Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…
Querido Papai Noel,
Começo esta carta de fim de ano passando-lhe o meu endereço. Moro na Avenida Higienópolis, 316/62; CEP 01238-901 São Paulo – Capital.
Não sei se o senhor é como Deus, que tudo sabe e tudo vê, mas acredito que não. Senão, não precisaríamos escrever cartinhas todos os anos dizendo ao senhor o que gostaríamos de ganhar.
Eu acho que houve um engano na entrega dos presentes deste ano de 2016. Digo isto, não porque sou santa. Mas também não sou o demônio para receber “presentes” tão pesados. Desde que eu era criança, eu fui ensinada que se eu me comportasse direitinho, eu ganharia meu presente e o ano transcorreria normalmente até o próximo Natal. A vida continuava com seus altos e baixos, como na vida de todo mundo. Uma hora a gente sentia mais alegria, às vezes até euforia, e em outras uma certa tristeza por algum desgosto. Os bons momentos, aprendi, têm de ser exaltados, e os maus… Bem, os maus, de preferência esquecidos, sem rancores ou mágoas, mesmo que nos provoquem muita dor.
Voltando ao engano que eu acredito que o senhor tenha cometido, em vez de endereço trocado, talvez outra Helena, no dia 26 de março eu estava alegre e, por pura bobeira, rolei uma escadaria inteira e estacionei o meu quadril num canteiro: pow! Lá se foi minha bacia com múltiplas microfraturas que doeram pra dedéu, e que me deixaram hospitalizada 18 dias, divididos em duas vezes. Ah, esqueci. O púbis também fraturou. Por causa dessa “graça” fiz muita fisioterapia, mas o pior mesmo é que a dor não me largou nem a pau. Nem com todo o repouso que fui obrigada a fazer. E com todos os remédios tarja preta que fui obrigada a engolir.
E olha, Papai Noel, eu sou elétrica e ficar presa a uma cama por sete meses foi de uma agonia que o senhor não pode ter ideia. Foi um horror!
Mas vamos deixar de lado essa chatice de falar de doença porque isso enche muito o saco. E o seu saco é de presentes e não de lamúrias.
Voltando ao ano passado, em dezembro mesmo, estive em Cunha onde temos uma casa. O senhor conhece? É uma belezinha de cidade. É, na verdade, uma estância climática, que fica no alto da serra que vai para Paraty. Fui para lá para alugar minha casa. E, por um desses acasos da vida, encontrei-me com o viúvo de uma amiga e fiquei muito feliz por vê-lo recuperado. A última vez que eu o tinha visto ele estava arrasado. Parecia que um trem tinha passado por cima dele, e eu fiquei profundamente compungida.
Fui alegre cumprimentá-lo, disse-lhe da minha alegria em vê-lo tão bem e sentei-me à mesa onde estava o inquilino que ocuparia a minha casa.
Ficamos conversando, a mesa estava cheia, e, logo em seguida, vi João, o nome do marido da minha amiga, sair e se despedir.
Papai Noel Cunha
Fiquei com vontade de saber mais dele, e de saber mais dela, porque fiquei afastada da cidade praticamente cinco anos. E quando voltei, encontrei-me com ela, que me contou que estava doente, muito embora sua aparência fosse ótima, e, no dia seguinte, ela morreu. Putz!
Quando saí do local, perguntei ao dono se ele tinha o telefone do João. Ele disse que tinha o e-mail. Mandei um e-mail pra ele convidando-o para um bate-papo no lugar que ele quisesse. Ele me telefonou (a mulher dele tinha o meu telefone) e marcou no mesmo lugar da véspera.
Enfim, nos encontramos e começamos a trocar parcos e-mails e ele sempre frisava que não tinha muito saco pra escrever, telefonar ele odiava, até que um dia, eu disse a ele numa resposta, aliás sempre resposta, que eu não tinha nada contra e-mails, ou telefonemas e passei meus telefones. E disse: está tudo aí. Se quiser ligar, ligue, se não quiser, não ligue, pra mim tanto faz e ainda brinquei: pode ficar tranquilo que nunca você vai me ver chegando de surpresa na sua casa com uma frasqueirinha na mão. Acho que João começou a gostar de mim porque nunca peguei no pé dele. Mas comecei a notar que eu ficava muito alegrinha cada vez que eu recebia um e-mail dele. E também notava que era recíproco.
Em 18 de maio de 2016 eu estava louquinha pra ver o Roda Viva com Delcídio Amaral. Estava o maior buxixo, e eu tinha perdido o programa. Procurando na internet, vi que o Roda Viva estava hospedado num site chamado Cabine Cultural. Tentei assistir e não consegui. Aí vi um e-mail e disse que não estava conseguindo assistir. Supersimpático, um rapaz de nome Nando me deu o link na maior delicadeza pra eu assistir.
Quis voltar ao site e, muito louca e burra e desatenta, procurei por CABIDE Cultural. Que vergonha! Ahahhahahaha! Eu procurava pela web ou por imagem e via mil cabides coloridos, ahahhaahah! E ainda tive a pachorra de dizer ao tal Nando, quando encontrei o e-mail dele, que tive muita dificuldade de encontrar o Cabide. Eu queria morrer, me enfiar embaixo da escrivaninha ou sei lá o quê, tipo sumir do mapa, ahahhaah! Mas o baiano, sim o Nando é baiano, é baiano gente boa pra caramba, e nem deu bola. Até tirou um sarrinho leve de mim. Nando é uma criatura diferenciada, que ama e se dedica não só ao seu site, mas também aos animais. E como eu ele é gateiro. Ele faz trabalho voluntário em feiras de doação de animais e ração. Pra simplificar, ele é demais.
Nós só não temos uma afinidade. Nando odeia falar. Ele é monossilábico, digo no WhatsApp. Porque o telefone ele nem atende. E eu falo pra caramba. Adoro me comunicar.
Então, voltando Cabide, ahahhaah! Falando sério, voltando ao Cabine Cultural, eu perguntei a ele se ele não se interessaria por ler alguns dos meus escritos. Ele foi rapidinho e disse que sim. Mandei algumas coisas, ele gostou e fez uma coluna pra mim chamada Letras Irreverentes.
Foi um delírio! Eu amo escrever. Desde menina, escrever é a minha praia.
Embora eu ainda estivesse com dores na bacia e de saco pra lá de cheio de ficar de cama, eu estava no auge da alegria. Eu e João estávamos namorando e nos falando diariamente às vezes uma ou mais vezes, escrevendo tudo que eu queria, brincando no Facebook, onde eu falava desta política imunda e indecente, ou melhor, pornográfica, e ia tocando minha vida, fazendo o que os médicos me recomendavam. As dores, embora ainda existissem, estavam muito melhores e suportáveis. Eu estava feliz.
Querido Papai Noel, aqui neste trecho que agora eu escrevo é que acho que houve um tremendo engano de sua parte. Com todo respeito, acho que o que vou lhe contar ninguém merece passar. Mas ninguém mesmo. Em nenhuma situação, nem pobre, nem rica, nem remediada nem petralha, nem prostituta, nem nenhuma mulher.
Eu estava em casa e um familiar de 44 anos, a quem no meu último conto eu disse ser o mais amado, acordou completamente atacado. Passou por mim e não me cumprimentou .Ele já havia mudado seu jeito de ser fazia nove meses e eu tinha notado. Nervoso sempre foi. Mas andava anormalmente abrutalhado, falando muito alto palavrões horrorosos a três por quatro, brigando com a namorada e também xingando a “moça” com palavras pra lá de chulas (os dois se merecem) deixando minha mãe pisando em ovos, com medo de contrariá-lo. Uma coisa de louco.
Papai Noel
Antes ele era gentil, saía e trazia um chocolatinho, sei lá, um agradinho pra mim e pra minha mãe.
Voltando, naquele dia, pedi a ele que limpasse, por favor, o meu celular porque eu não sabia pôr o lixo nas nuvens. Ele olhou pra mim com uma cara raivosa e disse bom dia. Eu respondi: desculpe-me, bom dia! Ele disse: traz o celular. E começou a soltar palavrões e mais palavrões até que eu lhe disse: cara, o que está acontecendo com você? Nós sempre fomos tão amigos, o que houve? Como se fosse um retardado mental ele usou o seguinte argumento: você abre a torneira de água quente de propósito pra que a água fique gelada quando eu vou tomar banho. Foi tão patético que se eu não tivesse ouvido eu desacreditaria. Às tantas, como se eu fosse uma das negas dele, ele me disse em alto e bom som: vá tomar no cu, sua filha da puta.
Eu fui até ele, botei o dedo na cara dele e perguntei: com quem você pensa que você está falando, seu estúpido? Você enlouqueceu? Eu não admito que você fale assim comigo. Eu não tive tempo de dizer mais nada. Ele me deu um tapa na cara e me atirou longe, quebrando com a minha coluna lombar uma porta. A empregada, que é um anjo de criatura, me levantou. Eu fui até ele e dei-lhe uma chinelada na cara que o barulho deve ter sido ouvido em Manaus. Um pouco mais tarde ele voltou com o seu escudo, a ordinária com quem ele agora está morando, e que teve a “sutileza” de ignorar a idade o estado emocional estraçalhado da minha mãe, que não assistiu mas ouviu tudo que se passou, e disse a ela que me bloqueou no Facebook porque eu falava mal dela (da minha mãe). Na verdade, quem a bloqueou fui eu. Aliás, os dois.
Querido Papai Noel, fui hospitalizada pela terceira vez neste maldito ano de 2016. Sendo atendida inclusive por psiquiatras, além de ortopedistas e médicos especializados em dor. Se antes doía a bacia, agora ganhei de presente daquele brutamontes uma lesão na coluna lombar. O bandido nem sabe disso. E eu, a pedido encarecido da minha mãe que também foi parar no hospital, não o denunciei. Eu tenho ódio de não ter denunciado esse canalha. Eu tenho muito ódio. E quando eu toco neste assunto, eu não consigo ficar fria. Eu não paro de chorar. Nunca passei por nada mais humilhante na minha vida. Somente outra mulher espancada por um homem é capaz de avaliar o que eu estou sentindo até hoje.
Eu emagreci 10 quilos, fiquei com uma espécie de nojo por qualquer tipo de alimentação e cheguei a ficar seis dias e seis noites sem conseguir ingerir absolutamente nada. Só tomando água gelada.
Eu e João finalmente nos encontramos e viajamos. Namoramos e beijamos, beijamos e namoramos, namoramos e beijamos… logo que saí do hospital. Apesar de fazer tudo isso em repouso.
Por isso, Papai Noel, preste bem atenção ao meu endereço. Sacumé: desculpe-me a franqueza, mas o senhor está velhinho e pode não ter enxergado muito bem o meu endereço.
Agora vamos aos pedidos para o ano de 2017: quero me recuperar e voltar a ser o que eu era, plantar bananeira e dançar balé. Eu quero que nunca mais nenhuma mulher seja espancada sem que o covarde vá para a cadeia. Quero o meu João até o fim dos meus dias. Porque eu amo muito, muito muito, o meu João. Quero que minha mãe fique boa e esqueça esta tragédia familiar. E que tenha muita saúde e muita alegria de viver como sempre teve. Quero que minhas filhas e genros vivam em harmonia e se amem cada vez mais. Quero voltar a escrever toda semana para o site Cabine Cultural. Quero que o Nando, que tem um coração maior que ele, tenha tudo que ele almeja. Quero tudo de bom para todos os meus amigos queridos. Quero saúde, paz, harmonia, alegria.
E para terminar, quero o Renan Calheiros e o Lula na cadeia. Esta está difícil, né, Papai Noel? Mas eles vão, ah, se vão. Nem que o senhor tenha que fazer um esforço sobre-humano pra compensar tudo que me mandou de praga, digo “presente” neste desgraçado ano de 2016.
Atenciosamente,
Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena e escreverei aqui aos domingos.