Djon África
Dois filmes portugueses, “Djon África” e “A Árvore”, em destaque nos primeiros dias do festival curitibano
Por Adolfo Gomes
O primeiro movimento é acelerado, vibrante – como uma canção cabo-verdiana. Estamos em companhia do jovem Miguel Moreira em “Djon África” no seu deslocamento da periferia de Lisboa até sua Terra Natal, no além-mar. O filme de Filipa Reis e João Miller Guerra abriu a sétima edição do “Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Outra produção lusitana, realizada no estrangeiro ( Sarajevo), por André Gil Mata, “DRVO – A Árvore”, também mereceu destaque no primeiro dia da mostra competitiva do evento.
A despeito do mesmo caráter itinerante da obra de Filipa Reis e Miller, podemos dizer que produção de Mata é a própria antítese formal do primeiro. Aqui, cada plano é como um cerimonial do tempo, uma prova de fé na duração como imanência dos sentimentos e da memória. Em comum, aos dois filmes portugueses, um sentido grave e melancólico de desterritorialização.
Um dos curadores do “Olhar de Cinema”, Aaron Cutler, destacaria na apresentação da sessão de “A Árvore” essa característica tão portuguesa de se lançar a outros lugares – ainda há um terceiro representante de Portugal no festival paranaense que, da mesma forma, transcorre fora o País, em Moçambique: “Our Madness”, de João Viana (na mostra “Novos Olhares”).
Por ora, há pouco a especular sobre esse trânsito recorrente, a busca por novos horizontes geográficos para abrigar histórias de guerra, loucura e ancestralidade. O que temos, mais concretamente, diante dos nossos olhos é uma sombra incômoda de estilos tão díspares quanto o imaginário poético africano e o meditativo – e, às vezes, anárquico – poder de fabulação eslavo. Mais ou menos ( para lembrar um dos grandes realizadores homenageados pelo evento) , seria o equivalente entre a força instintiva de Mambéty e a sempre abissal imersão reflexiva de Béla Tarr.
“Djon África” é solar, malemolente, mas algo desencantado nesse movimento interrompido em busca do pai; mas, sobretudo, da tautológica promessa utópica e redentora da Mãe- África. Já “DRVO” se estende à margem das bombas, do horror, para fazer do seu percurso, do encontro entre um homem e uma criança em meio ao caos dos conflitos territoriais, um esboço sobre a perenidade da natureza . O filme de Gil Mata abre com uma epígrafe de Kafka sobre a aparente força que nos liga às raízes, “que nos prende ao chão”. Mas o escritor tcheco ainda nesse fragmento nos lembra: “…É também só uma aparência”. Aos dois filmes faltam um pouco desse ceticismo, dessa clarividência lúcida sobre os nossos deslocamentos e a aporia intransponível que se impõe à nossa existência, seja qual o lugar que escolhamos para a fuga.