Cinema

James Dean – Um retrato autônomo do homem antes do mito

James Dean

“Como o personagem de Dean gostaria de voltar à sua terra natal e nunca mais o faria, esse filme nos lembra de que também para nós, é impossível resgatar essa simplicidade original”

Por Adolfo Gomes

“Life – Um retrato de James Dean” (Life, EUA, 2016) é realizado por um fotógrafo, Anton Corbijn, e desde os primeiros fotogramas (sei que não existem mais na captação de um longa, mas me permitam ter a licença poética) parece calcular, às vezes mecanicamente, o processo de revelação das nuances das duas personas sobre as quais se debruça. O também fotógrafo Dennis Stock e o mítico ator norte-americano.

Há algo de fúnebre e demasiadamente frio nessa espécie de necrológio audiovisual, mas é uma impressão que se dilui ao longo do filme. A opção pelo registro sutil, contido, de certa maneira até pudico, contrasta com a “biopic” consagrada (permeada de escândalos e excentricidades) e confere ao filme de Corbijn uma aura de elegia, que se consolida no desenrolar da narrativa.

Se fica a sensação mundana de desnudar a intimidade de um astro fugaz (apenas três filmes e a morte), a perenidade de sua silhueta e significado, ainda hoje, permite ao realizador operar um processo inverso ao semiótico: ao invés de estudar/focar os códigos e signos que emergem desse autêntico índice do cinema moderno, Corbijn o transforma em personagem autônomo de seu filme – com um enorme background, é claro – mas cuidadosamente descolado do personagem em si, que foi Dean.

James Dean

Quer dizer: pela curva dramática de cada um dos protagonistas de “Life” existe riqueza suficiente para nos interessarmos por eles, por suas aflições e ansiedades,  sejam figuras pré-existentes ou não. É mais do que humanizar uma figura pública, é flagrá-la e compartilhar essas impressões, antes de que essa “humanização” seja um movimento necessário. No começo era assim: havia um homem e uma mulher. Pura e simplesmente. Como o personagem de Dean gostaria de voltar à sua terra natal e nunca mais o faria, esse filme nos lembra de que também para nós, é impossível resgatar essa simplicidade original. Tudo se tornou mais complexo e isso não tem volta, pelo menos, enquanto há vida.

Adolfo Gomes é cineclubista e crítico de cinema filiado à Abraccine. Curador de mostras e retrospectivas, entre as quais “Nicholas Philibert, a emoção do real”, “Bresson, olhos para o impossível” e “O Mito de Dom Sebastião no Cinema”. Coordenou as três edições do prêmio de estímulo a jovens críticos “Walter da Silveira”, promovido pela Diretoria de Audiovisual, da Fundação Cultural da Bahia.

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