Gabi Buarque em Manaus – Foto de José Roberto Pinheiro
Na conversa, assuntos como o mais novo trabalho da cantora, o ótimo Fiandeira, e a sua relação com a música de Chico Buarque
Se você é daqueles que julga um cantor pelas suas referências, então certamente irá se apaixonar pela carioca Gabi Buarque. Ela, nascida e criada no Rio de Janeiro, carrega em sua bagagem de influências nomes como Clarice Lispector, Chico Buarque, Fernando Pessoa e Manoel de Barros. E ela não os guarda para si, fazendo questão de sempre compartilhar com o seu público, seja através de canções mostradas em shows, seja através de espetáculos conceituais, como o que fez unindo a poesia de Fernando Pessoa com as músicas de Chico Buarque.
Gabi lançou em 2014 seu segundo trabalho, chamado de Fiandeira, que pode ser ouvido e baixado em seu site oficial www.gabibuarque.com.br. O álbum, uma pérola para quem gosta da boa música popular brasileira, foi produzido através do sistema de financiamento coletivo (catarse), cada vez mais comum na cena alternativa do Brasil.
Neste bate papo bem bacana, ela conversa sobre o projeto Fiandeira (álbum e shows), conversa também sobre suas influências, projetos passados e perspectivas para o futuro, como seguir adiante com a turnê de divulgação do novo álbum.
E para os leitores do Rio, uma dica: tem apresentação dela no próximo dia 24 de janeiro. Mais informações aqui.
Fiquem com os melhores momentos desta ótima entrevista.
Luis Fernando Pereira – Queria começar falando de seu trabalho mais recente, Fiandeira, que foi produzido através de financiamento coletivo. O que achou da experiência?
Gabi Buarque – A campanha de financiamento coletivo foi um grande desafio que topei fazer graças ao desejo de gravar o segundo cd e à falta de grana pra isso. Tinha a meu favor um parceiro super competente e grande arranjador, Luis Barcelos, sem ele não teria terminado o processo tão rapidamente e com tanta beleza. Além disso, a força de amigos e fãs contribuiu muito pra que conseguisse.
Mas é importante frisar que o resultado da campanha foi fruto de muito trabalho durante todos os dias, sem exceção, dos dois meses de projeto: criar recompensas, vídeos, fotos, conteúdo, compartilhar, mandar mensagens inbox, postar em todos os canais de mídia e isso tudo sem virar uma chata! rs
LF – Acredita que será cada vez mais comum utilizar ferramentas como o Catarse, principalmente na cena independente?
GB – Não tenho dúvida disso. O financiamento coletivo é uma forma muito interessante de iniciar um projeto independente, porque o produto já ‘nasce’ com uma rede de interessados. Saber manter essa rede de pessoas conectadas após a campanha também é a jogada.
LF – Fiandeira tem 10 faixas e participações bem bacanas da Socorro Lira, Marcos Sacramento e de Jaques Morelenbaum, além da co-produção do Luis Barcelos. Conta um pouco do processo até chegar nestes nomes.
Gabi Buarque em Belém – Foto de Sergio Malcher
GB – Desde o início eu sabia que queria trabalhar com o Luis Barcelos (Luisinho) por admirar e confiar muito na sua sensibilidade, era um desejo antigo, unir os dois trabalhos.
O nome Fiandeira veio através da canção em parceria com Iara Ferreira (Sá Dona Fiandeira), era o que faltava para o arremate final, e todo o restante se encaixou. Decidi que seria um cd todo autoral e, dessa forma, incluí a parceria mais recente com Socorro Lira, porque amei o resultado e achava que essa delicadeza combinariabem com o clima do cd. O Marcos Sacramento é um querido que sempre topa as minhas paradas (risos), participou do show de lançamento do meu primeiro cd e sou fã demais dele. “Finta” não é uma canção simples, mas sendo samba e suingado, não poderia ter feito melhor escolha!
Quanto ao Jaques Morelenbaum, eu estava à procura de um cellista nas redes sociais e ele, que já havia contribuído pra campanha de financiamento, se ofereceu: “vc quer indicação de cellista? Eu me indico!” Aaah… é claro que fiquei toda prosa! Ele foi muito generoso em se oferecer, me senti presenteada com sua participação.
LF – Você está viajando o país com a turnê do álbum, e no show, além das tuas canções, tem também músicas dos Chicos (Buarque e César). Como foi que eles entraram – no show e em sua vida?
GB – As duas canções (Roda Viva e Beradêro) eu já cantava anteriormente. Para o roteiro e diante do tema fiandeira, elas contribuíam com conexões interessantes, na minha opinião.
O Buarque, desde que nasci me acompanha. Eu brinco que é uma sina essa pergunta: “vc é parente do Chico?” E eu costumo responder que sou da família Buarque, mas o parentesco é distante: ele ainda não me conhece. rs Resolvi incluir no show, também como uma referência ao projeto Gabi Buarque canta Chico, versos Pessoa e ao bloco Mulheres de Chico que integrei por 3 anos.
Escolhi o Chico César porque adoro essa música, gosto dos seus recortes, imagens, conexões e ela faz parte do espetáculo Música para Manoel. Pronto, mais uma referência.
LF – De sua relação com a música de Chico Buarque nasceu inclusive o projeto Gabi Buarque canta Chico, versos Pessoa. Como foi que surgiu a ideia de unir a poesia do Pessoa com a música do Chico?
Gabi Buarque em Belém – Foto de Sergio Malcher
GB – Este projeto surgiu através de uma pauta de poesia no SESI de Jacarepaguá. O Arthur, que hoje é um amigo querido, era produtor e me sugeriu um show de música e poesia. Pensei no Chico Buarque porque já cantava suas músicas e depois, num poeta que estivesse em domínio público: Fernando Pessoa. Mal sabia eu quantas semelhanças encontraria nessa união! Ambos são múltiplos, como todos os geminianos (me incluo aí!). O Chico e suas personalidades: malandro, feminino, cronista, político; O Pessoa e seus heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, etc.
Elaborar o roteiro foi delicioso, um poema lembrava uma música e vice-versa. É um espetáculoque agrada muito o público e que eu amo fazer.
LF – Mais ou menos nesta época nasceu o espetáculo Música para Manoel. Pelo pouco que vi, posso presumir que foi uma experiência inesquecível para você, não?
Foi sim. Como é inesquecível a obra de Manoel de Barros. O Música para Manoel foi um projeto pensado em parceria com a Carla Vergara (dizedora de poesias). Nessa época eu já era apaixonada pelo manoelês e, juntas, fizemos o roteiro com canções de vários artistas: Arnaldo Antunes, Gil, Caetano, Chico César… Além disso, o espetáculo conta com um violonista e uma dançarina, novamente as artes integradas.
LF – Existe algum registro oficial de algum destes dois projetos? Alguma chance de algum dia serem lançados em DVD?
GB – Tenho poucos registros e todos estão no YouTube. Seria um sonho gravar em DVD, mas pra isso precisaríamos de um apoio cultural, patrocínio… enfim, voltamos ao financiamento coletivo rsrs
LF – Queria saber mais sobre as suas referências culturais… além dos Chicos, do Fernando Pessoa, do Manoel de Barros… vi que também gosta de Clarice Lispector… Quem mais fez parte de sua vida ao longo dos anos?
GB – Pois é… através da Clarice Lispector eu conheci a ‘poesia em prosa’ e comecei a escrever. Gosto muito de Paulo Leminski e Alice Ruiz também, porque sempre fui pelo caminho do “menos é mais”, daí vem Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes. As músicas que me arrancam lágrimas de Dori Caymmi, Fátima Guedes, Eduardo Gudin, Tom Jobim, Edu Lobo, a música mineira! O humor de Aracy de Almeida, Cyro Monteiro, Assis Valente e Geraldo Pereira, as letras-poemas de Paulo César Pinheiro, o suingue da Elis, a verdade de Roque Ferreira, a cultura popular (maracatu, coco, tambor de crioula, frevo, baião), as artes, a dança (amo dançar) ah… são tantas influências!
LF – Para finalizar, queria que falasse um pouco da sua agenda pra 2015. Pretende, por exemplo, retornar a Salvador?
GB – A minha intenção em 2015 é lançar o cd Fiandeira em outros Estados. Aproveitar os contatos que fiz na turnê do primeiro cd em São Paulo, Minas, Recife, Salvador… Eu costumo viajar sozinha e canto com os músicos de cada região, isso acrescenta muito ao trabalho, é uma troca muito rica, sempre.
Em Salvador tive o grande prazer de tocar com Paulo Mutti, Ivan Huol e Ivan Sacerdotte. Espero retornar com esta mesma formação, mas isso dependerá da disponibilidade de um local e das condições pro show acontecer.
Gabi Buarque canta Chico, versos de Pessoa
Aproveito a oportunidade pra dizer que quem tiver interesse em levar o show Fiandeira pra sua cidade é só entrar em contato através do email: [email protected] ou pelo telefone (21) 993784555.