James e Winston
Fazia um tempo que eles não se viam. Desde que o grupo se desfizera algumas rusgas haviam sido criadas e de certa forma alimentadas ao longo dos anos. James estava em Manhattan e resolvera quebrar aquele distanciamento. Foi quando fez um telefonema reticente, percebeu a surpresa do outro lado da linha derretendo o gelo e houve afinal o convite para uma visita. Agora eles estavam juntos e logo Winston mostrou-se tão cordial e animado quanto no passado. Tocaram algumas músicas relembrando os velhos tempos e pareciam novamente em sintonia, recriando por instantes o elã mágico que energizara e definira a banda que fundaram. James era tido como o romântico do grupo, suas baladas eram agradavelmente açucaradas com melodias inspiradas e letras simples e diretas .
Winston era tido como o mais cerebral. Suas composições uniam fartas doses de variadas inquietações, principalmente as amorosas e existenciais. Se James colocava o coração à mostra, Winston expunha as vísceras. Costumavam assinar as composições juntos, mesmo quando na prática compunham em separado. De certa forma mesmo quando trabalhavam solitariamente pairava a sombra do outro, indiretamente influindo no resultado final, devido aos fortes laços de parceria que haviam construído ao longo do tempo. Uma sinergia musical que criara uma nova onda no mar da cultura pop.
Naquela tarde entre uma música e outra a TV ligada prendeu a atenção de ambos pelo menos em um momento. Em um programa de auditório gravado ali próximo e transmitido ao vivo, o apresentador citou a banda que fizeram parte e fez um inusitado desafio olhando para a câmera. Daria uma alta quantia em dinheiro se por acaso eles voltassem a tocar juntos.
Eles se entreolharam e por um momento cogitaram em sair do apartamento e ir ao programa. Seria sem dúvida um acontecimento inesperado e surpreendente. Mas foi apenas um rompante efêmero, quase juvenil, e no final das contas apenas riram e recomeçaram a tocar na sala do apartamento mesmo . Um dia quem sabe. Foi a resposta sem palavras. Mas esse dia nunca se tornou realidade. Cerca de cinco anos depois John Winston Lennon morreu assassinado na porta do prédio onde morava, selando qualquer possibilidade de retorno dos Beatles e James Paul McCartney seguiu seu caminho em carreira solo.
Josival Nunes é escritor, cineasta e colaborador do Cabine Cultural.