Leo Jaime – Divulgação
Entrevista com Leo Jaime: “Lembrar de tudo é a definição de loucura. Escrever é mentir com sinceridade.” (Leo Jaime)
As músicas do cantor, compositor, escritor e apresentador goiano Leo Jaime conquistaram várias gerações. Afinal, são mais de 35 anos de carreira. Dono de uma história bem bacana, com apenas 17 anos partiu com destino ao Rio de Janeiro para trabalhar com teatro, mas acabou mesmo sendo pioneiro e mentor do bom pop rock BR. Com o grupo carioca de rockabilly João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, pavimentou o terreno para o sucesso da Blitz e ainda apresentou Cazuza ao Barão Vermelho. Tido com um dos maiores galãs dos anos 80, em 1983 lançou seu primeiro disco solo, o inesquecível “Phodas C”, e daí em diante emplacou vários hits nas rádios, além de também fazer trilhas sonoras para filmes e novelas. Mas quero destacar aqui o disco “Sessão da Tarde”, lançado em 1985, que vendeu mais de 160 mil cópias.
Na década de 90, tentando dar uma mudada na imagem de roqueiro inconsequente e irreverente, coisa que nunca foi, migrou para uma estética mais suave. Lançou o maravilhoso “Todo Amor” em 1995, uma obra de intérprete romântico, e “Ïnterlúdio”, em 2008, com canções inéditas. Como ator, atuou na novela “Bebê a Bordo”, de 1988, como Zezinho (*quem não lembra de ele fazendo par romântico com Isabela Garcia?), nos filmes “O Escorpião Escarlate”, “Rádio Pirata”, “Rock Estrela” e “As Sete Vampiras” e também no teatro, como no musical “Vitor ou Vitória”, em São Paulo, ao lado de Marília Pêra e no musical “Era no Tempo do Rei”, baseado na obra de Ruy Castro, interpretando D. João VI. Engraçado que ele voltou às novelas, em 2017, revivendo o D. João VI, na novela “Novo Mundo”.
Nos anos que se seguiram sofreu com o ostracismo e incompetência da indústria musical, com uma doença que o fez ganhar peso e teve que se reinventar. Virou um colunista dos bons de jornal e revistas, escreveu para a televisão e voltou a se apresentar em bares. Em 2009, devido à sua expertise em relacionamentos, foi convidado para integrar o programa “Amor e Sexo”, também lá da Globo. Seu impressionante carisma lhe rendeu convites para tocar outros projetos na TV e, atualmente, integra o elenco do ótimo “Papo de Segunda”, lá no canal GNT.
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Mais do que isso, para a nossa alegria, o cara voltou a fazer música e, em 2018, entrou em turnê com o amigo e parceiro Leoni, onde tocam parcerias e hits dos anos 80. Além de todos os desafios de estrear um show ao lado do Leo, Leoni, que também foi baixista do Kid Abelha, ainda teve de se familiarizar novamente com o instrumento ao qual se dedicava no início da carreira. E essa parceira deu mais do que certo! Rezamos para que o show vire disco e DVD!
Agora, Leo bate um papo sobre a sua carreira, machismo, esse momento tenebroso que estamos vivendo no Brasil, música e muito mais. Ele também comentou como lida com o assédio e reflete sobre representatividade: “Homens estão perdidos porque precisam reavaliar seus posicionamentos, sonhos, desejos, princípios.” Hoje, não há quem não saiba cantarolar pelo menos uma das canções que reinaram em alguma época, como “Nada mudou”, “Adoro”, “A vida não presta”, “Rock estrela”, entre tantas outras. No palco ou fora dele, Leo Jaime sempre mostra uma humilde grandiosidade (*não muito comum nesse meio), oposição que combina na tentativa de definir quem é esse cronista musical que transcende os anos. “Sempre fui otimista. No fundo ainda sou. Mas o cinismo a tudo corrompe.”, afirmou o músico. Então, viva os cínicos! Viva os cínicos e inteligentes! Viva Leo Jaime!
Elenilson – Tudo o que você escreve tem um segundo sentido que poucos percebem. Seu talento mais saboroso está nas entrelinhas, como foi o caso da letra da música “Solange”. Mas você já se arrependeu de ter escrito alguma letra?
Leo Jaime – Escrevi muita coisa boa e muitas nem tanto. É um processo. Se não tentar não acerta.
Elenilson – Numa entrevista, você disse que, ainda hoje, “os homens acham que as mulheres querem um príncipe encantado, mas o que elas querem mesmo é comer e não engordar”. E o que você acha que as mulheres realmente querem? Por que os homens estão confusos?
Leo Jaime – A piada não é minha mas é boa por tirar dos homens a ideia de que mulheres existem para lhes agradar. Mulheres querem. Homens podem até ser uma das coisas que elas querem. Homens estão perdidos porque precisam reavaliar seus posicionamentos, sonhos, desejos, princípios. Mulheres estão mais afiadas nestes assuntos. A DR existencial é uma necessidade para os homens atuais.
Elenilson – Nos anos 80, você sempre foi visto como um macho alfa. Tinha até pouco tempo atrás, uma entrevista sua onde você afirma que já tinha se relacionado com mais de 500 mulheres. Essa história de macho alfa está relacionado ao tamanho do pinto, da conta bancária, da quantidade de aparições na mídia ou de uma boa e velha pegada mesmo?
Leo Jaime – Eu nunca afirmei isso. Também nunca fui de falar com quem estive. Respeito minha intimidade e a de quem tenha participado dela. Não me considero macho alfa. Não sou competitivo, intimidador, essas coisas que machos alfas adoram. Tenho meus modos de agradar. Saber ouvir talvez seja o mais sedutor deles. Em geral acho que homens perdem muita autoestima quando estão duros. Comigo foi assim. E eu tive muitos períodos difíceis na vida.
Elenilson – Qual o verdadeiro papel do masculino bem resolvido nessa sociedade pósmoderna e chata?
Leo Jaime – Fazer com que ela não seja chata e que a empatia, a amizade e o prazer sejam coisas comuns entre homens e mulheres. Homens tendem a ser mais assertivos, a procurar mais do que esperar. Isto não precisa ser uma regra. O papel do homem atual é deixar de ser violento. Já melhoraria muito!
Elenilson – Você já deve ter sido assediado por homens? Como reagiu?
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Leo Jaime – De vez em quando recebo umas cantadas pelas redes sociais. Fico lisongeado e agradeço. Não quero ferir os sentimentos de quem gosta de mim e nem alimentar fantasias das quais não compartilho.
Elenilson – Leva anos compondo mentalmente? Tem alguma ideia amadurecendo?
Leo Jaime – Sempre tem alguma ideia rondando. Mas quando fica claro eu vou e escrevo na mesma hora. E depois reescrevo, se for o caso.
Elenilson – Descreva o seu comportamento quando, prestes a agarrar uma ideia, o telefone toca, a faxineira cobra a diária, descobre que o jogo começou ou está sem cigarros.
Leo Jaime – As outras coisas perdem o interesse na hora em que uma ideia interessante toma minha atenção.
Elenilson – Você também é um excelente escritor, elementar. Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário? Quando decidiu que queria publicar seus livros?
Leo Jaime – Eu escrevo e interpreto. Discos, livros, textos, canções. A maturidade me deu a impressão de que já podia começar a publicar textos. Mas eu faço isto sempre, não é mesmo? Aqui, por exemplo.
Elenilson – Para escrever é imprescindível beber, fumar, transar, bater uma? Liste em unidades, litros, gramas o que respalda você…
Leo Jaime – Silêncio e ideias. Só.
Elenilson – Memórias são coisas que se desentendem, disse um personagem do meu livro “Clandestinos”. Mas quando um narrador se lembra de tudo, então o passado vira um inferno. A liberdade artística ainda seria um processo de descoberta desse passado em vigília ou isso virou uma ordem utópica para muitos artistas?
Leo Jaime – Lembrar de tudo é a definição de loucura. Escrever é mentir com sinceridade. Deixar que o fluxo de ideias lhe traia e traia a língua. É preciso ficar surpreso consigo mesmo.
Elenilson – Das suas descobertas como artista, como ser político, como um cara de ideias, como um ser espiritualizado, o que ainda te surpreende?
Leo Jaime – Sempre fui otimista. No fundo ainda sou. Mas o cinismo a tudo corrompe. Acredite em mim: não acredite em nada.
Elenilson – A grande maioria dos artistas do Brasil é demasiadamente de uma arrogância descomunal. Ou se acham grandes demais ou já não têm noção do que realmente acontece ao seu redor. Isso é aprendido na faculdade da vida e/ou em cursos livres ou acontece porque essas figuras resolveram aposentar o senso?
Leo Jaime – Todo mundo é mais ou menos. Só que em um país em que quase todos têm medo de morrer na miséria está consciência dos próprios limites pode ser ameaçadora.
Elenilson – Sinto muita falta do rock BR com mais conteúdo, vide a geração 80. Você acha que muitos artistas hoje preferem a comédia e o besteirol do mais do mesmo para continuar vivo na mídia como se isso fosse sucesso de bilheteria e vendas de ingressos?
Leo Jaime – Tá todo mundo tentando se virar. E tem muita gente fazendo coisa boa. Mas todo mundo é mais ou menos.
Elenilson – Fico muito tentado em lhe perguntar se acha que o rock atual tem pouca coisa a dizer sobre este momento político deprimente que estamos vivendo. O que você acha da produção de hoje que se resumi às panelinhas dos editais e indicações?
Leo Jaime – Acho que a censura econômica é ainda mais cruel do que a política.
Elenilson – Como você identifica um artista bacana num momento em que projetos de anônimos estão sendo abandonados por serem considerados ineficientes demais em detrimento de artistas fabricados no modelo The Voice?
Leo Jaime – São poucos os programas na TV a contemplar a música. Deveríamos ter mais.
Elenilson – Como você encara o assédio dos fãs?
Leo Jaime – Se é assédio é chato. Mas a aproximação dos fãs eu adoro. E comigo quase sempre é assim. Mas gente grossa existe, e temos que ter paciência. Mas, como disse, meu público é muito gentil e simpático.
Elenilson – Para mim, ser reconhecido como escritor ainda é uma coisa difícil, principalmente num país avesso aos livros. E, para você, o que seria mais difícil como artista/roqueiro padrão exportação de verdade?
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Leo Jaime – A gente escreve porque não pode evitar. Melhor pensar nisto como um modo de ser do que como profissão. Eu gostaria de trabalhar rodando o mundo.
Elenilson – Para o Estado é sempre mais fácil, mais cômodo, mais limpinho, alienar, deseducar, matar ou deixar morrer os miseráveis que enfrentar ano após ano os graves problemas sociais que temos. Como você encara essas coisas?
Leo Jaime – Estou em um momento em acredito que as lutas dignas das minorias, pelas quais sempre lutei, podem ceder o protagonismo para questões como saneamento básico, educação fundamental de boa qualidade, creches e atendimento hospitalar para todos. Até porque estes temas atendem a todos.
Elenilson – A pergunta anterior foi feita porque eu não vejo nenhum posicionamento da classe artística, aliás, muitos querem aparentar um talento que não têm. Pior do que artistas que jamais serão são os jornalistas que se acham mais estrelas do que as próprias estrelas. Sei de colegas seus que matam e morrem para aparecerem em uma trama global, nem que seja como parte da cenografia. Como foi sua experiência em produções da Globo? Você recebeu apoio dos seus colegas do rock ou teve algum fura olho? P.S. Quero deixar claro aqui que achei a sua interpretação de D. João na novela “Novo Mundo” sensacional!
Leo Jaime – Eu sou convidado de vez em quando. Nunca pedi nada pra ninguém. Não recrimino quem pede mas não é meu estilo. E calha de eu só fazer coisas com as quais me identifico muito. Mas não é uma coisa muito continua. Mas tudo bem.
Elenilson – O que você teria feito da sua vida se não fosse um ator (amado) do rock?
Leo Jaime – Psicanalista, talvez. Na hora de escolher a faculdade oscilei entre o jornalista e a psicanálise. O humano e a linguagem seriam, de alguma forma, o foco.
Elenilson – O que de melhor já aconteceu? E o que ainda falta acontecer?
Leo Jaime – Falta acontecer muito. Só não sei o quê! E escrevi uma bela história pessoal, até aqui. Cheia de amor e risadas.
Elenilson – O disco “Direto do Meu Coração Pro Seu” (*amo a música título desse disco) está completando 30 anos de lançamento. Você não vai relança-lo numa edição especial?
Leo Jaime – Tenho pensado em fazer um show com o repertório dos primeiros discos. Os primeiros passos, os primeiros erros.