Filadélfia
Filmes GLBTQI+”E quando um filme é excepcional ele já começa com ares de que vai revolucionar e mudar toda uma forma de pensar e mais ainda criar polêmicas e dividir opiniões.”
Por Elenilson Nascimento e Anna Carvalho
E nessa retrospectiva – o ano de “Bacurau” – o ano de 2019 foi muito difícil; ano de muita luta; ano de manifestações de burrices e preconceitos; ano do desemprego; ano das tosqueiras do clã Bozonaro; ano em que os crentes fanáticos queimaram bruxas e crucificaram hereges; ano de inúmeras derrotas, sobretudo para as artes e para a promoção cultural. Mas fomos brindados com “Bacurau” (2019). Um filme simplesmente brilhante! Mas quando você vê que o filme que causou mais polêmica neste ano trouxe um Cristo gay, ou uma mãe ainda virgem e transloucada, você percebe que o cinema está mesmo em crise, aliás, a arte está. Se não fosse pela condição de subserviência militante, mas da sua condição inevitável de crise de artistas, roteiristas, autores, este país só saberia fazer graça ou lançar filmes com lirismo desde que fosse submetido ao lado canhestro.
O cinema argentino, francês alternativo, espanhol colorido, o sucesso extrodoso da Netflix conspiram para que se reflita os maus costumes de um cenário artístico confinado em confetes e pantomima, até a marginália cultural é tediosa. Cadê a irreverência lunática de um Glauber, de um Roberto Faria, óbvio registrando versões de seu tempo, mas rasgando contratos, celebrando iconoclastia? Hoje, uma turma de playboys que se dizem humoristas, vítimas de tudo que seja blasé, é o que temos de melhor? Com ceteza essa é arte subversiva de gente que dá sono e precisa ser aclamada?
Vendo “Terra em Transe” (1967), a loucura cirúrgica de Joaquim Pedro de Andrade e os filmes conceitos franceses, a gente vê o que já se perdeu. Em nível de Hollywood e, talvez, pela rudeza e maldade de um mundo líquido que se resume a turma da Marvel e seu maniqueísmo requentado com heróis, atuações com fundo azul e só. Cada vez mais, menos, aí as franquias que apostam em barbáries sólidas, psicológicas, controversas, ficam situadas em redutos de cinéfilos. Alguma coisa está fora da ordem. E um vilão ser unanimidade ou quintessência do mal há de ministrar lição de qualquer desordem. Ordem essa é a palavra a ser deseducada dos sets, a sétima arte não comporta convenções de quaisquer ordens, seja direita, esquerda, além de obedecer a qualquer bedel que bote preço no ensaio, na ribalta, no deslize.
E quando um filme é excepcional ele já começa com ares de que vai revolucionar e mudar toda uma forma de pensar e mais ainda criar polêmicas e dividir opiniões. E isso é justamente o que vários filmes de temática GLBTQI+ fazem com quem os assistem, muitos os defendem como filmes maravilhosos, outros como obras que faz pensar, alguns se posicionam fervorosamente a favor e outros os colocam como verdadeiros mártires. E se você está procurando uma lista com os melhores filmes de temática LGBTQI+ para assistir em 2020? Então você chegou ao local certo. Aqui você vai encontrar uma lista mais completa e atualizada da internet com os 30 melhores filmes de romance, drama ou baseados em histórias reais sobre personagens LGBTQI+. Mas nesta seleção você não vai encontrar coisas como “Nada a Perder” (2018), “Os Parças” (2017), “Rambo – Até o Fim” (2019) e/ou “X-Men – Fênix Negra” (2019). E quem acha que filmes GLBTQI+ são somente obras menores com cenas tórridas de sexo com gente bonita e afetada, com certeza se frustrará, pois depois dessa lista não vai achar nada disso, mas em compensação irá descobrir excelentes filmes de arte sobre relacionamentos conturbados e problemáticos. Viva o cinema… ou pelo menos não o mate, é o nosso mantra.
Até hoje um dos melhores filmes que retrata o surgimento da Aids, com um Tom Hanks esbanjando emoção.
“Filadélfia” (1993) c/ Tom Hanks e Denzel Washington, que rendeu o Oscar de ator coadjuvante para o segundo. Hanks, por sua vez, ocupa uma posição singular no altar de Hollywood. Ele é reconhecido como um dos principais atores masculinos dos últimos 30 anos — mas também como um dos mais notáveis character actor, o coadjuvante que sempre interpreta um personagem excêntrico, interessante. Mas, então, há 26 anos, Hanks estrelou um filme que bagunçou radicalmente a percepção de quem e o quê ele era como ator. E este filme era “Filadélfia”, no qual o ator interpretava um homossexual consumido pela Aids. Quando lançado nos Estados Unidos, teve um grande impacto em Hanks, na época com 37 anos. Hoje, ele é conhecido Ator Capaz de Fazer Qualquer Filme — tornando convincente a emoção com que falava com uma bola de vôlei em “Náufrago” (2001), lançando tristes olhares para Meg Ryan em “Sintonia de Amor” (1993) ou esbanjando dignidade descomunal em obras de Spielberg como “O Resgate do Soldado Ryan” (1999) e “Ponte dos Espiões” (2015). Ou ainda sendo brilhante em “À Espera de um Milagre” (1999), baseando na obra de Stephen King. Lembro que quando eu fui conferir “Filadélfia” ouvi coisas do tipo: “Mas isso é filme de veado!”. Hoje tenho VHS, DVD e a trilha do filme com “Streets Of Philadelphia”, de Bruce Springsteen.
“Querelle” (1982) c/ Brad Davis, ator do também excelente “Expresso da Meia Noite” (1978). Em “Querelle”, um marinheiro francês que deu nome ao título desembarca em Brest. Marginal, sexual e movido só pelo desejo, torna-se frequentador assíduo de um bordel da cafetina Lysiane (Jeanne Moreau), amante de seu irmão Robert. Lysiane é casada com Nono, que costuma jogar dados com os clientes. Quem ganha pode ficar com ela, quem perde deve transar com ele. O filme é cheio de cores, lançado quase três meses depois da morte de seu diretor, Rainer Werner Fassbinder, e é uma poética e instigante adaptação do livro “Querelle de Brest”, romance de Jean Genet, escrito entre 1945 e 1946, mas lançado apenas em 1947, na França. O filme tem um aspecto demasiado de sonho, uma crônica de um delírio violento totalmente marcada pela masculinidade, em inúmeros de seus aspectos positivos e negativos, da emoção e afetividade às visões de mundo e sexualidades. É um belo filme!
“Juventude Transviada” (1955) c/ James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo e Jim Backus. Inicialmente este filme seria em preto e branco, sendo que inclusive algumas cenas do filme chegaram a ser rodadas desta forma. A mudança para colorido ocorreu devido a uma decisão interna da Warner Bros., que, por razões de prestígio, decidiu que todos os filmes feitos em CinemaScope deveriam ser a cores. O roteiro foi criado se baseando em uma pequena história sobre disputa de gangues de jovens, tendo apenas a sequência do duelo de carros. A Warner comprou esta ideia e, apenas depois, se desenvolveu uma história em torno dela. Porém, mais grave e danosa do que esta representação foi a ideia de que o destino do personagem gay em “Juventude Transviada” deveria ser trágico, fosse pela falência de suas ambições dentro do universo narrativo ou pelo desejo proibido por outro homem. Como não esquecer a emocionante cena final em que este personagem de Sal Mineo, apaixonado pelo de James Dean, comete o sacrifício final para salvar o amado-amigo? O engraçado é que, segundo várias biografias de James Dean, o ator estava com malária durante as filmagens, mas queria muito que seu personagem tivesse um final feliz com o do Mineo. Mesmo assim, o filme retrata bem a época de ouro do cinema.
“Diamante, O Bailarina” (2016) c/ Sidney Santiago, o mesmo ator que participou recentemente da série “Segunda Chamada” (2019). Este curta conta a história de um boxeador negro e gay chamado Diamante que ganha fama no esporte por seu domínio corporal e seus golpes, que lembram uma dança no ringue e lhe rendem o apelido de “O bailarina”. O que poucos sabem é que, à noite, ele dança em um clube gay como a glamourosa drag queen Sahara Diamante. Ao longo de sua jornada, ele tem de lidar com um treinador preconceituoso, que quer impedi-lo de competir em um importante torneio de boxe. Assumido, Diamante sofre homofobia de seus colegas de treino e do seu treinador, o que o faz guardar a sua raiva dentro de si. O curta tem apenas 23 minutinhos. Mas é imperdível!
“Aos Teus Olhos” (2018) c/ Daniel de Oliveira. O filme aborda os assustadores tempos modernos. A história gira em torno de um professor de natação, acusado por uma criança de tocá-lo de maneira abusiva. Antes mesmo de uma investigação policial começar, os pais das crianças começam uma campanha de linchamento na internet. O dilema ganha grandes proporções, envolvendo o pai da criança (Marco Ricca) e a diretora da escola (Malu Galli). Um filme que deveria ser debatido dentro de todas as escolas!
Os “palhacinhos” dos Dzi Croquettes nasceram do encontro do ator e dramaturgo Wagner Ribeiro com o coreógrafo e bailarino americano Lennie Dale.
Dzi Croquettes (2010). Eram os anos de chumbo de 1970, o momento de manifestações, o auge da contracultura, o que favoreceu o surgimento do maravilhoso grupo performático Dzi Croquettes. Mas a ascensão, certamente, como mostra neste documentário super premiado, não foi apenas o fruto de um momento propício. O documentário sabiamente mostra os Dzi como um todo, investigando um a um seus membros, suas trajetórias, a glória nos palcos de Paris, o final trágico e trazendo também depoimentos daqueles que ainda estão vivos e de várias celebridades que de uma forma ou outra estiveram ligadas com o grupo. Eu até entrevistei a diretora deste documentário, a Tatiana Issa, no meu antigo blog Literatura Clandestina, que os conheceu pessoalmente quando criança. Filha do cenógrafo Américo Issa, ela cresceu próxima aos Dzi. E esse lado pessoal traz um tom sentimental muito bem colocado na obra, que, em alguns momentos, é narrado em primeira pessoa.
“Gypsy” (2017) c/ Naomi Watts. Esta é uma microserie da Netflix em que a psicóloga Jean Holloway rompe as barreiras éticas do distanciamento com pacientes e se envolve perdidamente com a namorada de um deles. A série enfoca poder, distorções, limites, certo ar didático com o poder de um psicólogo na vida de pacientes vulneráveis. E a série tinha tudo para ser um sucesso total, com a mesma diretora da saga “Cinquenta Tons” (2015), um elenco renomado e uma história que parecia envolvente. O resultado, no entanto, acabou decepcionando, e a plataforma optou por cancelar a trama antes mesmo de uma 2ª temporada. Só em 2019, já era a quarta vez que a Netflix fazia isso, e o motivo nem é tão surpreendente.
“Três Formas de Amar” (1994) c/ Stephen Baldwin, Josh Charles, Lara Flynn Boyle (eu acho que ela fez a namorada do Superman em uma série de TV) e Alexis Arquette – irmão da Rosanna Arquette. O filme é uma comédia bem divertida que conta a história de Eddy e Stuart que estão muito curiosos a respeito de sua nova colega de quarto, a Alex, uma confusa aspirante a atriz que entra em suas vidas. Mas quando Alex se apaixona por Eddy e Stuart se apaixona por Alex, isto faz com que Eddy assuma seus próprios desejos ocultos. À moda liberal, eles exploram a complexidade da amizade, relacionamentos e sexualidade, depois se tornam mais do que apenas colegas de quarto e muito mais do que simples amigos. É um filme bem bacana e ainda tem na trilha: Tears For Fears, New Order, Duran Duran, U2 fazendo uma cover de “Dancing Barefoot” (da maravilhosa Patti Smith) e o Tennage Fanclub fazendo uma releitura de “Like A Virgin” da Madonna.
“Tatuagem” (2013) c/ Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos. Ano de 1978. no Brasil, a ditadura militar, ainda atuante, mostrava sinais de superação. Um teatro/cabaret de fundo anarquista, o Chão de Estrelas, que reunia intelectuais e artistas, junto a seu tradicional público de homossexuais, ensaiava a resistência pelo deboche e pela anarquia. Clécio, de trinta e poucos anos, é o líder dessa trupe. Sua vida muda ao conhecer Fininha, apelido do soldado do Exército Arlindo, de 18 anos. Os dois dão início a um romance no qual as relações de poder se estabelecem de forma enviesada. O amor que germina desse encontro é pautado pelo conflito entre dois mundos. O filme é lindo!
“Carol” (2016) c/ Cate Blanchett. Nos anos 1950, uma mulher casada passa a se sentir atraída por uma atendente de caixa em uma loja de departamentos, e ambas devem velar os sentimentos devido ao preconceito. Ela enfrenta uma sociedade hipócrita com suas escolhas homoafetivas, o debate sobre a instituição casamento e a posição da sua própria mãe, como se uma coisa excluísse as outras. Ela conhece Therese quando vai comprar um brinquedo para a sua filha, e a atração inicial logo começa a se transformar em paixão à medida em que as personagens vão se encontrando, seja para um simples almoço ou uma noite de piano em casa. É claro que o fato de ser um casal homossexual numa época em que ainda era sinônimo de doença acentua a briga judicial entre Carol e seu marido, que a acusa de desvio de comportamento.
Timothée Chalamet e Armie Hammer protagonizam cenas de desejo explicíto no longa de Luca Guadagnino, “Me Chame Pelo Seu Nome”.
“Me Chame Pelo Seu Nome” (2018) c/ Armie Hammer e Timothée Chalamet. O filme é uma adaptação do romance do mesmo nome de André Aciman. No entanto, o filme do diretor Barry Jenkins trata a homossexualidade de uma maneira um tanto ingênua, quase idealizada, como se tivesse medo de ferir sensibilidades e as cabeças mais puritanas, como se disfarçasse seu discurso de uma poesia tão estilizada quanto vazia. Não consegue aprofundar nos desejos e frustrações dos personagens, nem mostrar suas pulsões sexuais de uma forma contundente – como no livro – mas é interessante assim mesmo. O filme narra a história de amor entre um adolescente de 17 anos no cio, o Elio, e um jovem universitário de 28, o Oliver, durante um verão, numa pequena cidade indeterminada do norte da Itália. É um filme para ser visto, mas esperava muito mais… O livro é muito melhor!
“Parceiros da Noite” (1980) c/ Al Pacino. Dirigido por William Friedkin, do “O Exorcista” (1974), a recepção do filme foi bem fria e até hoje a impressão é que “Parceiros da Noite” ainda não recebeu o merecido reconhecimento. Talvez seja consequência da polêmica gerada pela história, que narra os excessos da comunidade gay nova-iorquina no começo dos anos 1980 no começo da “epidemia” do HIV nos EUA. O filme mostra um policial, vivido por Al Pacino, e a sua tentativa de representar um gay e se infiltrar no mundo gay para descobrir um assassino em série. O espectador pode ter a impressão de uma pessoa fechada e tímida, quase como se ainda não soubesse lidar com a sua própria sexualidade, mas Pacino convence bem.
“Bent” (1998) c/ Clive Owen, Ian McKellen e até uma pequena participação de Mick Jagger. Apesar da Folha de São Paulo ter publicado em 1998 em uma matéria assinada pelo já falecido Marcelo Rezende que este filme seria “recalcado”, eu gostei muito. “Bicha não foi feita para amar. Ninguém aceita isso”. Esta frase é do premiado dramaturgo norte-americano Martin Sherman, o mesmo que escreveu “Bent”, por volta de 1978. O resultado foi um sucesso, tendo sido laureada com o Royal Court Theatre em Londres e encenada em mais de 50 países nos anos posteriores. Exatos vinte anos depois, seu texto foi adaptado por ele mesmo e tendo a direção no comando de Sean Mathias. O filme traz basicamente todos os diálogos e atos principais, além da exímia abordagem provocadora. Mais que um retrato tocante e contundente sobre a Segunda Guerra e o a perseguição de judeus, trata-se de registrar a perseguição sofrida pelos homossexuais que eram torturados e mortos pela Gestapo, em pleno fascínio e ascensão do período nazista. O filme procura ainda esmiuçar esse triste panorama através de dois personagens principais que condicionam um estudo sobre o horror do holocausto e da intolerância sexual. A cena onde eles se masturbam sem se tocar é demasiadamente triste. O filme é maravilhoso!
“Azul É A Cor Mais Quente” (2013). Em uma França livre com os movimentos de minoria aparentando liberdades, duas meninas se envolvem e se permitem viver um tórrido romance, mas com pitadas de amor. Adèle é uma garota de 15 anos que descobre, na cor azul dos cabelos de Emma, sua primeira paixão por outra mulher. Sem poder revelar a ninguém seus desejos, ela se entrega por completo a este amor secreto, enquanto trava uma guerra com sua família e com a moral vigente. O filme não evoca muitos debates sociais porque as vidas sociais das personagens caminham normalmente, mas o amor, a promiscuidade são tônicas constantes nesses cenários líquidos.
“Imagine Eu e Você” (2016). Nesta obra, o executivo Heck e a bela Rachel formam um jovem casal moderno prestes a dizer sim, quando um encontro inesperado vira o mundo dela de cabeça para baixo. Ela descobre que a pessoa que foi feita para passar o resto da vida ao seu lado, não é aquela que está com você? Uma história hilária com um pitada de encontros e desencontros, bem comuns aqueles que já se aproximaram à primeira vista. Um filme britânico leve, onde Rachel (quase casada) se descobre amando a florista de seu casamento. E a pretensão do filme não é didática, tão pouco dramática, mas apresentar a tese de que amores acontecem. “Imagine Eu e Você” mostra que o caminho do amor nem sempre é aqueles que imaginamos. Mas é trocado de um jeito ou de outro.
Os atores Lucas Hedges e Théodore Pellerin em cena de “Boy Erased – Uma Verdade Anulada”.
“Boy Erased – Uma Verdade Anulada” (2018) c/ Nicole Kidman, Russell Crowe e o cantor Troye Sivan (*eu nem reconheci). O filme é baseado no livro do norte-americano Garrard Conley e conta a história de um jovem que passou por tratamento de “cura gay” nos Estados Unidos. Após ter suas exibições nos cinemas canceladas pela Universal Pictures, “Boy Erased” tem conquistado um público ainda maior nas redes sociais. Aqui no Brasil, país atrasado e de um Governo pífio, o cancelamento causou muita polêmica, com muitos apontando uma possível censura por parte do Governo Federal, dada a temática do filme. Mais tarde, a própria Universal emitiu um comunicado esclarecendo a situação, dizendo que cancelou a exibição de “Boy Erased” nos cinemas porque “não traria lucro”. Até parece! Assistam!
“Como Esquecer” (2010) c/ Ana Paula Arósio. Esqueça a ideia de uma Ana Paula Arósio glamourosa, bem vestida e com personagens que ressaltam a sua beleza. Em “Como Esquecer”, filme de Malu de Martino, ela interpreta Júlia, uma professora de literatura homossexual, que após ser abandonada pela companheira, sofre a dor da perda. Um filme nacional bem dirigido com uma personagem fragilizada que vive em busca da superação do fim de uma relação. O ponto forte do filme: o universo dramático que cerca os professores de literatura entre a vida real e os seus moinhos de vento. E por mais que o filme tenha personagens homossexuais, seu tema é outro: a perda, ou como lidar com a ausência de alguém que se quer junto. Mas se os personagens fossem todos heterossexuais não teria diferença alguma, dramaticamente.
“Praia do Futuro” (2014) c/ Wagner Moura e Jesuíta Barbosa. No longa, Moura interpreta o salva-vidas Donato, que trabalha na Praia do Futuro, na capital cearense. A história começa quando Donato “perde alguém pela primeira vez” no mar. A partir daí, Donato parte com Konrad (Clemens Schick), um piloto de motovelocidade para Berlim e desaparece, deixando o irmão mais novo Ayrton (J. Barbosa) para trás. Anos depois, Ayrton, já adolescente, viaja em busca do irmão que considerava seu herói. Um filme que gerou muitas críticas pelo tom, talvez, erótico entre dois homens viris, e o Brasil ainda porta sua dificuldade em lidar com suas hipocrisias. Dois homens se envolvem, um deles vai morar no país do outro, mostra a dificuldade relacional dos sujeitos que fazem opções que a sociedade não etiqueta. Uma observação: as relações entre mulheres no cinema, talvez, seja melhor digerida, entre homens, tudo esbarra no machismo patológico desse país atrasado.
“Milk: A Voz da Igualdade” (2009) c/ Sean Peen, Diego Luna e James Franco. Um dos melhores filmes do gênero que retrata a vida de Harvey Milk, o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos Estados Unidos, e que foi assassinado em 1978. Vivido pelo ator Sean Penn (outrora homofóbico assumido e que já foi casado com Madonna), Milk é um nova-iorquino que, para mudar de vida, decidiu morar com seu namorado Scott em San Francisco, onde abriram uma pequena loja de revelação fotográfica. Disposto a enfrentar a violência e o preconceito da época, ele busca direitos iguais e oportunidades para todos, sem discriminação sexual. Com a colaboração de amigos e voluntários (não necessariamente gays), Milk entra numa intensa batalha política e consegue ser eleito para o Quadro de Supervisor da cidade de San Francisco em 1977, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar um cargo público de importância nos Estados Unidos. Uma das cenas mais emocionantes do cinema: Milk está diante de um gravador, com microfone em punho, sentado na cozinha de sua casa, verbalizando seu testamento. Caso seja morto, diz ele, as fitas virão a público. A essa altura ele tem consciência da importância de sua luta e de sua imagem. E um longo flashback que vem a seguir nos dá o contexto de como pessoas gays já sofreram e ainda sofrem. Um filme maravilhoso!
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“Flores Raras” (2013) c/ Glória Pires e Miranda Otto. “Flores Raras” é baseado no livro “Flores Raras e Banalíssimas”, de Carmen L. Oliveira. A produtora Lucy Barreto adquiriu os direitos de adaptação para o cinema em 1995 e, nesta mesma época, convidou Glória Pires para interpretar Lota de Macedo Soares. E a Lola de “Éramos Seis” não fez feio não! Com uma personagem irretocável no papel de Lota, persona real que mostra um Rio de Janeiro numa espécie de belle époque, que tem um romance com a poeta inglesa Elizabeth Boshop. O filme, por ser verossímil, abre a discussão sobre os lugares sociais de mulheres genuínas na high society carioca.
O padre Manolo (Daniel Giménez Cacho) assediando o jovem Ignacio (Nacho Pérez).
“Má Educação” (2004) c/ Gael García Bernal. Lembro que quando foi lançado, “La Mala Educación”, foi classificado como filme-denúncia, já que os abusos sexuais cometidos por padres na Espanha foram sentidos na pele pelo próprio diretor Pedro Almodóvar. Até o cineasta entrou no jogo dos rótulos estúpidos ao dizer que o filme caberia melhor na gaveta de “cinema negro”, já que a trama desemboca em mistérios e mortes típicos do noir – gênero inclusive citado em pôsteres no desenrolar da história. O maravilhoso ator Gael García Bernal dá vida a três personagens nessa história, conseguindo um excelente resultado em todas elas. Como é típico de Almodóvar, o mundo e submundo das minorias na Espanha é retratado através de um olhar cínico, às vezes, falhando em se completar (muitas coisas se resolvem em fracas elipses, assim como personagens desaparecem, o que nunca é bom), mas o resultado final disso não deixa de ser interessante. O ponto dramático para o protagonista se firma em uma ideia de vingança, assassinato, chantagem e nojeiras humanas germinadas no nacionalcatolicismo aplicado à educação franquista, com um enredo que não toca em política mas não esconde o endereço certo do abuso sexual sofrido pelo protagonista no internato onde estudava. Outro ponto interessante é que o diretor resolveu tratar de maneiras bem diferentes (em fotografia, escolha de atores, angulação e até uso de trilha sonora) os personagens da realidade e da ficção, um mais exagerado, cruel e cinematográfico que o outro. É um filme para ser visto e revisto!
“Com Amor, Simon” (2018) c/ Nick Robinson. Quando ouvi falar desse filme pela primeira vez eu logo previ: vai ser mais uma gororoba descompromissada, sem responsabilidade política, com falhas de representatividade, feito para lucrar em cima da onda de “jovens desconstruídos” recente. Eu gosto dessa onda, sou parte dela também, mas meus ideais me impedem de aproveitá-la ao máximo, porque penso muito na parte política e na responsabilidade social necessária para tratar desses temas. Por isso, estabeleci muitos preconceitos quanto a “Com Amor, Simon”, porque, em suma, não queria ver uma comédia romântica adolescente boba tradicional tratando pessoas gays da mesma forma como pessoas heteros. Mas, felizmente, para minha surpresa, o filme não faz isso. E eu adorei. O filme conta a história de Simon Spier, um jovem de 17 anos, morador de um subúrbio americano, cuja vida é completamente normal e trivial, a não ser por um segredo: ele é gay. A trama começa quando alguém de seu colégio publica que é gay na internet, anonimamente, e Simon inicia uma conversa para compartilhar experiências. Enquanto ambos se mantêm sob pseudônimos, acompanhamos os dois se apaixonarem através da internet – algo bem atual, não é? Mas esse cenário se complica quando outro colega, Martin, descobre sobre as conversas e ameaça publicá-las, a menos que Simon consiga juntá-lo com sua amiga, Abby. Um filme para refletir.
“Delicada Atração” (1997). Tratar a homossexualidade no cinema é uma tarefa relativamente espinhosa. Se por um lado é tentador e facílimo descambar para o estereótipo, por outro também é bem simples cair em discursos panfletários em prol dos gays – como acontece nos dias de hoje. Imagine, então, fazer um filme sobre um casal gay dentro do Exército de Israel, um dos mais perversos do mundo. Quem toma essa tarefa para si é o diretor israelense Eytan Fox. Mas ele não é novato no assunto. Já desenvolveu um média-metragem “Time Off” (1990), sobre a temática gay dentro das forças armadas. Desta vez, resolve ser menos polêmico e realiza “Delicada Atração”. O filme narra a relação entre o oficial Yossi e o recruta Jagger. Junto com um grupo de soldados, eles fazem a vigilância de um trecho da fronteira entre Israel e Líbano. Obviamente, a relação é mantida em absoluto segredo, ainda mais porque nas forças israelenses de mulheres também servem o Exército, e a bela Yaeli nutre uma paixão por Jagger. Um filme bem nervoso, mas necessário.
“Meninos Não Choram” (2000) c/ Hilary Swank. Até onde você iria por algo que deseja muito? Nascido sob a identidade de Teena Brandon, Brandon Teena se muda para o Nebraska e lá encontra um novo grupo de amigos e se torna bastante popular, inclusive com as garotas. No entanto, quando as pessoas a sua volta descobrem que ele é transexual, os preconceitos e a violência de gênero o fazem precisar enfrentar obstáculos para manter sua felicidade. Essa história vem para quebrar tabus uma vez que fala sobre homossexualismo retratado em uma história de amor delicada e intensa de Teena e Lana, por conta desse romance Teena continua vivendo em uma realidade fantasiosa e cheia de mentiras. Quando é descoberto seu sexo biológico ela tenta negar, mas é confrontada com a verdade e acaba sofrendo uma sequência de atos violentos desde humilhação e discriminação até ser estuprada por dois homens insanos e neuróticos e, como se não bastasse todo sofrimento, o final vergonhoso: Teena é assassinada, vítima de uma sociedade ignorante.
“Soldier’s Girl” (2003). Aqui no Brasil chamado vulgarmente de “Brinquedo de Soldado”, foi um dos filmes mais lindos e mais tristes dos últimos anos. O ano era 1999, o soldado Winchell chega a Divisão Aérea do Exército dos Estados Unidos, em Kentucky, e divide um quarto com o soldado Fisher nos alojamentos. Fisher leva Winchell para o Clube Visions, em Nashville, considerado clube de “pervertidos e veados” pelos seus superiores, e Winchell acaba fazendo amizade com o travesti Calpernia Addams, que se apresenta no clube. Logo eles começam a se ver com frequência e se apaixonam um pelo outro. Quando Winchell é indicado como o Soldado do Mês, o invejoso Fisher espalha boatos na base dizendo que Winchell é “bicha”. Mais ainda, ele manipula o homofóbico recém-chegado Glover contra Winchell. Então, o pior acontece: no dia 4 de julho, o covarde Glover tem uma violenta explosão de raiva contra Winchell, que está dormindo, com trágicas consequências. O filme foi baseado em um caso real.
O primeiro beijo em “Jongens” é sublime. O toque delicado, misturado com o olhar ausente de maldade e desejo carnal.
“Jongens” (2014). Feito originalmente para a televisão holandesa, este delicado filme romântico gay é uma bela alternativa. Mas fique prevenido, que não há nudez, nem nada muito detalhado, nem beijos mais explícitos. Parece ter sido ate feito para teens interessados no tema, mas ainda não preparados para se assumirem-se. Com bela fotografia, tem uma história simples de dois rapazes estudantes que durante o verão se exercitam nas corridas. Aos 19 minutos já tem um beijo no rio (numa bem composta cena que também é o pôster) e o resto dos conflitos e duvidas são igualmente discretos e civilizados. Sieger, 15 anos, está treinando muito para os campeonatos nacionais de revezamento, quando conhece o intrigante e imprevisível Marc. A amizade que se desenvolve não parece fora do comum, mas Sieger secretamente guarda sentimentos mais fortes por Marc. Ele começa uma luta solitária consigo mesmo quando percebe que Marc também está apaixonado por ele. Mas sua mente está em outro lugar, pois acha cada vez mais difícil negar seus sentimentos por Marc. Curiosamente a direção é de uma mulher chamada Mischa que fez muitos trabalhos para TV, mas nada exibido por aqui. Foi exibido e premiado em diversos festivais holandeses como em Zlin (4 prêmios inclusive ecumênico), Nederlands Film Festival (critica e ator coadjuvante), Lucas (filmes para jovens), Mumbai Gay (filme)e Cinekid (melhor filme holandês). É maravilhoso!
“O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) c/ Heath Ledger e Jake Gyllenhaal. Um dos filme mais lindos e emocionantes sobre amor entre dois homens que descreve de forma bem cuidadosa os complexos conflitos vivenciados por dois vaqueiros que se conhecerem durante um serviço de pastoramento de ovelhas na montanha de Brokeback no estado de Wyoming, durante o verão de 1963. Durante os meses de isolamento no alto da montanha, Jack Twist, um aspirante a peão de boiadeiro e Ennis Del Mar, um rancheiro bronco, desenvolvem um vínculo vago, encontrando-se no momento das refeições, até que certa noite os dois descobrem-se em um relacionamento apaixonado. Jack deseja ser cowboy e está trabalhando no local pelo 2º ano seguido, enquanto que Ennie pretende se casar com Alma(vivida pela atriz Michelle Williams, casada na época com o próprio Heath Ledger) tão logo o verão acabe. Ao término do verão cada um segue sua vida, mas o período vivido naquele verão irá marcar suas vidas para sempre. O filme foi uma adaptação do livro homônimo da autora Annie Proulx que, na realidade, é um conto. Maravilhoso!
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014). Leonardo é um adolescente cego. Ele deseja ser mais independente, mas precisa lidar com suas limitações e a superproteção da mãe. Para decepção da melhor amiga, ele planeja fazer uma viagem de intercâmbio. Porém a chegada de Gabriel, um novo aluno na escola, desperta sentimentos até então desconhecidos. O filme faz questão de mostrar uma cena simbólica: na sala de aula cheia, Leonardo senta na primeira fila. O lugar privilegiado é uma distinção ao revés. Por ser cego, usa uma máquina de escrever em braile. O barulho durante a aula faz com que a carteira atrás de si esteja sempre vazia, como um lugar proibido – eventualmente esquecido. O longa-metragem foi a estreia de Daniel Ribeiro e exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim, o diretor é conhecido por curtas como “Café Com Leite” (2007) e, principalmente, “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, que foi o sucesso absurdo no Youtube.
“Orações Para Bobby” (2009) c/ Sigourney Weaver. O triste filme “Orações Para Bobby’ narra a história real de Mary Griffith, vivida por Weaver. A mãe presbiteriana que se arrepende de tentar curar o filho gay que se mata depois de não aguentar tamanha pressão. O filme estreou na TV americana em 2009, na noite anterior ao Oscar e mudou paradigmas. A história se passou nos anos 80 em Walnut Creek, Califórnia, próximo a São Francisco. Em 27 de agosto de 1983, Bobby Griffith tirou sua vida ao pular de um viaduto sobre uma autoestrada, aos 20 anos, em Portland, Oregon para onde se mudou. O filme e o livro são bem fiéis a história real. Bobby é retratado moreno no filme mas era loiro na vida real. Um filme necessário!
“The Celluloid Closet – As Sombras de Hollywood” (1995). Este é um documentário teuto-franco-britânica de 1995, dirigido e escrito por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, baseado no livro homônimo de Vito Russo, que pesquisou filmes que retratavam personagens gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. E muito difícil de encontrar! Dos personagens afetados à censura do Código de Produção de Hollywood, que sempre foi uma criadora de mitologias. Até hoje Hollywood define o que é ser uma estrela e o comportamento de pessoas. Por isso, o cinema norte-americano também construiu o imaginário social sobre homossexualidade e transgeneridade. A investigação de como esse processo se deu é o tema deste documentário maravilhoso que mostra ainda como escritores, atores e diretores escondiam os temas para não chocarem o público tradicional. Mas este documentário trata da evolução da representação dos gays no cinema. O texto paralelo é de Guacira Lopes Louro, que também faz uma análise do histórico das caracterizações das sexualidades “normais” e “desviantes” pelas lentes da sétima arte. Recomendo!
Os atores Stephen Boyd e Charlton Heston, em “Ben Hur” (1958), descrito no documentário “The Celluloid Closet” como uma das cenas mais gays de todos os tempos.
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