Coluna da jornalista Úrsula Neves sobre tudo que acontece no universo da cultura pop
Felipe Pena lança “Crônicas do golpe” um ano após o impeachment
“Eu perdi amigos, perdi espaços de trabalho, perdi o convívio com parte da família. O golpe não foi apenas político. O golpe foi na cognição pública e nas relações pessoais e profissionais. Este é um livro sobre suas consequências, é um registro dos doze meses que o sucederam”.
O desabafo-epígrafe acima – que o escritor, jornalista, psicólogo e professor de roteiro da Universidade Federal Fluminense (UFF) Felipe Pena pede para abrir esta entrevista – expõe a coragem de um profissional que sequer titubeou diante do golpe parlamentar de 2016. Como nas histórias dos heróis que resistiram ao nazismo, ou à ditadura militar brasileira, ele “apenas” fez a coisa certa. Só que este “apenas”, no caso de um cronista com um importante espaço de publicação (o jornal Extra), foi escrever. E escrever não é pouca coisa quando se está disputando, com os vencedores, a narrativa da História.
Em “Crônicas do golpe”, nos deparamos com personagens sombrios, histórias absurdas e, infelizmente, previsões que pareciam bastante pessimistas e se confirmaram. Mas, nesta travessia por um dos mais terríveis períodos da política nacional, o leitor conta com a leveza da crônica e os muitos recursos deste cronista em especial, que transforma alguns dos 50 textos do livro, por exemplo, em diálogos e cartas fictícias, ou cenas de roteiros cinematográficos.
Por “só” ter feito a coisa certa (sem calcular, antes, as perdas pessoais reveladas na epígrafe), o autor acredita que sua empreitada foi um mero registro do tempo. Uma modéstia, sem dúvida, típica dos verdadeiros cronistas.
“Crônicas do golpe” chega às livrarias em 31 de agosto, pela Editora Record.
ORELHA
Por Ricardo Lísias
Crônicas do golpe tem textos muito diferentes: cartas, diálogos, artigos e colagens. Os nomes vão de políticos famosos a personagens de minissérie, golpistas sombrios, escritores e cidadãos revoltados. Tudo junto representa a multiplicidade do nosso tempo. Enquanto digerimos a foto de uma mala suspeita, aparece o áudio de um político tramando outro golpe. Artigos de jornais se confundem com obras de ficção e com discursos de políticos no Congresso Nacional ou em alguma cadeia.
O livro é um ótimo resumo do nosso tempo. Escritor, jornalista, roteirista, professor universitário e comentarista político, o perfil de Felipe Pena é muito adequado para enxergar as diversas faces que a história recente assumiu.
Crônicas do Golpe
A leitura é fluida, já que os textos são compostos conforme a exigência de cada situação. Um juiz bastante parcial se torna árbitro de futebol. Um político de rosto tenebroso e talento poético duvidoso – a rima aqui combina com a figura – é narrado com o patetismo que lhe caracteriza.
Múltiplo por definição, o gênero da crônica serve para abarcar toda essa multiplicidade. Mas não foi só por isso que, hábil com as palavras, Felipe Pena o elegeu: aos poucos, os textos parecem conversar com o leitor, trocando ideias, dados, argumentos e, sobretudo, mostrando o perigo que o golpe trouxe para o nosso dia a dia. O autor deixa claro que a ameaça é concreta.
Crônicas do golpe demonstra que o fato de uma presidenta da república eleita democraticamente ser retirada do poder por um Congresso Nacional encharcado de acusações de corrupção – e sem que nenhum crime de responsabilidade conseguisse ser demonstrado – atinge a vida de todos nós.
A confiança nas instituições fica abalada, a crença na democracia se debilita e, por fim, ficamos nas mãos de homens dispostos a qualquer coisa pelo poder. Gente assim é capaz de fazer reformas que tornam os pobres mais pobres, os ricos mais ricos e a vida muito mais dura para quem não nasceu cheio de privilégios.
Felipe Pena avisou nas suas crônicas. É exatamente o que está acontecendo agora.
SOBRE O AUTOR
Felipe Pena é jornalista, psicólogo e professor de roteiro na Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado em Semiologia da Imagem pela Universidade de Paris/Sorbonne III, foi visiting scholar da New York University e professor visitante da Universidade de Salamanca.
Começou a carreira como estagiário do jornal O Dia, foi repórter da TV Manchete, fundador e apresentador do Canal Universitário, comentarista da TVE-Brasil, diretor da Rede Globo e comentarista do Estúdio I, na Globo News.
Autor de 15 livros, entre eles os romances Fábrica de diplomas, O marido perfeito mora ao lado e O verso do cartão de embarque, que compõem a Trilogia do Campus, foi finalista do prêmio Jabuti duas vezes: em 2011 com o livro Seu Adolpho, uma biografia em fractais de Adolpho Bloch, e em 2013, com o livro No jornalismo não há fibrose.
É diretor e roteirista do documentário Se essa vila não fosse minha, que conta a história dos moradores da comunidade Vila Autódromo, cujas casas foram demolidas para a construção do Parque Olímpico, no Rio de Janeiro.
Serviço
Crônicas do Golpe Felipe Pena Páginas: 154 Preço: R$ 29,90
Editora: Record / Grupo Editorial Record