Literatura

Fernanda Takai no TCA: um espetáculo único no atual cenário medíocre da música brasileira

Fernanda Takai no TCA – Foto de Adenor Gondim (7)

Um espetáculo único no atual cenário medíocre da música brasileira.

Por Elenilson Nascimento

Remanescente de umas das poucas bandas que realmente deu certo dos anos 90, Pato Fu, a sempre simpática cantora Fernanda Takai entrou em turnê do mais recente disco solo, o delicioso “Na Medida do Impossível”, lançado no ano passado, e no último dia 16 de abril, em plena quinta-feira, os fãs de Salvador (BA) puderam conferir de perto um show lindo, delicado e cheio de poesias no palco da sala principal do Teatro Castro Alves.

Em sua página pessoal, a cantora definiu assim o repertório: “Eu poderia responder apenas: porque eu sonhei assim! Só que nada pode resumir com tanta facilidade os motivos que me levaram a fazer o disco desse jeitinho. Tudo à primeira vista parece meio caótico musicalmente, mas foi pelas arestas que encontrei o encaixe de mundos tão distintos. Não pelo insólito. Pela nobreza de cada voz, compositor e músico que participa desse caminho. Gente que ouvi muito durante minha vida, gente que cresceu profissionalmente à mesma época que eu, autores que talvez gerações desconheçam, parcerias que soam como sacrilégio ou privilégio…”

Mas esse terceiro álbum solo e primeiro autoral, possui 13 músicas, entre elas “Seu Tipo”, “De um Jeito ou de Outro” e “Quase Desatento”. “Dediquei-me a esse álbum de uma forma agressivamente leve. Tinha prazos a cumprir e todos tem agenda comprometida. Às vezes algumas vontades não acontecem por conta da inércia. Ou por timidez. Ou por qualquer um buzinar ao seu ouvido que isso “não funciona bem assim”. Hoje com internet e avião, nada pode deter o encontro. Gastei todo o meu arsenal de convicção para convocar alguns amigos e outros que se tornam agora parte da minha história”, poetizou a cantora conhecida também por sua voz doce, muito delicada e quase infantil.

Se no disco “Na Medida do Impossível”, ela dividiu as composições com Pitty, Marina Lima, Climério Ferreira e Marcelo Bonfá e ainda fez duetos com Zélia Duncan, Pe. Fábio de Melo e Samuel Rosa (Skank) – convidados de diferentes searas – representando bem o ecletismo musical do repertório que se prova bastante pessoal – algo que nunca caberia num disco do Pato Fu, por exemplo, no show do TCA, Fernanda parecia muito mais a vontade naquele figurino futurista que mais parecia ter saído do vídeo “Frozen”, de Madonna.

O TORMENTO – Mas a compra de ingressos ainda continua sendo um tormento para quem quer consumir cultura em Salvador. Se por um lado os preços são pouco convidativos, arrumar um lugar quando a atração é muito boa é quase uma odisséia no inferno. Depois de pedir para analisar na bilheteria do teatro o mapa para verificar os melhores lugares da plateia – as cadeiras das fileiras C até as fileiras G – estavam indisponíveis para venda. Perguntei, então, à bilheteira o que ocorria e ela se eximiu de dar explicações. Pergunta: a quem se destinam estas poltronas em plena temporada dita popular deste espetáculo da Fernanda Takai aplaudido e laureado? Às elites que podem pagar mais caro e para que não se misturem a escumalha têm lugares melhores a disposição? Para regalo dos convidados e funcionários da burocracia municipal (ou estadual?) da terra do acarajé que administra a casa em mais um flagrante caso de apropriação da coisa pública? Ou aos cambistas mancomunados no esquema de propina distribuída a quem ali opera esta pouca vergonha?

Fernanda Takai no TCA – Foto de Adenor Gondim

Mas o espectador interessado, aquele que se adianta em função de seu interesse genuíno no trabalho dos artistas, são os mais penalizados na ordem corrupta de todas as coisas que se estabelecem quando a população parece estar contemplada numa promoção. Em suma, continua sendo uma tristeza tentar assistir um espetáculo concorrido em Salvador. E para quem busca “desesperadamente” se alavancar do estado de alma bem descrito na obra de Saramago, “Ensaio Sobre a Cegueira, que também poderia levar o título de “Ensaio Sobre os Incendiários”, uma aventura no TCA é um riquíssimo material para entender a conduta moral dos bem nascidos em Salvador, que vai reforçando o ódio, a dor sem limites, a ponto da situação ficar como a do Oriente Médio, e como é importante neutralizá-la, apesar de difícil, sem a desforra. Tenho certeza que daqui a mil anos, se nossa ignorância não atrapalhar a jornada da humanidade, os espetáculos no TCA estarão sendo encenada como PATRIMÔNIO CULTURAL PERMANENTE DA HUMANIDADE.

SHOW DESBUNDANTE – Contudo, o show da Fernanda foi, sim, um desbunde: competente, original, divertido e literalmente gostoso de comer e de gostinho de quero mais, comprovado com a chuva de aplausos do público baiano pela apoteose final, quando um mar de carinho invadiu o TCA, onde seria impossível saber qual o maior sucesso da cantora, antes ou depois do Pato Fu, tamanha a sintonia entre a banda, a cantora e público.

O repertório teve a sossegada “Doce Companhia”, uma música romântica cuja letra positiva leva a crer que Fernanda anda muito feliz com a vida. “Como Dizia o Mestre”, de Benito de Paula, que veio na sequência, que já tem uma mensagem mais crítica, com Fernanda cantando os versos: “É, acaba a valentia de um homem quando a mulher que ele ama vai embora”. Já em “A Pobreza (Paixão Proibida)”, de Renato Barros, o clichê brega se faz presente: a música fala do típico amor proibido por diferenças sociais.

E com a cantora interagindo com o público, muito emocionada, toda a temática do disco, assim como a sonoridade, seguiu variada. Teve momentos quase dançantes como em “De um Jeito ou de Outro” e baladinhas melancólicas como “Quase Desatento” – cuja autoria é dividida com Marina Lima. O show se mostrou pertinente, digamos, diferentes. “Pra Curar Essa Dor”, versão de “Heal The Pain”, de George Michael, que no disco teve o Samuel Rosa como convidado. Mas em “Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme”, que talvez você conheça na voz de Reginaldo Rossi, e que tem a Zélia Duncan e um trecho incidental de “La Vie En Rose”, no disco, foi um delírio oculto.

No show, a música mais inusitada, talvez, seja “Amar Como Jesus Amou”, que no disco teve um dueto tosco com o padre metrossexual Fábio de Melo e efeitos eletrônicos do produtor japonês Toshiyuki Yasuda, não empolgou tanto, pois trata-se de uma música que costuma ser cantada por crianças em escolas de freiras e padres – eu, na infância, a cantava na escola, que nem era religiosa. E no show ficou com cara de trilha de videogame. Um pouco bizarro.

Fernanda Takai no TCA – Foto de Adenor Gondim

No geral, o show foi ótimo, mesmo com a coesão carregando na tinta. Mas, talvez, acreditando que não precisa mais provar nada para ninguém – e talvez não precise mesmo – Fernanda se sentiu muito à vontade para fazer um álbum com a sua cara, um show delicioso e divertido, e quanto a isso não fica nenhuma dúvida. “Tudo à primeira vista parece meio caótico musicalmente, mas foi pelas arestas que encontrei o encaixe de mundos tão distintos. Não pelo insólito. Pela nobreza de cada voz, compositor e músico que participa desse caminho”, definiu a cantora.

O projeto do show “Na Medida do Impossível”, que contempla o disco e shows de lançamento, foi selecionado pelo edital dedicado à produção musical mineira do programa Natura Musical em 2013. Criado em 2005, como o primeiro recorte regional do programa Natura Musical, o Edital Minas Gerais já patrocinou aproximadamente 100 projetos em oito edições. Contudo, mais uma vez, os felizardos presentes bradaram os sucessos apresentados no palco, com aquele bonito cenário – que a cantora não economizou nas peripécias circenses, sem perder a identidade e, mais uma vez, realizou um espetáculo único no atual cenário medíocre da música brasileira.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.

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