural (no incentivo ao pensamento crítico) e vai trabalhar para – dentre outras coisas – colocar em prática projetos como a Bahia Filmes, futura empresa de promoção do cinema baiano.

Há de mencionar que o fato de estar somente há seis meses na pasta impossibilitou-o de aprofundar muitos de nossos temas propostos, mas ainda assim a conversa traz um saldo bem positivo. Esperamos voltar, daqui três anos, a conversar com o Secretário, e torcer para que muitas de suas ideias sejam de fato implementadas.

Fiquem com os melhores momentos desta entrevista.

Cabine Cultural – A primeira pergunta que fizemos para o então secretário Albino Rubim foi sobre o Concurso Estadual de Crítica de Artes, que tinha acabado de acontecer e que o secretário garantiu continuidade por se tratar de uma área de grande interesse do Estado. Porém, de lá para cá nada mais aconteceu na área. Existe algum projeto desta nova gestão que volte incentivar a crítica cultural na Bahia?

Entrevista com Jorge Portugal

Jorge Portugal – Estamos começando a pensar agora. Eu acabei de dar uma entrevista dizendo: olha bem, eu devia ter perguntado ao Governador o seguinte: quando é que teremos uma gestão com um mínimo de dinheiro? Ai eu topo ser Secretário. Como eu não perguntei e ele também não respondeu em me encontro aqui em uma situação altamente aflitiva, a verdade é essa. Hoje mesmo (19/06) eu li no Jornal A TARDE a notícia que o Balé do TCA (Teatro Castro Alves) não recebeu os seus proventos porque a SECULT não repassou. Mas a SECULT não repassou porque não recebeu seu orçamento. Então não é que não repassamos, é que não temos no orçamento o dinheiro para repassar até então. Então eu cheguei aqui com terra tremendo, com turbulência, e ainda estou tentando organizar a nave. Posso continuar com a resposta do Albino, mas com o compromisso de que vocês me cobrem daqui a seis meses.

CC – Mas então é uma área de interesse…

JP – De grande interesse, até porque eu li uma matéria do Ferreira Goulart, na Folha de São Paulo na qual ele diz que a crítica cultural acabou e eu discordo dele. Eu acho que ele não faz mais crítica cultural. Ele estava falando mais da crítica de artes e estava falando um pouco dele ali, sem dúvida alguma.

CC – Sabemos que a SECULT (e todo o Governo) passa por um momento bem difícil em termos de obtenção receita. O que vira prioridade em uma fase como esta? Pagar editais atrasados, manter os espaços funcionando… Existe alguma hierarquia definida?

JP – Existem áreas que são paupérrimas da SECULT. A própria SECULT é uma delas, as vinculadas também; mas existe uma área que é a prima rica, que é a Superintendência de Promoção Cultural, porque é ela que gere a linha de fomento, o FAZCULTURA e o Fundo de Cultura. Para eles não falta dinheiro, porque eles pegam o dinheiro do Fundo de Cultura e ai distribui para os editais da FPC (Fundação Pedro Calmon), da FUNCEB, que leva 80% e das demais vinculadas. Nós renovamos o Fundo de Cultura deste ano com os dois parceiros que são a OI Telemar e a Coelba, sem tirar um centavo sequer do valor do ano passado (56 milhões), embora nossa LOA, que é a Lei Orçamentária Anual limite em 40 milhões o uso deste dinheiro. E temos o FAZCULTURA já rodando este ano. Ou seja, não existe hierarquia.

CC – O FAZCULTURA tem novidades neste ano?

JP – Não, mas eu quero futuramente questionar seriamente o FAZCULTURA assim como o Juca (Juca Ferreira, Ministro da Cultura) está questionando a Lei Rouanet. Porque se criou uma cultura de só se apoiar algum evento cultural se for através de isenção fiscal. Nenhuma empresa chega pela sua benevolência e diz: oh, isso é tão importante para a cidade que eu farei um aporte para ajudar. Se não tiver incentivo fiscal, não fazem. Então no fundo o que as empresas fazem é apostar em determinado evento, mas com o dinheiro do povo. Então na há novidade no FAZCULTURA, o que existe é a possibilidade de mudar a lei do Fundo de Cultura, mas estamos discutindo ainda internamente sobre isso e terá que ir para a Assembleia.

CC – Você questiona também o fato de empresas preferirem apoiar artistas consagrados ao invés de quem realmente precisa, subvertendo um pouco a lógica da criação do projeto…

Entrevista com Jorge Portugal

JP – Claro, porque tudo fica nas mãos do marqueteiro da empresa. Se o marqueteiro tiver que optar entre, por exemplo, João do Boi, um grande artista, toca uma viola maravilhosa, um pandeiro como ninguém, mas desconhecido, e Caetano Veloso, ele vai optar por quem? Caetano Veloso, porque agrega, Caetano é uma marca, é uma grife.

CC – Mesmo se o investimento for maior…

JP – Sim, porque o investimento não é dele, é do próprio Estado. Ele tem retorno de imagem, ele fica bem na fita e ele não gasta dinheiro do bolso dele.

CC – E o principal, é legalizado… Ele não está fazendo nada de errado…

JP – E não investe na fonte de cultura popular, porque não traz para ele uma imagem grandiosa. E é por isso que eu questiono sim, e muito. E sofri por causa disto.

CC – É bem compreensível a ideia de que sua gestão fará um trabalho de continuidade, por questões políticas até. Mas o seu perfil (como educador, poeta, compositor) é um pouco diferente do perfil do Albino (acadêmico). Como o senhor vê isso? Que tipo de marca sua gestão dará a esses quatro primeiros anos de trabalho?

JP – Nós não vamos de jeito nenhum mudar as diretrizes para a cultura, nós temos, por exemplo, uma política de territorialização que é um exemplo para o país, o Brasil quer aprender com a nossa experiência. O Ministério da Cultura quer fazer a TEIA aqui na Bahia, porque a nossa organização é uma organização exemplar para o resto do país e isso ai é obra de Márcio (Meirelles, antigo secretário de cultura), e é obra de Albino (Rubim). Isso não se muda de forma alguma. O Fundo de Cultura, por exemplo, é uma forma republicana e democrática de você acessar os recursos e isso vai continuar. Talvez mude sim o sentimento, pois o sentimento do Dr. Albino, que é um acadêmico, não pode ser o mesmo sentimento de Jorge Portugal, que é um artista que viveu na Bahia o tempo inteiro, que tentou uma carreira, que buscou vários caminhos na arte, mas que nem sempre teve êxito. Como compositor, sim, sem dúvida alguma.

CC – Queríamos falar um pouco de cinema. Há algumas semanas um grupo de produtores audiovisuais chegou a ir à Secretaria da Fazenda cobrar o pagamento de um edital do IRDEB em parceria com a ANCINE. O senhor chegou a abrir diálogo com eles? O que achou?

JP – Eu os recebi aqui logo na primeira semana; o Olavo à frente, o próprio Claudio Marques esteve aqui comigo algumas vezes, tratando ora sobre questões mais gerais de audiovisual, ora sobre questões do Espaço Itaú. A verdade é a seguinte: conseguimos destravar nesta gestão um projeto que é um pouco a menina dos olhos da classe audiovisual, e já está na Casa Civil, o projeto está sendo escolhido para ir à Assembleia, que é justamente a criação da Bahia Filmes. Em um encontro com o Governador, e com o Ministro presente, nós pedimos para Rui (Costa) olhar de uma maneira sensível o projeto Bahia Filmes, que será uma empresa de fomento, mais ou menos no perfil da Rio Filmes, e a nossa ideia, que seria parecida com a SP Filmes, até porque chamamos o Alfredo Manevil, que é o diretor da SP Filmes, para ser uma espécie de consultor. E a nossa intenção é que ela venha com aporte de 30 milhões; o Estado colocando 10 milhões e a ANCINE colocando o dobro. Na região sudeste é 1 para 1 (relação com ANCINE) e na região nordeste é 1 para 2. E eu espero que este ano ainda possa votar e dar finalmente concretude ao projeto.

CC – Esta receita você imagina sendo distribuída como? Somente produção de filmes? Distribuição?

Entrevista com Jorge Portugal

JP – Distribuição é um problema sério…

CC – Você tem aqui na Bahia cineastas que chegam a produzir seus filmes de forma independente, mas esbarra no fato de não ter onde exibir…

JP – E não é só cinema, no audiovisual para TV a cabo há um clamor muito grande. As TVs pedem urgente por conteúdo. Outra coisa também que eles (ANCINE) têm é o projeto Cinema perto de Você, onde cada cidade com 100 mil habitantes ou mais, e que não possuem cinema, receberia uma sala de cinema, mas acoplada a um complexo, porque descobriram que se você faz um cinema de rua, isto não tem apelo, pois as pessoas ficam com medo, insegurança… As pessoas se acostumaram – sobretudo esta última geração – a ir para cinemas em shoppings. Então haveria um pequeno complexo, com uma bomboniere, um espaço para alimentação…

CC – Algo como o Espaço Itaú de Cinema…

JP – Isso, nas cidades do interior. E ai então haveria uma sala ou duas de cinema. Mas é preciso que haja uma empresa que garanta inclusive o empréstimo, que viria via BNDS, para desenvolver este tipo de modelo. Eu já estou me movimentando em ralação a isso.

CC – E o Festival 5 Minutos: volta a acontecer?

JP – Creio que volta sim.

CC – É um festival tradicional, um dos mais importantes da Bahia…

JP – Se você pergunta ao Secretário se ele tem vontade e empenho nisso, ele diz que tem… mas eu não invado a área de outros dirigentes, e essa é uma responsabilidade direta da DIMAS, agora com um novo diretor, que é Bertrand (Duarte).

CC – Ele foi uma indicação sua?

JP – Bertrand, se não me engano, foi uma pactuação da Fundação Cultural e da área do audiovisual.

CC – Sabemos que na sua visão a Secretaria Estadual de Cultura deveria estar atrelada com a educação. Em Salvador, por exemplo, ela está atrelada ao turismo (Secretaria municipal de Cultura e Turismo). Queria que você falasse desta diferença de uma pasta de cultura que dialoga com a educação com uma pasta que dialoga com o turismo… sem necessariamente falar de governos…

Entrevista com Jorge Portugal

JP – Jorge Portugal já escreveu um artigo no jornal A TARDE defendendo a ideia de que Salvador é uma cidade suficientemente importante culturalmente para não ter uma secretaria de cultura. Já escrevi este artigo, é público e não tenho porque esconder isso. Agora creio que a relação umbilical da cultura é com a educação, tanto é que eu escrevo uma palavra só – culturaeducação – eu não separo de forma alguma. Quando você liga a cultura a turismo você termina um pouco subordinando a cultura. Embora eu converse com o Nelson Pelegrino (Secretário Estadual de Turismo) e diga sempre a ele: você se segure que porque você (Sec. de Turismo) só existe por minha causa, eu sou seu conteúdo (risos). Sem o conteúdo cultural você tem o que? Você tem praias, rio, verde… E isso tem em vários lugares. Mas a identidade, a essência cultural… Quando você vende a Bahia, você vende a imagem do Pelourinho, o samba de roda, você vende a capoeira, Caetano Veloso, o Cinema Novo.

CC – Tua marca talvez seja justamente esta, de tentar atrelar ao máximo a cultura com a educação… Você já pensava, antes de ser convidado para ser secretário, em projetos que fizessem esta ligação da cultura com a educação?

JP – Sim! O Aprovado (programa de televisão). O Aprovado era um programa educativo que possuía uma carga cultural muito forte, que era pontuado pela música o tempo inteiro, os próprios temas eram transversais ligando uma coisa a outra.

CC – Você tem reuniões com outras pastas (educação, esportes…), dentro desta ideia de gestão interdisciplinar?

JP – Temos sim, e isso o Governador Rui Costa tem promovido bastante. Quando ele, por exemplo, elege um tema: Pacto pela Educação, embora seja educação, sentam-se para conversar secretaria de educação, secretaria de cultura, secretaria de tecnologia, secretaria de trabalho e esportes… Sentam quatro secretarias, no mínimo. Pacto pela Vida, ai são sete secretarias. Fora isso eu e Barreto (Oswaldo Barreto, Secretário de Educação) nos encontramos frequentemente para discutir, debater, ver ideias convergentes.

* Entrevista concedida aos editores do site Cristiana de Oliveira e Luis Fernando Pereira

** Crédito das fotos: Cristiana de Oliveira

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