Festival do Júri Popular
O Festival do Júri Popular vem se constituindo como um dos eventos mais importantes no quesito curta-metragem no país e desde a semana passada que 4ª edição do festival aportou em Salvador. Originalmente marcada para o inicio deste mês, a edição teve que ser reapresentada por conta da greve que assolou a capital baiana na época. Por isso, provavelmente Salvador seja a última cidade a apresentar o festival.
Vimos todos os trabalhos apresentados e a partir de hoje faremos (Cristiana de Oliveira e Luis Fernando Pereira) pequenos comentários sobre eles, e ao final elegeremos os nossos melhores.
Dividimos os posts pelos programas apresentados na edição exibida na Sala Walter da Silveira (local do evento aqui em Salvador), sendo no total seis programas. Vamos ao programa número um.
A fábrica, de Aly Muritiba, PR
[Cristiana] Ele na penitenciária se prepara para o dia de visita, a mãe em casa prepara um lanche para levar ao filho preso. Põe um celular dentro dela e enfrenta o risco de ser pega, até aí tudo bem previsível e a sensação de absurdo por pensar que ele não tem nenhuma moralidade, mais ainda por convencer a mãe a se arriscar, se mostra nesse instante do curta de maneira bem forte. Talvez por isso, por marcar com vários indícios de que essa é uma verdade, é que o projeto se mostra admirável. Ele desfaz essa previsibilidade e te apresenta um final inesperado. A tristeza na voz te faz pensar nessa regra como uma coisa até injusta, mesmo que mais segura. Ótimo curta! Numa palavra: surpreendente!
[Fernando] A sinopse deste curta-metragem é bem direta: Um presidiário convence sua mãe a arriscar a própria segurança para levar um aparelho celular para ele dentro da penitenciária. Com esta sinopse em mente, o espectador naturalmente já vislumbra uma série de possibilidades, tanto para o desenvolvimento quanto para o desfecho da narrativa. E é exatamente nestas ideias que o curta-metragem planta no espectador que reside a grande qualidade do projeto: o filme de Aly Muritiba consegue surpreendê-lo. Nesse sentido, vale menção para a construção do roteiro e principalmente para a montagem, que num bom trabalho de cortes de câmera traz todo o clima de suspense para a história, e que ganha novos ares a partir da reviravolta, um dos destaques do projeto. Ótimo curta-metragem.
Céu, inferno e outras partes do corpo, de Rodrigo John, RS
[Cristiana] Animação. Casal de cachorros reproduzindo atividades humanas, sobretudo as que dizem respeito ao relacionamento amoroso. Na televisão algumas cenas de desastres acontecidos com humanos, olham e mudam de canal como se não interessassem. No prato pedaços de gente, comem cérebro, fritam um coração. Há uma certa dúvida se a reflexão é sobre essa inversão de valores, como se o homem não se importassem se comem animais, ou talvez sobre o amor, ou mesmo sobre a morte. Essa é um elemento bem marcado, a frase final traz algo do tipo “a vantagem da morte é que se ela não deixa olhos para ver, também não deixa olhos para chorar.” É um belo curta, só deixou dúvida sobre a temática principal, essa que molda a história.
[Fernando] O que vemos logo de cara é um cachorro, uma cadela, uma relação de amor em pedaços, uma música de Lupicínio Rodrigues e a desintegração do corpo do mesmo cachorro do inicio da frase. Esses são elementos da bela animação de Rodrigo John, que traz como ponto forte a possibilidade de nos fazer pensar sobre relações pessoais (amorosas ou não), desilusões, tristezas, amor próprio. No curta-metragem sobressaem-se os tons vermelhos, que por sinal é a cor mais recorrente no tempo da narrativa. Isso provavelmente se dá por conta da linha que se quer seguir: é o coração a peça fundamental do ser humano, é nele que está a origem de todas as alegrias e dores pelas quais o homem passa. E o curta-metragem parte deste caminho. Trabalho cativante.
Com vista para o céu, de Allan Ribeiro, RJ
[Cristiana] Um cara chega da rua com duas lixeiras, põe uma no banheiro e a outra na cozinha, faz um miojo (um outro indício de dias atuais), põe uma música, vai até a janela e olha para cima, ouve a vizinha (Adriana Calcanhoto) cantando a música que ele colocou para tocar, esboça um sorriso de satisfação quando a ouve. Vai para o computador, som de uma conversa no MSN. Ele sabe onde ela mora, ela sabe onde ele mora. Se encontram no elevador e não se falam. O curta parece uma crítica à nossa vida de pouco contato físico e muito contato virtual, os dois moram sozinhos, sabem que têm coisas em comum e quando estão próximos um do outro não se relacionam. Um clássico problema moderno. Um bom curta! Espera-se um desfecho mais surpreendente, mas ainda assim é um bom trabalho.
[Fernando] Homem e mulher tentam contato em uma grande metrópole, diante de tanta incomunicabilidade, onde o som urbano invade os espaços. É assim que o curta-metragem é apresentado. O argumento é bom e acaba nos remetendo para um dos grandes filmes de 2011: o argentino Medianeras. Alguns elementos são bem interessantes, como ambientar a história em um grande condomínio – um dos grandes símbolos da cidade grande – e trazer a música como fio condutor para a narrativa. No entanto o projeto vai perdendo forças com o passar dos minutos, o ritmo cai um pouco e no final fica aquela sensação que poderia ter sido muito melhor executado este trabalho. Mas ainda assim, digno de aplausos. Vale menção a participação da cantora Adriana Calcanhoto, que se não encanta como nos palcos, ao menos se esforça.
Gaveta, de Richard Tavares, RS
[Cristiana] Um homem que aparentemente vive num lugar cheio de coisas velhas, quase sem espaço para nada. No meio de todos esses móveis e coisas antigas ele encontra um criado mudo com três gavetas. Ele coloca alguma coisa dentro da primeira gaveta e ao abri-la novamente percebe que essa coisa sumiu, faz novos testes e descobre que tudo o que se colocar em qualquer uma das gavetas, some. Faz disso uma espécie de jogo e vai colocando outras coisas, chave, sapato, etc. Põe o gaveteiro ao lado da cama e ao fumar joga as cinzas dentro da gaveta, ao terminar de ler o livro, também coloca dentro dela. Ele parece encontrar nisso uma solução para vários problemas, chega ao ponto de tentar entrar numa das gavetas, mas percebe que não cabe dentro dela. O curta-metragem não é de todo ruim, mas não se sabe ao certo se há um tipo de reflexão, talvez voltado para o acúmulo de coisas desnecessárias a que estamos acostumados no dia-a-dia, se está voltado para a falta de sentido humano, que encontra nessa gaveta uma espécie de agradabilidade ou mesmo se é pura fantasia.
[Fernando] Imagine uma gaveta que pudesse fazer com que tudo o que fosse colocado lá dentro sumisse. É com este ponto de partida que o curta-metragem de Richard Tavares vai trabalhar. Observar o homem em busca de espaço na sua casa é um dos principais motivos para se assistir este filme. Ele (o curta-metragem) se mostra inicialmente estranho, pois trata de elementos fantasiosos, mas no fundo ele apresenta críveis metáforas sobre o comportamento humano. A fotografia deste trabalho (vale destaque) é muito interessante, casa bem com as imagens, são basicamente estas duas perspectivas de narração que vão contar a história, já que os diálogos são inexistentes. Ainda assim, o trabalho desenvolvido pelo ator João Carlos Castanha é admirável, ele passa para o espectador toda a atmosfera de confusão que o filme propõe inicialmente. Bom trabalho.
Oma, de Michael Wahrmann, SP
[Cristiana] Oma é o tipo de documentário que emociona já pela personagem principal. Ela nem sempre compreende ele, ele também nem sempre compreende ela. Ela intercala entre o espanhol e o alemão. Os dois tentam dialogar, parece uma relação bem comum entre um neto e uma avó com mais de 80 anos. Ela já não enxerga, mas demonstra uma vontade de estar perto dele cada vez que ele sai e diz que volta no dia seguinte para continuar a gravar. Ela pede para tirar fotos, ele finge bater a foto enquanto ela escolhe vários cantinhos que ela julga interessantes na varanda da casa, ele grava tudo. Pede para tirar um foto tomando chimarrão e fica posando como se visse nisso um importante registro de vida. O curta é agradável, e a vontade que se tem é de sentar e conversar alguns instantes com OMA, tradução literal de avó em alemão.
[Fernando] Oma trata da relação existente entre duas pessoas que não se entendem por conta das diferenças de língua (português e alemão), mas que se gostam. E esse gostar é representado aqui por uma das relações mais bonitas que existem no seio familiar: a de um neto com a sua avó. Michael Wahrmann, propositadamente ou não, acerta na atmosfera do filme ao apresentá-la em preto e branco. Muitas são as possibilidades de entendimento desta escolha, mas o fato é que o clima passado é dos mais estranhos, mais também intensos e bonitos. Um curta-metragem que emociona pela sua capacidade de externar uma relação familiar no seu íntimo.
Os sapos, de Clara Linhart, RJ
[Cristiana] O curta não deixa bem claro exatamente a que se propõe. Numa casa afastada da cidade um casal toma café juntos e se abraçam em algum instante. Ele diz que convidou uma amiga para passar alguns dias com eles, ela parece não gostar muito da ideia. A amiga chega e pergunta cadê a galera. Quando ele a convidou para passar uns dias na casa “de campo” ele deu a desculpa de que seria um encontro da galera do colégio. Não havia galera e ele trouxe exatamente uma amiga por quem ele fora apaixonado (ela também nutria algum sentimento por ele na época de escola). Uma atmosfera estranha se instaura e o espectador também parece ficar por fora do que realmente se deseja mostrar. Ele diz para a amiga que não tem nada com a outra e ela começa a dar algum indício de que cederia. Uma cena de ciúmes da primeira mulher causa à amiga uma estranheza ainda maior. A primeira mulher arruma as malas e diz que vai embora, o cara pede com certo carinho para ela ficar, ela fica e a amiga no dia seguinte logo cedo vai embora. O sapo, que no início do curta é o objeto maior de diálogo entre o casal (ela sempre pede para ele retirar os sapos do banheiro e ele vê nisso sua missão diária), volta a aparecer no final do curta, com ela novamente pedindo para ele retirar o sapo de lá. E tudo volta ao normal, numa relação que não parece sólida, nem mesmo desfeita completamente. Vale destaque para a excelente atuação dos personagens, também um excelente trabalho da produção.
[Fernando] Um dia e uma noite numa casa de campo rústica, é com esta premissa que o curta-metragem de Clara Linhart ganha corpo. A história traz relacionamentos que se foram, ou que nunca aconteceram, e que também não se sabe em que ponto está. São três personagens que ao fim das contas buscam de alguma forma o prazer, seja ele o carnal, seja ele o emocional. E como plano de fundo um sapo, que aqui talvez represente o elemento estranho, que não é bem-vindo por um, mas que o é pelo outro. Curta razoável, atuações boas, mas um argumento não tão interessante.
Passageiro, de Bruno Mello, RJ
[Fernando] No curta-metragem, vemos Abel, que trabalha no Jockey Clube e sofre de narcolepsia (a doença do sono). Um dia ele encontra no metrô a mulher dos seus sonhos. A partir daí a trama se desenvolve, com bons diálogos, sequências bem produzidas e um bom trabalho de câmera. E deve-se, antes de qualquer coisa, destacar a atuação do protagonista, das mais carismáticas e o tom que mistura romance com comédia que traz um resultado final bem interessante. A premissa, bem atraente, com elementos originais, dá ao projeto qualidades que só elevam o nível do filme.