Comer Rezar Amar
“Um livro raso, paranóico, feminista, ressentido, que virou filme com Julia Roberts, cheio de frases clichês, mas que afirma elegantemente que o mundo não é um jardim de infância…”
Por Elenilson Nascimento
Depois dos atentados em Paris, em 13/11/15, eu tenho evitado compartilhar mais tristezas. Está difícil abrir a internet sem esbarrar em barbaridades; está difícil sair nas ruas sem ficar com medo de ser esfaqueado na próxima esquina, está difícil conversar com os amigos sem perceber um certo ar de desesperança, está difícil ler os jornais sem descobrir mais um absurdo cometido pela gangue do PT. Há dois ou três dias vi um vídeo de um aluno debochado e humilhando uma professora numa escola pública em Salvador, enquanto os colegas riam; ainda pensei, compartilhar para quê? Ainda dá tempo de fazer alguma coisa por esse País? Ainda dá para sair desse buraco? Tenho minhas dúvidas quanto ao nosso futuro.
O fato é que está tudo interligado: o massacre em Paris, as mortes de pretos nas periferias que não são manchetes de jornais, este tipo de atitude baixa de gente que parece ter nascido cuspida numa latrina, o Congresso Nacional cheio de políticos incompetentes, os assaltos todos os dias nas ruas, a indigência da vida pública brasileira, os índices alarmantes de analfabetismo funcional nas universidades, a violência diária, os 74% de brasileiros que não leram um único livro no ano passado, a boçalidade daqueles que se dizem Classe A, a falta de educação generalizada. E eu ando meio cansado disso tudo!
E, talvez por isso, que eu tenha começado a leitura do livro “Comer, Rezar, Amar”, de Elizabeth Gilbert, mesmo não tendo nenhum detalhe a mais sobre a história, a não ser que já havia virado filme com a Julia Roberts e Javier Bardem. Mas isso pra mim não era uma referência positiva, pois, depois que o “sorriso da Monalisa” filmou “Uma Linda Mulher” parece que nenhum outro filme deu certo. Mas o título de Gilbert me interessou e, quando soube o porquê do mesmo, ri do quão óbvio este era. Pensei em abandonar a leitura antes mesmo de concluir a primeira página. De qualquer forma, sabendo que a história foi retirada de fatos reais e que a autora largou tudo e foi buscar autoconhecimento, sabendo do já citado filme que não assisti, mesmo assim não me interessei, não criei expectativas.
Comer Rezar Amar
O livro tem tradução de Fernanda Abreu – seria a cantora de “Rio, 40 Graus”? Mas enfim… no enredo: ao completar 30 anos, Gilbert já tinha tudo que uma mulher americana pósmoderna, bem educada e ambiciosa deveria querer: um marido, uma casa de campo, uma carreira de sucesso, roupas da moda, livros na estante e um canal fechado. Mas não se sentia feliz e acabou pedindo divórcio e caindo em profunda depressão. Contudo, ela foi de uma coragem extrema ao declarar que cansada desse casamento de aparências, numa época em que a maioria das mulheres – quase 99% delas – parecem sofrer por não terem constituído uma família feliz de propaganda de margarina, que sua vida estava desmoronando e ela ainda descobre que seu marido se recusaria a assinar os papéis do divórcio, pois, segundo ele, ainda a ama. “Você precisa escolher seus pensamentos do mesmo jeito que escolhe roupas…”
Então, mesmo parecendo enredo da novela “Maria do Bairro”, a coisa começa a desandar quando ela se culpa por morar de favor na casa de amigos e por largar o seu suposto marido perfeito e apaixonado. “Como eu podia ser uma imbecil criminosa a ponto de ir tão fundo em um casamento para no final me separar? Havíamos acabado de comprar aquela casa, um ano antes. Então, por que agora passava as noites assombrando seus corredores? (…) Eu havia participado ativamente de cada instante da criação daquela vida – então, por que sentia que nada daquilo combinava comigo?”
FAZENDO AS MALAS – E dessa insatisfação e das brigas com o marido David, mesmo com todo mundo palpitando sobre como uma mulher que tem casa, marido, um bom emprego, pôde querer pensar em largar tudo… Então, já sabendo que estava faltando algo em sua vida, depois de passar por uma crise de pânico e muita choradeira (meio piegas isso!), a escritora decide se divorciar, mesmo num processo longo e doloroso, já que o marido não facilitou em nada. “Os muitos motivos pelos quais eu não queria mais estar casada com aquele homem são pessoais demais e tristes demais para serem compartilhados aqui. Muitos deles tinham a ver com coisas minhas, mas uma boa parte dos nossos problemas tinha a ver também com as questões dele.”
E depois de toda essa lenga-lenga, Gilbert decide viajar em busca do prazer de viver perdido, para aprender a orar, para comer muito e principalmente para descobrir um amor novo, o que acontece respectivamente na Itália, Índia e Indonésia. Curiosamente, os três países começam com a letra I, que em inglês significa a palavra “eu” e esse é exatamente o motivo de sua viagem: a procura do seu eu, a procura de Deus e a procura do perdão. E antes mesmo de iniciar sua jornada, a autora se envolve com um rapaz dez anos mais novo do que ela, o Giovanni, e em total estado de carência se deixa consumir por todo aquele sentimento. Porém, o relacionamento também não dá certo, não pela diferença de idade mas porque, mesmo ela não admitindo, era possessiva, e é só mais uma decepção à sua vida. “Eu não fui resgatada por um príncipe; eu administrei o meu próprio resgate…”
A história entra numa paranóia de ideias feministas meio clichês, mas nesse ponto foi a primeira vez que leio a palavra “ambivalente” sem o peso antipático que ela tem nas memórias da autora que se perdem, mas que nos permitem entender melhor a protagonista-narradora-problemática. Na Itália, por exemplo, Gilbert caí de boca na culinária local, sem sentir o peso na consciência, como acontecia quando morava nos Estados Unidos. Tanto que de tanto comer muitos pratos italianos acaba por engordar demais. “As suas emoções são escravas de seus pensamentos, e você é escravo de suas emoções…”
Cena do filme Comer Rezar Amar
Depois disso, a autora recupera um pouco do seu equilíbrio emocional e resolve parar de se punir por ter se divorciado, o que muitas vezes não é bem-visto pela sociedade quando uma mulher faz isto, e parte para uma viagem para a Índia. E durante quatro meses dentro de um ashram – uma comunidade orientada por um líder religioso, um velho xamã chamado Ketut, a autora acaba aprendendo a explorar o seu espírito e encontrar a paz interior. “Imagine que o universo é uma imensa máquina giratória. Você quer ficar perto do centro da máquina – bem no eixo da roda-, e não nas extremidades, onde os giros são mais violentos, onde você pode se assustar e enlouquecer. O eixo da calma fica no seu coração. É aí que Deus reside dentro de você. Então, pare de procurar respostas no mundo. Simplesmente retorne sempre ao centro, e sempre vai encontrar a paz.”
Esse período é marcado por muita meditação, desconforto e autoconhecimento. Na Índia o livro adquire um tom mais espiritual, por outro lado, essa também é a parte mais maçante e moralista, talvez porque é neste país que a autora vive os seus maiores dramas e conflitos. Apesar disso, ela nos oferece um prato cheio sobre assuntos relacionados a religião, como também afirma ter entrado em contato com sua espiritualidade e teve até ajuda de um guru nativo e de um caubói texano. “Perder o equilíbrio às vezes por amor faz parte de uma vida equilibrada.”
Já a Indonésia é a parte mais divertida e, obviamente, mais conclusiva sobre toda essa viagem. Ela embarca novamente num namoro com um cara mais novo, dessa vez um ator que trabalhou em uma peça que ela escreveu. Mas, como uma sina, a convivência dos dois se torna turbulenta. Em Bali, ela retorna para o xamã que previu que seu casamento acabaria e ela retornaria em um ano para lá. A escritora o ensina inglês em troca de aprender mais sobre meditações. Ele a ensina tudo sobre o equilíbrio. Além de Ketut, Liz conhece uma curandeira e acaba se envolvendo com um brasileiro, que também tinha saído de um divórcio. Em Bali, a autora finalmente encontra um amor mais maduro e equilibrado, diferente dos antigos relacionamentos que ela teve. “As pessoas acham que a alma gêmea é o encaixe perfeito, e é isso que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho: a pessoa que mostra tudo que está prendendo você, a pessoa que chama a sua atenção para você mesmo, para que você possa mudar a sua vida. Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai conhecer, porque elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa. Mas viver com uma alma gêmea para sempre? Não! Dói demais. As almas gêmeas só entram na sua vida para revelar a você uma outra camada de você mesma, e depois vão embora.”
Julia Roberts as “Elizabeth Gilbert” in Columbia Pictures’ EAT, PRAY, LOVE.
“Comer, Rezar, Amar” é um livro para quem se encontra em crise pessoal e deseja se libertar. Os ensinamentos e a narrativa levam o leitor para a sua própria viagem, ajudando-o a buscar o equilíbrio, o prazer e o amor próprio, para depois tentar se envolver com outras pessoas. Ou não necessariamente nessa ordem. Triste, engraçado, belo, sensível e real, o livro peca pelo excesso frases moralistas e pelos clichês. Talvez alguém como eu perceba que nem todo mundo quer sair da sua zona de conforto para procurar respostas. A verdade é que a vida assume diferentes valores e lições, ela traz diferentes conhecimentos para cada momento e temos que saber como aprender as lições.
O interessante mesmo foi descobrir que a autora afirmou que o Dante Alighieri chocou o mundo letrado ao não escrever a sua “Divina Comédia”, de 1321, em latim, que considerava um idioma corrupto, elitista e que ainda achava que o seu uso na prosa havia prostituído a literatura; a angústia da autora em não querer ter filhos e viver sendo cobrada por isso; de não admitir que Jesus fosse o único caminho para Deus. Além de tudo isso, compartilho da mesma ideia de Deus que a autora descreveu: “Sempre reagi com admirada animação a qualquer um que já tenha dito que Deus não mora em uma escritura dogmática, nem em um trono distante no céu, mas que Ele está muito perto de nós – muito mais perto do que podemos imaginar, respirando através dos nossos próprios corações.”
A jornada sobre a sua espiritualidade foi ricamente detalhada e ao mesmo tempo conseguiu manter um padrão bem universal, livre de qualquer sectarismo ou dogma religioso. “Eu deveria confessar também que geralmente me refiro a Deus como “Ele”, o que não me incomoda porque, a meu ver, trata-se somente de um pronome pessoal que facilita as coisas, não de uma descrição anatômica…” A parte em que ela reencontra o amor novamente foi sensacional, além de ser descrita de um modo bem natural e inesperado, o que concedeu uma magia incrivelmente bela ao enredo. Adorei a Tulsi, a indiana de óculos de lentes rachadas que vivia sendo obrigada a frequentar festas de casamento para arrumar um marido. Menina rebelde!
Em suma, talvez a imagem equivocada que muitos adquiriram, por causa do filme, é que “Comer, Rezar e Amar” é um livro de auto-ajuda e, não deixa de ser, mas eu o considero mais do que isso. É um livro chato, admito, mas é um livro que ensina (não sendo didático) quem quer encontrar algum sentindo na vida com relação a Deus tem indicação na certa para lê-lo. O livro já teve mais de 8 milhões de exemplares vendidos, mas não o considero uma obra para eu guardar em destaque na minha estante. “A busca da Verdade não é para qualquer um, nem mesmo durante esta nossa época em que tudo é para todo mundo.” (“COMER, REZAR, AMAR”, de Elizabeth Gilbert”, romance, 343 págs, Ed. Objetiva – 2008)
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina