Exposição Tim Burton – Foto de Phillippe Watanabe
Muito além da filmografia, a exposição no MIS-SP explora projetos intimistas e o processo criativo do diretor
Por Karina Balan e Phillippe Watanabe
Uma enorme boca enlouquecida com dentes pontiagudos engole quem em sua frente passar. Os que ali estão, por vontade própria quiseram entrar. Um redemoinho suga as vítimas garganta acima. Nas entranhas do monstro, o brilho paralisante de telas – estáticas vítimas para melhor saborear. Correm imagens dos filmes que ensinaram a criatura a imaginar. A jornada continua; cabeças monstruosas encaram, debocham e assustam. Seja bem-vindo(a) ao Mundo de Tim Burton.
A exposição, que tem curadoria de Jenny He, já passou pelo Moma em Nova York e está acontecendo no MIS-SP até maio. A disputa por ingressos é grande, e boa parte das datas até abril já se encontram esgotadas. Agora, quem quiser visitar a exposição vai ter que vasculhar os escombros da internet em busca de um ingresso, um desembolso que vale a pena.
Logo na primeira sala, há uma instalação com muitas das influências do diretor, que vão desde filmes do expressionismo alemão, até trashs dos anos 80. A obra de Burton é resultado da admiração declarada pelo ator Vincent Price, por filmes japoneses, filmagens em super 8 e mestres da animação. “Cresci vendo filmes estranhos. O que as pessoas consideravam grandes filmes, eu geralmente não gostava, sempre gostei dos mais trash mesmo”, confessa Burton em coletiva de imprensa no MIS. O trabalho do diretor é marcado pela confluência entre elementos da cultura pop e elementos macabros.
Dentre os objetos expostos, as sketches em inúmeras folhas revelam os trabalhos mais íntimos do diretor. Nem mesmo guardanapos de restaurantes são poupados durante seu processo criativo. “Acho que passo tempo demais em bares, e o desenho é um meio de me comunicar comigo mesmo, explorar meus sentimentos e emoções. Acho que não durmo o suficiente”, brinca ele. Nos desenhos, personagens atônitos e criações que trazem em si o grotesco com pinceladas de humor. Criaturas com membros decepados e olhos esbugalhados vêm acompanhadas de frases irônicas e humor negro. A distorção da figura humana e da perspectiva são muito presentes em seus traços.
Fica a impressão de que cada um dos universos ilustrados poderia ser abrigado em um novo filme ou desenho animado. Com tantos desenhos e pinturas feitos despretensiosamente, mas tão geniais quanto os personagens que foram para as telas do cinema, é possível ter uma pequena ideia da magnitude do talento de Burton. As ilustrações revelam o exímio artista plástico por trás do diretor, que confessa a paixão pelo desenho. “Desenhar me faz feliz, é uma atividade muito pessoal pra mim. Quando eu era criança, não era um bom comunicador, tinha bastante dificuldade em me expressar, acho que tenho até hoje, então é algo que me leva adiante e me realiza”, comenta.
Os objetos fazem alusão a alguns dos sentimentos presentes nos universos narrativos de Tim Burton, além da carga autobiográfica que representam. Ele cresceu nos subúrbios de Los Angeles, era tímido e um tanto deslocado. Como não poderia ser diferente, estas vivências refletem em suas criações. O embate entre a infância e a vida adulta, a desolação e a jocosidade, estão presentes na seção intitulada “angústia e melancolia”. “Não ter medo na vida é algo importante para mim, eu me sentia muito mais conectado a personagens de filmes de terror e de monstros. Eu tinha muito mais medo da vida real, dos meus pais, da escola, de ter que achar um emprego, é isso que dá medo de verdade”, diz ele.
Exposição Tim Burton – Foto de Phillippe Watanabe/ Karina Balan
Primeiros trabalhos e projetos experimentais
Em uma sala multimídia, constam alguns de seus primeiros trabalhos como cineasta, entre eles seu “TCC”, o curta metragem Stalk of de Celery Monster, feito durante seus estudos na California Institute of Arts. Além dele, está exposto o manuscrito do livro infantil The Giant Zlig, escrito por Burton aos 18 anos, e rejeitado pela Disney. Apesar de ter começado como estagiário na Disney, Burton também teve propostas rejeitadas pois tinha ideias consideradas “macabras demais” para o público infantil. Na mesma sala, constam trabalhos mais recentes do diretor, como o videoclipes Here With Me, da banda The Killers, feito em homenagem ao filme Dr. Gogol (1935), de Karl Freund .
A exposição também conta com Polaroids superdimensionais de diversos temas e motivos visuais, feitas pelo diretor entre 1992 e 1999, que compõem algumas séries fotográficas com temas não menos sinistros. Entre elas, fotos com as “Cabeças de Sally”, “cabeças de jack”, feitas com bonecos do set de filmagem do Estranho mundo de Jack. Composições mais pessoais também chamam a atenção, como a série natalina na qual o autor faz do seu próprio cachorro Poppy um personagem. Além dos trabalhos experimentais, projetos comerciais como o “menino balão”, pensado para o desfile do dia de ação de graças.
Exposição Tim Burton – Foto de Phillippe Watanabe/ Karina Balan
Filmografia e projetos não realizados
Há também uma seção inteira dedicada ao “Encantamento”, contendo trabalhos mais antigos que deixam transparecer a admiração pelos heróis de infância, que vão de Don Martin a Theodore Geisel (Dr. Seuss). Além da série “alienígena” e “numerais”, cuidadosamente desenhadas, constam ilustrações praticamente acabadas do universo de Trick or Treat (1980), e desenhos de arte e figurino para o filme Superman (1996), que acabaram ambos não sendo realizados.
Sobre a frustração de ver projetos não concluídos, Burton comenta: “Tive alguns projetos que dediquei muito tempo e não deram certo, então é uma experiência dolorosa porque você nunca esquece. Por isso eu nunca falo sobre meus próximos projetos, eu só sei que estou fazendo um filme de verdade quando estou no set, com atores, câmeras, etc. Antes disso não dá pra prever.”
A última sala é dedicada à filmografia de Tim Burton, contendo versões iniciais e alguns objetos da arte original de seus principais filmes. Para ele, cada um de seus filmes tem um significado individual. “Filmes são como filhos: alguns são mais bonitos, alguns são mais feios, mas ainda são seus filhos. Alguns são mais pessoais como Edward Mãos de Tesoura ou O Estanho Mundo de Jack. Tudo o que eu faço, mesmo se é baseado em uma ideia que não é originalmente minha, eu tento fazer com que seja pessoal pra mim. Você dedica tanto tempo e esforço, é como um filho mesmo”, analisa.
Passando pelos curtas metragens Vincent e João e Maria, O estranho Mundo de Jack e a Noiva Cadáver, até por bonecos da arte de Batman, Beetlejuice, A Fantástica Fábrica de Chocolate e Frankenweenie, a seção exibe o esmero de anos e as curiosidades dos bastidores das grandes obras de Burton. Ficou de fora Grandes Olhos, o filme mais recente do diretor, já que a curadoria para a exposição foi feita em 2014, quando ele ainda estava em fase de produção.
Burton diz não se considerar um bom artista ou diretor, e que a melhor recompensa é inspirar crianças e outras pessoas a criar. “Me sinto um fantasma, é como se eu tivesse morrido e estão olhando para minha vida. É estranho, mas está sendo apresentado de uma forma tão bonita, o cunho artístico da exposição me deixa mais confortável”, completa.
Para o monstro só resta nos cuspir. Transformados, é hora de partir. Os dentes, antes assustadores, agora estão a nos sorrir.
Karina Balan e Phillippe Watanabe são correspondentes do Cabine Cultural em São Paulo