Eduardo Scott
“Viver de passado é não estar no presente. (…) E agora que não sou mais da banda, estou preparando minha carreira solo com os mesmos músicos que estavam comigo no Camisa…” (E.S.)
Por Elenilson Nascimento
Eduardo Scott, 54 anos de idade, virginiano, divorciado, formado em Jornalismo, surfista, um dos poucos músicos educados de Salvador e, agora, ex-Camisa de Vênus. Em dezembro de 2009, quando três membros originais do Camisa se juntaram ao vocalista Scott (ex-Gonorreia) e anunciaram que estavam reativando o grupo – sem o fundador Marcelo Nova – muita gente não levou fé. Mas, depois de muitos shows pelo Brasil e uma baixa (o baixista Robério Santana, que saiu), o reformado Camisa lançou, com um show antológico no Parque da Cidade, em Salvador (BA), o CD “Mais Vivo do Que Nunca”, com repertório clássico da banda.
Mas essa entrevista poderia ser uma celebração, contudo não seria correto, já que o tempo fechou entre Nova e os membros remanescentes do grupo. O compositor de “Carpinteiro do universo”, “Coração sequestrado”, “Eu não matei Joana D’Arc” e parceiro de Raul Seixas, residente em São Paulo há quase 30 anos, entrou com uma ordem judicial impedindo o grupo, reformado desde 2009 com Scott nos vocais, de gravar um álbum de estúdio com canções inéditas e de fazer shows com a marca Camisa de Vênus.
Dessa forma, o Camisa é mais uma banda que entra para o nada honroso time dos artistas que brigam na Justiça pelo uso – ou impedimento do uso – do nome artístico. Legião Urbana, Garotos Podres, Charlie Brown e vários outros no rock nacional passaram por problemas semelhantes. Mas a questão no caso do Camisa é que, recentemente, Nova e o Robério Santana anunciaram a volta do grupo para uma turnê comemorativa de 35 anos, com shows que contarão com o guitarrista Drake Nova (filho do papai Nova?), sem nenhum tipo de comunicado ao restante da banda.
Por outro lado, o guitarrista Gustavo Mullem considera esse retorno do Camisa uma atitude “bem ridícula” para “caçar níqueis”. “Mostra que a carreira de Marcelo Nova está falida e que esse é um show mercenário”, disse ele. Mullen afirma que não deseja voltar para o Camisa “para ganhar como músico de bar” e provoca os ex-colegas ao dizer que Nova e Robério são músicos “medianos”. E para Scott, que dedicou toda sua vida a música, seja cantando em outras bandas de rock ou trabalhando nos seus bastidores como assessor de grandes artistas – como Ivete Sangalo – ou em gravadoras, Nova nem se deu ao trabalho de comunicar, pois “a arrogância não permite”.
Eduardo Scott
E como estamos vendo, a geração subversiva do rock, aquela geração de contestação, de quebra de tabus, que nos deu o mais belo paradigma de liberdade livre e libertária – Maio de 68 – morreu, passou, envelheceu, foi absorvida pelo S(h)i(t)stema ou anda dando o rabo aos empresários sedentos por engordar suas contas bancárias com qualquer coisa que possa ser vendida. E essa aura revolucionária não existe mais, pois migrou para outros campos, gêneros (sertanejo universitário?), artes de botecos, linguagens pobres nos domingos no Faustão. O rock virou piada feita com os seus ídolos decadentes e morrendo de tanto cheirar (*menos o Iggy Pop, que ainda não morreu!), um pastiche de si próprio, um boneco de cera no museu (salvo algumas pequenas exceções, que no mundo atual são praticamente impossibilitados – por várias questões – de voltar a tocar fogo no âmago juvenil e reunir as tribos novamente).
E essa juventude asneada de hoje? Sem comentários! Essa atitude rasa do Nova é mais uma prova dessa sociedade medíocre que estamos vivendo. Dessa terrinha fedorenta da Baía de Todos os Santos onde a grande maioria dos “artistas” é um bando de bajuladores que vive de passado. Cadê os artistas que destroem guitarras, que tocam fogo nos palcos, que cospem na paralisia endêmica do público? Acho que a última foi Cássia Eller. E atitudes que hoje são consideradas pura grosseria são desqualificadas, taxadas, etc. por essa família brasileira que condena um despretensioso beijo gay entre duas senhoras numa novela, mas que acha normal o personagem de um empresário “comendo” menores de idade em outra trama global. E só para lembrar: na lista das 100 músicas mais tocadas em 2014, o rock ‘n’ roll foi representado apenas pelo Skank, na 93ª posição; enquanto veteranos, novatos e figurões da indústria levantam suas teorias inúteis sobre esse fenômeno.
No entanto, as tarefas para a subversão e a expansão vão se dar em outras vias e registros. Quanto ao velho rock’n’roll, só os transgêneros, os putos, os pessimistas, os anarquistas, os inconformados, as mulheres que não se vendem por pouco e outros excluídos poderão – talvez, talvez, tentando ser “otimista” – reciclar e absorver em novos moldes e padrões. Afinal, o “rock” foi saqueado da cultura negra pelos brancos de classe média. Mas, isso é também um longo debate! Se existe “utopia” possível, não é no rock como o compreendemos, ao menos. Talvez nem exista mais chances para o cadáver já cheio de membros artificiais que virou. No entanto, não podemos falar o mesmo em termos fashionistas (e parece que isso é o que tem perpetuado, de maneira indireta, o sorvedouro da tal cultura…). Vida longa para o Eduardo Scott. Vida longa para os roqueiros de caráter! E se existe algum “futuro pro rock’n’roll” este está nas mãos das mulheres. Vida longa a Rita Lee! Vida longa a Pitty!
Elenilson – Lá nos anos 80 quando o Camisa de Vênus surgiu você já era o vocalista do Gonorreia. A sua visão do cenário musical dessa época na Bahia e no Brasil mudou muito?
Eduardo Scott – Sim, por incrível que pareça era mais bacana, mais verdadeiro e muito mais contestador que hoje…
Elenilson – E como surgiu o Gonorreia nesse contexto?
Eduardo Scott – Exatamente por isso. Quando surgiu o Camisa e o nome era quase um palavrão, coloquei um nome pior de uma doença veneria (risos)
Elenilson – Porque o Gonorreia teve uma vida curta, apenas 13 meses de vida?
Eduardo Scott – Exato. E nesses 13 meses foi um rebucetê da porra na Bahia, mas a porra da penicilina nos fudeu… (risos)
Elenilson – Você trabalhou nove anos como assessor de imprensa de Ivete Sangalo, como foi essa experiência?
Eduardo Scott com os companheiros de banda
Eduardo Scott – Foi muito bom. Pois além de músico sou jornalista e nesses anos me tornei um profissional com ampla visão internacional. Aprendi muito do que sei em turnês por 18 países que trabalhei.
Elenilson – Como surgiu o convite para ser o novo vocalista do Camisa de Vênus?
Eduardo Scott – Aconteceu uma festa no Groove Bar, na Barra, festejando o rock baiano dos anos 80. Fiz minha participação cantando músicas do Gonorreia. Estavam também nessa festa Karl, Gustavo e Robério e quando ele viu a receptividade do público comigo me convidou para fazer uma turnê de 30 anos do Camisa já que Nova não queria mais.
Elenilson – Como foi a repercussão de sua chegada na banda e como você encarou as comparações?
Eduardo Scott – Normal como qualquer outra quando alguém entra no lugar de outro vocalista de uma banda famosa. Uns gostam, outros não e outros se amaram pois nunca tinham visto o Camisa em shows e tinham ali a oportunidade de se divertir de novo com o grupo. No show do dia 01 de maio de 2011, que tocamos no Parque da Cidade para mais de 5 mil pessoas, havia público de 06 a 60 anos, comprovamos que estava estabelecido que uma nova fase da banda havia sido aceita.
Elenilson – Rolou muito preconceito em Salvador, principalmente com esses artistas rasos da terrinha do acarajé com cocô?
Eduardo Scott – Sinceramente não, ao contrário. Na mídia em geral, fora os artistas que não gostavam da arrogância do Nova, abraçaram a nova formação e deram a maior força.
Elenilson – Agora, o que você achou da atitude do Marcelo Nova querer reunir o Camisa para uma turnê de 35 anos do grupo e ainda ter dito no G1 que agora eles ‘vão colocar o Camisa na prateleira de cima’? Geladeira vazia ou ganância mesmo?
Eduardo Scott – Como falei antes, a arrogância prejudica sempre ele. Ninguém é insubstituível. A história prova isso. Essa conversa de “prateleira vazia” está sendo contraditória ao público que tem comparecido aos shows. Segundo fontes oficiais, bem abaixo do esperado e sem dúvida está sendo apenas para ganhar dinheiro…
Elenilson – O que o Gustavo Mullen e Karl Hummel (guitarristas originais do Camisa), que estiveram com você nos últimos anos frente ao grupo, acharam dessa história?
Eduardo Scott com Robert Plant, em Londres
Eduardo Scott – Ficaram estarrecidos com o mal caratismo desta turnê sem eles…
Elenilson – Marcelo Nova ao menos chamou você para uma reunião?
Eduardo Scott – Não. Volto a falar: a arrogância não permite (risos).
Elenilson – Você declarou também no G1 que a sua banda iria se reunir com um advogado. O que ficou decidido? Houve quebra de contrato? Vai processar o cara por danos morais?
Eduardo Scott – Karl e Gustavo que podiam brigar pela marca não quiseram… prefiram se abster dessa ação…
Elenilson – Você acha que foi mal caratismo e falta de respeito do Marcelo Nova com relação ao seu trabalho?
Eduardo Scott – Com certeza, pois há cinco anos quem colocou a marca de volta a mídia e aos palcos para hoje ele estar em turnê fomos nós.
Elenilson – Você em algum momento se sentiu jogado para escanteio pelo resto da banda que lhe acompanhou esse tempo?
Eduardo Scott – Não, tanto que estamos juntos fora do Camisa.
Elenilson – Você acha mesmo que um artista como você precisa ficar a frente de uma banda que já foi muito boa, poderia ter tido todo o apoio do mundo para continuar crescendo, mas que prefere viver de passado?
Eduardo Scott – Entenda. Viver de passado é não estar no presente. Se mesmo 35 anos depois as pessoas saem de casa, pagam ingresso para te ver, não é passado é presente. E agora que não sou mais da banda, estou preparando minha carreira solo com os mesmos músicos que estavam comigo no Camisa e ainda a inclusão do excelente guitarrista que gravou o CD do Gonorreia comigo em 2007, Jô Estrada.
Elenilson – A mediocridade na música atual e a pequenez criativa dos artistas estão ligadas ao contexto e ao tipo de púlpito que vivemos hoje?
Eduardo Scott
Eduardo Scott – Rapaz, quando ouço funk, arrocha e pagode nas rádios, entendo que o apocalipse esta próximo (risos).
Elenilson – No Brasil, principalmente em Salvador, ser bom incomoda mais do que ter dinheiro. Comenta.
Eduardo Scott – Com certeza, aqui na nossa terrinha onde grandes empresários acham que por terem dinheiro vão montar uma banda e ficar mais ricos, se você tem talento e não precisa deles para entrar para o mainstreen, eles não gostam pois não ter a parte deles na fatia (risos).
Elenilson – Eu sou autor independente, tenho uma mente paranóica. Não acompanho tudo que é escrito sobre mim, pois não dou tanta importância. Mas já vi muita gente pedir minha caveira nas redes sociais e outras pessoas darem ‘curtir’ só porque eu digo em alto e bom som que detesto esse governo medíocre do PT. Gente que se dizia meu amigo, e muitos cus mal amados. É uma raiva de muito tempo, de gente que teve de me aturar. Recentemente um projeto de sociólogo fofoqueiro tentou me ridicularizar no Faceboca porque eu disse que não concordava com ele, enquanto a grande maioria estava lá batendo palmas. Nunca fui o mais querido em lugar algum, nem dentro de casa, mas sempre fui uma pessoa difícil de lidar, e dentro de uma cartilha tropical dos lambe cus eu posso ser considerado um cara arrogante. Sou um cara que conhece das coisas e arrota que conhece. Eu sou bom no que faço, sei que sou. E isso deixa as pessoas pensando que sou um nojo. Como você lida com essa gente que não sabe pra que veio e gasta um tempão vasculhando sua vida?
Eduardo Scott – Cago para elas. Eu também quando não gosto de uma coisa digo “não gosto” e foda-se se fulano de tal disse que é bom.
Elenilson – Recentemente o Ed Motta afirmou que prefere o cantor Belo a Radiohead, segundo ele: ‘Pagode salva a música brasileira da mediocridade’. O que você pensa de afirmativas como essa?
Eduardo Scott – Ed Mota é um “cuzão “, literalmente (risos).
Elenilson – Você concorda que a mediocridade no Brasil foi alçada ao patamar de genialidade?
Eduardo Scott – Se genialidade é ser unanimidade, sou obrigado a repetir Caetano: “Toda unanimidade é burra” (risos).
Elenilson – Cite um medíocre genial…
Eduardo Scott – E ainda precisa? (risos)
Elenilson – Você pensa em retornar com o Gonorreia?
Eduardo Scott com o cantor baiano Márcio Mello
Eduardo Scott – Não. Em minha carreira solo vão ter três músicas do Gonorreia num repertório de inéditas, sucessos do rock internacional e nacional e quem sabe até alguma do Camisa.
Elenilson – O que esse público jovem de hoje (envenenado com sertanejos e afins) pode esperar do seu som nessa nova etapa?
Eduardo Scott – Vão se divertir, refletir e cuspir nesses que você perguntou (risos).
Elenilson – A decadência artística é apenas o retrato da decadência da sociedade?
Eduardo Scott – É um reflexo do que estamos vivendo. Com o advento da internet, das redes sociais, do Youtube, etc., qualquer um agora se acha artista por ter alcançado um caralhão de views e isso fudeu a classe artística.
Elenilson – Se tudo é arte, nada é arte. Se qualquer porcaria vira gênio na arte pósmoderna, é porque deixamos de julgar com mais rigor, mérito e critérios minimamente objetivos os valores estéticos e morais. Você é um exemplo de como a vida artística funciona: nada de amizades nesse meio. Concorda?
Eduardo Scott – Podemos até ter amigos no meio, mas com um olho aberto e o outro arregalhado (risos).
Elenilson – O que ainda vamos esperar do Eduardo Scott?
Eduardo Scott – Muita atitude e músicas novas para a rapaziada jovem refletir e mudar o cenário pop brasileiro.
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina