Duda Woyda
Realmente, nesses tempos de burrice e intolerância só mesmo o teatro como parte indispensável na formação cultural e educacional desse povo. E abrem-se as cortinas e à frente de uma grande placa circular negra estão dois personagens que, numa técnica apurada, apresentam a introdução do espetáculo O Diário de Genet em gestos que os deixam bastantes semelhantes às máscaras gregas do teatro antigo.
E comédia e tragédia se fundem em num texto e direção de Djalma Thürler, num mergulho (*quase como um tapa na cara da hipocrisia) no pensamento político do escritor francês Jean Genet e um avanço na compreensão da ideia de cárcere. E a entrevista de hoje é justamente com um dos excelentes atores dessa peça: Duda Woyda.
Woyda é ator com experiências nos estados do Paraná e Rio de Janeiro, já integrou o Núcleo de Atores Dançarinos (RJ), e integra atualmente, em Salvador, a Ateliê Voador Companhia de Teatro, do diretor e pesquisador Djalma Thürler, além de ser mestrando em Cultura e Sociedade da UFBA e aluno regular da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Nessa entrevista exclusiva, o ator fala da perspectiva de estreia em Salvador de O Diário de Genet, além de debater um pouquinho sobre preconceitos, cultura e reflete sobre o fazer teatro.
Elenilson Nascimento – Woyda vem de Guerra nas Estrelas?
Duda Woyda – Não, o personagem do filme era Yoda, Woyda é o sobrenome do meu avô paterno que veio da Hungria antes da 2ª Guerra.
EN – Imagino que não seja tarefa fácil destacar todos os pontos importantes da trajetória do Duda Woyda. Mas como podemos fazer um levantamento de “todo” o histórico da carreira do ator?
DW – As coisas têm sido corridas nos últimos anos, mas em resumo sou ator, produtor e dançarino. Divido meu tempo entre a agenda apertada da ATeliê voadOR Companhia de Teatro e a escrita da dissertação de mestrado, na UFBA, onde pesquiso questões relacionadas ao teatro físico e a sua relação entre dramaturgia corporal, gênero e teatralidade. Antes de chegar a Salvador passei por experiências nos estados do Paraná e Rio de Janeiro. Pela ATeliê voadOR fui indicado ao Prêmio Braskem de Teatro da Bahia (2010) na categoria de Melhor Ator, pelo espetáculo “O Melhor do Homem”; rodo o país com “Salmo 91”, que terá estreia internacional em julho no XXVIII Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami (EUA); atuo e canto ao lado de Valerie O’Harah no espetáculo de rua A Alma Encantadora do Beco, que abre o III Enlaçando Sexualidades, em Salvador, no dia 15 de maio, e atualmente, vou voando com meu companheiro de cena, Rafael Medrado, em “O Diário de Genet”, espetáculo que teve estreia nacional na Mostra Oficial do Festival de Teatro de Curitiba (2013) e que fica em cartaz, em Salvador, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves até dia 02 de junho. Depois da temporada baiana, “Genet…” vai para o Rio Grande do Sul, no VI Festival de Teatro Independente de Santa Maria.
Duda Woyda
EN – Como separar o ator do homem comum e cheio de responsabilidades?
DW – Na verdade tento não separar e sim unir as coisas, faço do meu trabalho minha vida, assim como minha pesquisa de mestrado o meu trabalho/teatro. Nas horas vagas, que são poucas, encontro os amigos e família para comer e beber.
EN – Qual a sua expectativa de estrear em Salvador uma peça tão polêmica numa época de intolerâncias por todos os lados?
DW – Era imperativo que falássemos sobre isso, sempre foi nossa preocupação aproximar o palco das discussões sociais, das polêmicas e que bom que aconteceu agora, nessa fase de “(in) felicianos” e “joelmas” (com letras minúsculas). “O Diário de Genet” chega para mostrar o quanto somos iguais mesmos nas diferenças, e que isso não nos impede de sermos mais ou menos felizes.
EN – O Diário de Genet é um mergulho (*a força) no pensamento político do escritor francês Jean Genet e um avanço na compreensão da ideia de cárcere e solidão. Qual a diferença dessa obra para a igualmente excelente Bent, do dramaturgo norte-americano Martin Sherman?
DW – Diria que há mais semelhanças que diferenças, mas como perguntou sobre as segundas, a maior diferença está no espaço que os “condenados” ocupam que, em “Bent”, é um espaço físico, espécie de exílio que é o destino das personagens desviantes. Em O Diário de Genet, diferentemente, há um avanço na ideia de prisão como algo concreto, restrito apenas ao encarcerados e isso nos mostrou que há outros tipos de aprisionamentos, como os culturais e os sociais, os empoderamentos de uns sobre os outros. Mostramos falas de Jean Genet, textos dele, mas também trazemos para cena outros grandes pensadores que criticam essas políticas do corpo e das identidades, como Javier Sáez, Sejo Carrascosa e Judith Butler.
EN – Se na Alemanha nazista, de Bent, num período que antecedeu a guerra, ser gay é motivo suficiente para ser enviado para o campo de concentração, o que esperar de O Diário de Genet numa época de Felicianos?
DW – A peça é uma voz dissonante, é exatamente uma resposta contundente sobre os rumos que os Direitos Humanos vem tomando no Brasil nos últimos tempos. “O Diário de Genet” é atual por isso, como se fosse uma leitura de seu tempo.
Duda Woyda
EN – Espetáculo já com estreia marcada para os próximos dias, óbvio, a equipe envolvida cumpriu todo esse processo. Mas, especificamente, como fica os nervos com uma proposta tão delicada do espetáculo?
DW – Sempre há nervos à flor da pele, acho que se fosse diferente perderíamos a magia, mas a despeito disso, estamos tranquilos e seguros sobre tudo o que vamos fazer. Além de já termos mostrado para 2000 pessoas em Curitiba, temas como os que falamos em “O Diário de Genet” são temas que gosto de falar e estudar.
EN – Em uma das muitas matérias sobre O Diário de Genet, está escrito que você e o Rafael Medrado fazem um dueto que positiva o sujeito com práticas abjetas, desloca o centro como o lugar privilegiado e desejado e destaca a marginalidade como estratégia identitária e política. O que significa exatamente isso?
DW – Significa que vamos embaralhar o que comumente as pessoas estabelecem como norma, como correto. Vamos desconstruir valores que a burguesia branca e heterossexual construiu ao longo da história no Ocidente. Vamos ajudar que enxerguem a margem com olhos menos racistas, homofóbicos e sexistas.
EN – Como o público tem recebido e decodificado a temática da peça?
DW – A peça choca pela coragem que tem em falar sobre assuntos tão graves de forma tão contundente. Nosso esforço, nosso suor, nossos corpos que estão ali para questionar a heterossexualidade compulsória está sendo muito bem recebida pelo público.
EN – A peça pretende ter um tom de espetáculo com merchandising social?
DW – É uma bobagem confundir merchandising com política. O que fazemos é Política.
EN – Foi difícil compor um personagem tão complicado e com uma carga dramática tão forte?
DW – Foi a experiência mais difícil da minha carreira, porque não há personagens nessa peça e, em todas as peças que eu fiz anteriormente, havia uma composição linear, aristotélica, realista. Então foi novo aprendizado, na verdade não representamos, mas apresentamos.
Duda Woyda
EN – Houve ao longo do processo, algum impasse, cenas reescritas, cortes, acréscimos, por orientação do diretor, ou mesmo por interferências externas e/ou medo dos atuais discursos chatos politicamente corretos em prol da família e dos bons costumes?
DW – Jamais, nunca. A ideia era trazer tudo isso para cena e não retirar, impedir. Se a questão é debater sobre o tema, por que esconder os fatos?
EN – Você já sentiu alguma manifestação de homofobia em alguma apresentação de O Diário de Genet?
DW – Não. E confesso que esperávamos que algumas pessoas deixassem o teatro, mas por enquanto ninguém se retirou.
EN – Você acha que os homossexuais afetados estão mais vulneráveis a violência homofóbica?
DW – Sim, isso é fato, é estatística, quanto mais dissonante, quanto mais fora das normas, maior é o grau de punição e rejeição.
EN – Você é um ator muito bonito, isso atrapalha ou ajuda na hora de abrir as portas?
DW – Sinceramente isso nem passa pela minha cabeça, mas se puder abrir as portas eu vou entrar.
EN – O assédio te constrange?
DW – Não, não constrange, acho que é espécie de reconhecimento pelo trabalho e faz parte dessa profissão que eu amo tanto.
EN – Você já foi contemplado com o Prêmio Funarte Artes na Rua (Circo, Dança e Teatro) /2011, para a montagem do espetáculo A Alma Encantadora do Beco, com texto e direção de Djalma Thürler. De que forma esses prêmios são realmente importantes na vida de um artista, visto que o Prêmio Braskem, por exemplo, não passa uma gota de credibilidade?
DW – Além de reconhecerem que temos idéias boas, os Prêmios são sempre muito bem-vindos porque nos fazem trabalhar, afinal, dependemos dos editais estaduais e federais. Sobre o Prêmio Braskem não acho que seja só “uma gota de credibilidade”, porque a comissão, muitas vezes, nem tem credibilidade, não são realizadores, não são artistas. Acho mesmo que a grande importância é a festa, a confraternização da classe, de todos que produziram durante um ano.
EN – Para um ator de formação, vocação, ainda que difícil interpretar um personagem real ou da ficção, é sempre prazeroso e só enriquece a sua carreira artística. Você que nunca teve contato pessoal com o autor original da peça, como encontrou o tom, a postura, enfim, as características adequadas para compor o personagem?
DW – Construção de personagem é muito de cada um. Em grande parte dos textos o autor já dá pistas de como o personagem é ou foi (será), tanto física quanto psicológica, e com o desenvolvimento da montagem eles vão “criando vidas”, mostrando suas facetas e maneirismos próprios. Mesmo em “Salmo 91”, em que Dib foi nos assistir, ele não interferiu em nada, é muito pessoal. Muitas vezes lemos coisas relacionadas, discutimos juntos (direção/ator), até chegarmos ao produto final, e isso pode ou não demorar. Depois é só colher os frutos.
EN – Recentemente, a apresentadora Marília Gabriela entrevistou o pastor Silas Malafaia, ficando bastante irritada com o posicionamento dele sobre a comunidade LGBT. Como você tem visto o posicionamento e crescimentos de igrejas e cidadãos como Silas e o deputado Feliciano?
DW – Vejo com desconfiança e sobressaltado. É impressionante o espaço que vem tomando na política, por isso é importante nossa participação, seja no palco, nas passeatas, nos jornais, na televisão. Negros, gays, mulheres, macumbeiros e todos, todos que lutam por direitos humanos são protagonistas dessa luta.
EN – Rir, chorar, sensibilizar-se. O que o público pode esperar do espetáculo?
DW – Tudo. Ele vai rir, chorar, sensibilizar-se, questionar-se, questionar o outro, questionar o Brasil. Basta entrar no teatro e se entregar ao que é apresentado.
EN – Woyda, desejo excelentes apresentações. E espero que um dia você ainda represente um dos personagens de um livro meu. Agradeço pela atenção! Manda recado para seus fãs…
DW – Que ótimo. Foi massa. Eu que quero muito agradecer ao carinho e atenção. Deixo um beijo para todos e venham ver O Diário de Genet na SALA DO CORO DO TEATRO CASTRO ALVES, sempre sábados e domingos, às 20h, com ingressos à R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.