Literatura

Literatura: autor baiano organiza “vaquinha virtual” para editar o seu livro

Vakinha livro de Elenilson Nascimento

“O autor de ‘Clandestinos’, ‘Memórias de um Herege Compulsivo’ e outros, Elenilson Nascimento, convoca os próprios leitores para editar o seu livro, depois de ter sido excluído de um edital cultural.”

Por Maurício da Costa Pinto*

As podridões no submundo da literatura são trazidos à tona quando um autor resolver fazer uma “vaquinha virtual” para editar o seu próprio livro, então as autorias duvidosas, campanhas de marketing apelativas, “tenebrosas transações” de bastidores, noites de autógrafos espetaculosas e festas de lançamento repletas de câmeras, champanhe caro e caviar ficam em segundo plano.

Depois de ter sido eliminado de uma pré-seleção em um edital cultural por causa do conteúdo do seu novo livro (*os organizadores não querem temas delicados como racismo e violência contra negros em Salvador), intitulado “Tarja Preta”, o escritor, blogueiro e jornalista baiano Elenilson Nascimento resolveu “esmolar” virtualmente para reunir recursos para a edição do seu próximo livro que, segundo ele, é um romance atemporal sobre esta Bahia contemporânea, racista e preconceituosa.

“Como ainda não tenho o poder de vendas de um Chico Buarque, jamais me prestaria ao papel de bajular a presidente Dilma para garantir recursos da Lei Rouanet para publicação de um livro, para colocar a minha irmã no Ministério da Cultura, para a minha sobrinha receber 1,9 milhão para produzir discos que ninguém consegue entender, para minha namorada receber 800 mil para produzir um show que poucos souberam, para meu genro receber 996 mil para fazer batucada para os alienados pularem no Carnaval de Salvador, ou para eu ter um filme com um título bem pernóstico ou meu livro traduzido para o coreano com dinheiro público, por isso venho aqui esmolar ao invés de agradar gente que finge produzir e financiar arte”, alfinetou o polêmico autor que também abriu uma ação judicial contra o Google por ter sido vítima de censura, tendo o seu blog deletado da rede.

Vakinha livro de Elenilson Nascimento

E neste cenário repleto de êxitos literários efêmeros, forjados e voláteis parece que Elenilson, erguido da ousadia com o fim do seu blog e de ser um nada velado questionador, que nunca descamba para uma crítica de artilharia pesada sem antes se informar, onde esta Sociedade do Espetáculo que criou livrarias que mais parecem templos do consumo e que fez se disseminarem como a peste os best-sellers e os livros de “auto-ajuda” (que ajudam muito mais a conta bancária de seus autores e editoras do que a conquista de sabedoria pelos leitores), quer continuar nadando contra a maré de ostracismo que o Brasil foi empurrado.

“Como escritor (ainda) clandestino, continuarei lutando pela Literatura Brasileira, ao invés de ficar me repetindo e reclamando da falta de investimentos – como um periquito verde e amarelo que para sempre será um periquito verde e amarelo. Mas como eu, como o velho broco, não posso deixar as coisas seguirem erradas assim. Meus filhotes, leitores e comedores de livros, muito cedo, aprenderam a não acreditar em palanques nem em editais de cultura”, argumentou o autor.

A VAQUINHA – O projeto do livro “Tarja Preta” pode ser analisado por qualquer pessoa no site Vakinha Virtual, onde leitores/investidores também podem colaborar com qualquer valor para a publicação da obra. O autor pretende que a primeira edição do livro seja enviada especialmente para os leitores que contribuirem (*leiam as regras no site).

Em suma, este parece ser um excelente projeto cultural e fazê-lo circular é a nossa função. “A função da Literatura é também esta, pois, ainda hoje, o chicote é quase invisível”, disse. Elenilson mostra os paradoxos do ofício literário. Os espelhos distorcidos do sonho da consagração cultural acabam igualmente derrotados, mas nunca destruídos: um autor, sozinho, ou unido com os seus leitores, no mundo empoeirado das bajulações gratuitas, grita que precisa de patrocínio, pelo retorno às origens pessoais que negam seu desejo literário. E nada melhor do que os seus próprios autores ajudarem. Viva a Literatura Nacional!

* Maurício da Costa Pinto é jornalista, editor cultural na Folha de São Paulo e professor universitário.

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