Literatura

Entrevista com o escritor Vinícius Grossos

Vinícius Grossos

Quando começo a escrever, não uso nem 50% de tudo o que eu havia planejado.” (V.G.)

Por Elenilson Nascimento

Infelizmente, no Brasil, a leitura ainda não é algo muito comum, justamente porque os brasileiros não possuem este hábito e a escola limita-se a programar os alunos para provas de vestibulares. Contudo, no meio desse caminho, alguns autores têm quebrado esse padrão, como no caso do jovem Vinícius Grossos. Segundo ele, a vocação para a escrita veio desde muito jovem. Saudosista, lembrou nessa entrevista que, aos sete anos de idade, ganhou dos pais um bloco de folhas, que usou para escrever algumas frases e fazer ilustrações – uma espécie livro infantil. E, aos quinze, reconheceu seu verdadeiro amor por contar histórias, ainda sem compreender de que o gosto pela escrita poderia se tornar uma profissão. Só com 17 anos que caiu a ficha de que eu era um péssimo desenhista, e que o que me agradava mesmo no processo era criar…”, afirmou.

Vinícius nasceu no Rio de Janeiro e quando pequeno, tinha o sonho de trabalhar em uma livraria apenas para poder ler tudo o que fosse possível. Já participou de várias antologias e concursos audiovisuais, sendo “Sereia Negra” seu primeiro livro publicado – uma obra que descreve universos tão distintos: mistura problemas reais com a fantasia, resaltando que tudo pode ter o poder de inspirá-lo – desde lugares, pessoas e até mesmo momentos de introspecção.

E Vinícius já colhe os frutos do lançamento desse livro. Para ele, é muito curioso e gratificante quando leitores de vários cantos do Brasil o procuram para contar como foram suas experiências com a história de Inês. Por fim, o autor e estudante de Jornalismo acredita que o jornalismo e literatura andam lado a lado; entende que por envolver leitura e escrita, o curso o cativou. Mas sua vontade é ser autor por profissão. “Escrever é algo essencial para mim, faz parte da minha vida. Meu maior sonho como escritor é viver de literatura no Brasil”. Atualmente mora em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde estuda Jornalismo na Universidade Federal UFJF.

Elenilson – Como você e a literatura se conheceram? Como, onde e por que tudo começou? Quando se descobriu escritor?

Vinícius Grossos – É engraçado falar disso porque minha mãe me conta que quando eu ainda estava em seu ventre, ela lia constantemente para mim. Inclusive achavam que ela era maluca! Então, assim, eu sempre estive em contato com a literatura desde antes de nascer. Mas desde bem pequeno eu sempre li muitos gibis, HQs, mangas, e conforme fui crescendo, com aproximadamente uns 10, 11 anos, conheci a Coleção Vaga-lume, que me ganhou completamente para a Literatura. Nesta fase, eu adorava criar histórias, mas em formato de HQ. Só com 17 anos que caiu a ficha de que eu era um péssimo desenhista, e que o que me agradava mesmo no processo era criar/imaginar os mundos que rondavam minha mente. Foi aí que realmente me ‘descobri’ escritor.

Vinícius Grossos

Elenilson – Como você vê o mercado editorial para os novos escritores brasileiros? Em sua opinião, é possível viver de literatura no Brasil?

Vinícius Grossos – O mercado editorial sempre foi muito fechado; isso não é novidade para ninguém. Mas eu acho que chegou um ponto em que a literatura nacional está tão forte, crescendo tanto, que ficou impossível virar as costas para nossos escritores nacionais. Acho que a tendência natural é cada vez mais escritores nacionais serem descobertos e, consequentemente, ganharem ainda mais espaço. Sim, é possível. Acho que há alguns exemplos de escritores comerciais e contemporâneos que têm conseguido viver de literatura. Logicamente é algo difícil, mas que hoje não é mais considerado impossível.

Elenilson – Até que ponto você é consciente da influência e da importância das imagens e experiências no seu processo criativo, quer dizer, você acredita que pensa visualmente mais do que verbalmente na hora de criar?

Vinícius Grossos – Acho que a linha entre o pensar visualmente e o verbalmente é bem tênue; quando crio, é como se essas duas forças trabalhassem em conjunto, de forma híbrida, dissociável.

Elenilson – Quais são algumas das influências que marcaram a sua obra “Sereia Negra”?

Vinícius Grossos – É difícil comentar isso, sinceramente… Porque eu nunca vi nenhum outro livro que aborde temas sociais, misturados com o gênero fantasia, da forma que acontece em ‘Sereia Negra’. Mas se for pra pensar em uma, eu diria Harry Potter. Não que tenha alguma inspiração específica de Harry Potter em minha obra, porém, o poder de criar um mundo novo e lúdico, e conseguir levar o leitor para este mundo, realmente é inspirador. E de nacional, eu diria as obras do Monteiro Lobato, por inserir a cultura brasileira em sua história de uma forma atrativa para o leitor.

Elenilson – Pensamento e percepção são categorias independentes no seu trabalho?

Vinícius Grossos – Elas são independentes, porém trabalham em conjunto no meu trabalho. O pensamento vem antes, e logo após ter criado algo, a percepção exerce seu trabalho. Acredito que para se criar um livro, essas duas forças precisam se completar de forma coerente, a fim de se chegar em um bom resultado final.

Elenilson – Qual o maior escritor nacional e por quê?

Vinícius Grossos – Sinceramente, prefiro não responder. Eu nunca poderia citar um escritor! Nunca. Há tantos que já estão batalhando há tanto tempo e têm seu espaço forte no mercado e na literatura nacional, como Paulo Coelho. Mas há uma galera contemporânea tão competente! Tão trabalhadora, guerreira, feliz do que faz, que pra mim, eles também são grandes escritores. Isso, logicamente, sem citar os nossos grandes mestres clássicos como Machado de Assis e Monteiro Lobato.

Elenilson – O que acha desse deslumbramento de certos “escritores” com relação à literatura?

Vinícius Grossos

Vinícius Grossos – Acho que quando há muita paixão por algo, o deslumbramento vem no pacote. Para mim, o deslumbramento não é um problema se você conseguir nutrir este sentimento, ao mesmo tempo mantendo os pés no chão, com humildade e respeito.

Elenilson – Você tem alguma rotina para escrever, alguma disciplina, algum um horário determinado ou escreve quando surge oportunidade?

Vinícius Grossos – Sim; sem rotina, nenhum livro é feito. Porém, é engraçado comentar isso porque dos três livros que já escrevi, é mágico como as histórias parecem criar certa personalidade. Para cada livro eu tinha um horário específico para escrever, e eu juro que quando eu tentava escrever em outro horário, o livro não fluía tão facilmente como no horário determinado, por assim dizer. Só pra servir como exemplo, eu só conseguia escrever Sereia Negra na parte da manhã. E os outros livros, um era escrito na parte da noite, e outro na madrugada.

Elenilson – As histórias “se escrevem” sozinhas ou você pensa na trama inteira, seguindo depois um esquema previamente traçado?

Vinícius Grossos – Com os meus livros acontecem os dois modos; eu previamente traço a história e tudo o que eu quero abordar em cada capítulo. Quando começo a escrever, não uso nem 50% de tudo o que eu havia planejado. Quando a história começa a fluir, respectivamente os personagens parecem impor suas vontades, seus anseios, seus medos sobre o livro, e eu deixo isso fluir. Os melhores acontecimentos e ideias dos meus livros aconteceram dessa forma – deixando o texto acontecer e os personagens ‘viverem’ através das páginas do livro.

Elenilson – Em uma época onde o povo brasileiro resolveu se “insurgir” e sair às ruas para reivindicar uma melhor qualidade de vida, encontrar colegas escritores (batalhando por espaço) nesse mundinho virtual, nos coloca a pensar sobre a questão da submissão popular. Um povo subordinado e que não questiona jamais as ordens recebidas de seu governo (ou de seu Cacique assistencialista) pode terminar tragicamente. Minha pergunta é: você acredita que pode haver felicidade real sem democracia?

Vinícius Grossos – Acho que isso acaba entrando, invariavelmente, em questões como subordinação à ideologias que nos são impostas. Infelizmente o pensar crítico não é estimulado na massa, e para adquirirmos essa prática do pensar, temos que correr atrás por nós mesmos – por assim dizer. Mas respondendo a pergunta, acho que sempre existirão dois lados de uma mesma moeda – o positivo, e o negativo. Porém levando pro lado pessoal, acho que sou mais realizado em um regime democrático.

Elenilson – Se houvesse, uma tribo citada em sua história, um índio revolucionário, um escritor de internet, um puta anarquista, um professor desempregado e/ou um padre vampiro que se recusasse a obedecer governos, você acredita que o final de sua história poderia ser feliz?

Vinícius Grossos

Vinícius Grossos – Sim, eu sou um sonhador incurável. Porém, logicamente, acredito que o ‘final feliz’ nunca viria sem perdas e sacrifícios.

Elenilson – A literatura é sua amiga ou sua inimiga?

Vinícius Grossos – Quando eu não posso exercê-la, seja pelas tarefas da faculdade, ou por algum possível bloqueio, a enxergo como uma inimiga – porque de forma sincera, ela realmente não me deixa em paz. Fica lá, sussurrando ao meu ouvido, me seduzindo até que eu me entregue à ela. Mas na maioria das vezes ela é minha amiga. Sem a literatura, provavelmente eu teria um grande buraco em mim.

Elenilson – De que maneira a internet atua na sua vida de escritor?

Vinícius Grossos – A internet me possibilita estreitar o contato com os meus leitores, e me ajuda muito na divulgação do livro. Vejo a internet como algo essencial na minha breve carreira.

Elenilson – Você é um escritor muito bonito, acha que isso pode influenciar nas vendas dos seus livros, visto que muitos editores também contratam autores pela aparência ou pela indicação?

Vinícius Grossos – Sinceramente, nunca soube de nenhum caso de escritor ser contratado pelos seus atributos físicos. Até porque, quando um editor recebe um original, o foco principal é a qualidade e o potencial de vendagem do produto-livro. No meu caso, isso nunca interferiu em nada. Muito pelo contrário. Algumas pessoas se espantam ao saber que eu já lancei um livro e quero seguir na carreira literária. Dizem que eu não tenho cara de escritor, porque já estão acostumados com aquele estereotipo de escritor mais velho, com uma aparência mais peculiar e desleixada, por assim dizer. Fico até feliz de quebrar esses padrões.

Elenilson – Qual foi a maior dificuldade na produção do seu livro “Sereia Negra”?

Vinícius Grossos – Conseguir inserir os temas sociais que estão no livro sem soar como uma ‘lição de moral’. Eu não gosto de livros que façam isso. Por isso, em Sereia Negra, eu apresento vários lados de uma mesma moeda, e o leitor pode tirar suas próprias conclusões.

Elenilson – O que mais lhe agrada na vida como escritor?

Vinícius Grossos – Poder exorcizar muitas coisas que me afligem, me machucam, me angustiam. E saber que esse ‘desabafo’ consegue se conectar com outras pessoas.

Elenilson – Você seria capaz de anotar um trecho para um livro e guardar durante anos, esperar?

Vinícius Grossos – Não só capaz, como tenho um caderninho com vários trechos. Acho que eles estão lá, só esperando a história certa chegar para se encaixarem.

Elenilson – O que ainda podemos esperar do senhor Grossos?

Vinícius Grossos – Sem petulância e arrogância nenhuma, mais livros e histórias que apresentem um sentimento mais profundo e verdadeiro do que meramente historias comerciais.

Elenilson -Você vai mandar um livro autografado pra mim?

Vinícius Grossos – (risos) Sim, eu posso te mandar!

Elenilson – Deixa uma mensagem para quem quer se aventurar na produção literária…

Vinícius Grossos – A primeira palavra é ‘persistência’. Se você é do tipo que desiste fácil das coisas, que não consegue ouvir repetidas vezes ‘não’, e fica triste com isso, ok, vai lá e procure outra profissão. Mas se você realmente sente que o seu texto pode se conectar com alguém, e que você precisa disso para se satisfazer, para ser feliz, vá em frente. Vai e não olhe para trás e saiba ouvir críticas, saiba respeitar opiniões diversas, mas nunca desiste de você mesmo.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina

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