Literatura

Literatura: Entrevista com a escritora e artista plástica Mora Alves

Mora Alves

“A arte do saber consiste em adquirir e dividir conhecimentos… Não sou nem uma coisa nem outra, sou eu mesma.” (Mora Alves).

Por Elenilson Nascimento

Mora Alves é escritora, artista plástica e reside em Guarulhos, São Paulo. Funcionária Pública da Prefeitura Municipal de Guarulhos, formada em Pedagogia e autora de três livros: “Um Novo Amanhecer” (2011), “Ciladas de Amor (2016) – que até já ganhou uma resenha aqui no Cabine e “Versos Soltos” (2016), ela já faz parte da vida de muitos leitores, além de ser referência. A autora já participou de diversas antologias, como a “II Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos” (2013), Org. Elenilson Nascimento, além de produzir telas e aquarelas maravilhosas. Gentilmente ela respondeu (demoradamente) algumas perguntinhas sobre política, literatura, feminismo e a solidão de escrever para compartilhar com seus leitores e oferecer outras possibilidades de fruição, em que a palavra, a voz, o gesto e a imagem enriquecem o sentido da entrevista e possibilitam outras formas de experiência e interação. “O socialismo é uma ilusão, na teoria é muito bonito, prega de distribuição de renda igual para todos, mas na prática não é bem assim que funciona, os pobres são sempre os mais massacrados”, disse nessa entrevista.

Elenilson – Antes de mais nada, queria que você soubesse que, depois de muito tempo e de muitas decepções com a política, o jornalismo e com a educação desse país atrasado, leio esta frase no seu livro “Um Novo Amanhecer”: “Mesmo depois de formados, continuaram trabalhando na mesma empresa, até que um dia ele percebeu algo estranho: suas matérias eram sempre boicotadas, e a pressão começou a aumentar em cima dele”. Daí resolvi mudar o meu mantra para: “E por que não?” E me bateu aquela larica de vontade de voltar a acreditar em mudanças. Mas gostaria de saber de você como foi a sua entrada na Literatura?

Mora Alves – Antes mesmo de escrever um romance, participei de algumas antologias, tanto presenciais como virtuais, pois até aquele momento só estava escrevendo poesias e contos que, aliás, não são muitos. Por meio destes trabalhos conheci muitos escritores, participei de saraus, blogs, então decidi que já estava pronta para publicar meu primeiro romance. Foi no ano de 2012 que publiquei “Um Novo Amanhecer”. Mas, na verdade, sempre gostei de escrever. Adorava poesias, romances, era uma devoradora de livros. Tive o prazer na minha adolescência de poder ler clássicos, romances, poesias, afinal, minha irmã Cissa de Oliveira, que hoje também é escritora, assinava o Círculo do Livro, quem é da minha idade lembra muito bem… (risos) E foi aos quarenta e cinco anos que passei a me dedicar mais a escrita, posso dizer que sou uma escritora novata neste mundo fantástico da Literatura. Uma eterna aprendiz.

Em 2011, a escritora estreou na Literatura com o livro “Um Novo Amanhecer”.

Elenilson – Escrever é só inspiração? É o hábito que faz o monge?

Mora Alves – Escrever não é só inspiração. Exige sim muita dedicação, leitura, o hábito é fundamental. Nós escritores não temos tudo pronto. Para escrevermos necessitamos de muita pesquisa, trabalho, estar inteirado, ter conhecimento do que se fala ao escrever. Afinal, nos tornamos muito mais críticos e fiéis ao que queremos colocar no papel.

Elenilson – Além de ter publicado “Um Novo Amanhecer” e “Ciladas do Amor”, você sempre esteve em vários projetos artísticos. Como e ser uma artista independente, sem patrocínio, em um país que não valoriza a sua cultura?

Mora Alves – É muito difícil, a começar pela questão financeira, ainda é muito caro publicar um livro. Ainda bem que hoje temos as redes sociais para ajudar a divulgar nossos trabalhos. Porém estamos vivendo uma época em que a cultura não é valorizada pelos nossos governantes. A arte no geral é vista até como algo nocivo, para esta geração. Vivemos numa censura disfarçada de liberdade de expressão, quantas polêmicas já foram criadas? Mas o trabalho do artista não deve parar, a arte é que dá sentido a vida, a arte ela é provocadora, instigante, ela tem o papel de transformar as pessoas, tornando-as mais críticas e conhecedoras de seus direitos.

Em 2016, na noite de loucuras no lançamento de Ciladas de Amor.

Elenilson – Uma vez, eu ouvi de um editor que as pessoas costumam escolher os livros só pelas capas. Você também acredita que as pessoas compram livros só pelas capas? As capas são iscas?

Mora Alves – A propaganda é alma do negócio, diriam os editores. Para uma grande parte de leitores a capa conta muito, existem muitas pessoas que pensam assim. Mas eu como leitora, ao comprar um livro me prendo mais a apresentação do tema abordado.

Elenilson – Dê algumas sugestões para evitar o desaparecimento do livro.

Mora Alves – Continuarmos escrevendo e incentivando novos autores, afinal a cada ano que passa aumenta mais o número de pessoas querendo publicar um livro, o universo da literatura é fantástico, não há limites para imaginação, há infinitos temas para serem abordados. Na minha opinião o livro físico nunca irá acabar. Apesar de presenciarmos grandes livrarias fechando, ainda temos muitas opções de livros em ebooks e esta é a tendência do mercado.

Elenilson – Desmistificar a profissão de escritor é…

Mora Alves – Ser escritor exige muita dedicação, trabalho.  Não existe uma fórmula, mas o que existe é muita pesquisa, conhecimento, ser escritor é ser um leitor assíduo. Ao mesmo tempo ser escritor é ser livre para colocar suas ideias, suas convicções, colocar um pouco das suas fantasias no papel, ousar, ultrapassar os limites, enfim ser escritor está muito além do que possa parecer, não tem um manual tem instruções, cada um vai descobrir o seu estilo…

Elenilson – No meio literário você é aceita com reservas? É repudiada como corpo estranho porque também é artista plástica? Ou riem pelas costas?

Mora Alves – Não senti nenhum tipo de reservas pelo fato de ser artista plástica. Penso até que, a pintura, nada mais é que, poesia em forma de imagens e cores, numa outra linguagem. Agora, se riem pelas minhas costas é difícil de dizer pois estou sempre tão concentrada em meus projetos, escritos que não noto e também não me importo, afinal faço o que gosto, só isso.

Ciladas de Amor, de Mora Alves.

Elenilson – Já deixou de escrever para não magoar alguma pessoa muito chegada?

Mora Alves – Não, quando estou escrevendo ficou muito envolvida com os personagens, muitas vezes eles já criaram sua própria personalidade, e muitas vezes vejo que eles mesmos acabam conduzindo suas emoções e sentimentos. Não tem como pensar no vão pensar… a escrita se torna livre. Em “Ciladas do Amor”, por exemplo, recebi muitas críticas por algumas mortes… mas foram mortes necessárias, foram situações em que os próprios personagens tiveram vida própria e sentenciaram seus destinos… escrever é um envolvimento muito louco, então digo que gosto de escrever histórias do cotidiano, um a vida como ela é, onde muitas vezes deixei de lado o que iriam dizer, simplesmente fui escrevendo… Em “Um Novo Amanhecer” também não foi diferente.

Elenilson – Como podemos parar de pensar no feminismo como uma espécie de festinha exclusiva para a qual poucas pessoas são convidadas?

Mora Alves – Quando alguns grupos de feministas entenderem que o movimento vai muito mais além do que, discutir a cor do cabelo e roupas da moda. Existem causas muito mais nobres que precisam ser repensadas.

Elenilson – Vejo que hoje o feminismo virou uma escada para a mulher melhorar sua posição e criar cabelo no sovaco. E só isso! Comenta.

Mora Alves – Primeiramente quero dizer que sou a favor do Movimento Feminista, sim, aquele que em um grupo de mulheres ainda luta por diretos iguais, equiparação salarial sou a favor sim das mulheres que dizem que lugar de mulher é onde elas quiserem, sou a favor das mulheres lutarem por uma sociedade mais justa, com direitos e deveres iguais para todos os cidadãos, independente de sexo, cor, religião.

Autoretrato de E. Nascimento, espátula e detalhes com pincel, de Mora Alves.

Elenilson – Considera que o Movimento Feminista, para chegar a mais pessoas, corre o risco de se despolitizar?

Mora Alves – Acho que já chegou a mais pessoas com interesses diferentes, acredito que para ser feminista e defender alguma causa, não há necessidade de mulheres fazerem passeatas nuas, mostrando a bunda como forma de protesto.  Acaba saindo do contexto.

Elenilson – Há toda essa história de mulheres que precisam vender seu corpo, não somente na prostituição, em todas as profissões. Não ver este aspecto cultural é uma mistificação.  Comenta.

Mora Alves – Infelizmente ainda existe uma parcela de sociedade que é totalmente machista e que ainda vê a mulher como um objeto ou aquela que exerce somente a função de procriar, cuidar do lar e educar. Mas não podemos negar que a mulher contemporânea está ganhando cada vez mais espaço na sociedade, em todos os setores, sociais, culturais e políticos. E o fato de algumas mulheres ainda sofrerem com este tipo de exploração é lamentável.  Mesmo que seja algo concedido, mas a partir do momento em que se torna uma barganha, um jogo de interesses, é sinal de que as mulheres ainda tem uma grande luta pela frente para poder fazer valer seus direitos.

Elenilson – Nosso objetivo é a igualdade no mundo. Queremos chegar a um ponto em que não vamos mais precisar do feminismo. De literatura feminista, de literatura gays, de literatura só de pretos, de literatura de periferia. Acho isso tão chato. Mas para isso acontecer, todo mundo tem que se envolver. Portanto, precisamos de homens feministas para mudar outros homens. Como podemos mudar essa situação?

Mora Alves – Respeitando a individualidade de cada um. Quando pararem de rotularem as pessoas.

Elenilson – Você já deve ter recebido inúmeros conselhos importantes. E para os jovens escritores diria…

Mora Alves – Não desistam, o caminho não é fácil, escrever exige muita determinação, leitura e pesquisa.  Mas não desistam dos seus sonhos, e sejam realistas, não é fácil publicar um livro, ainda é muito caro, mas se é o que vocês acreditam sigam em frente.

Destaque dos livros de Mora Alves.

Elenilson – Quais são as ações que você acredita que a Literatura possa desempenhar para enfrentar todos esses desmandos deste desgoverno?

Mora Alves – Continuar com feiras, bienais e encontros literários, e se possível mostrar por meio da escrita a realidade em que vivemos. Seja por, livros, artigos, internet e jornais. Somos um povo livre de pensamentos e ideias, não podemos nos calar. Temos que abordar temas pertinentes, pois não vivemos num mundo de faz de conta, vivemos numa sociedade com todos os tipos de pessoas, crenças, ideias e posições sociais e é por meio da literatura que conseguimos expressar nossas ideias.

Elenilson – Sua curiosidade é insaciável?

Mora Alves – Sim, e isso é muito importante para quem gosta de escrever. Estou sempre em busca de novos conhecimentos, trocas de informações.

Elenilson – Qual a diferença da exploração do cérebro com a exploração do corpo, algo que não agrada muito às feministas abolicionistas?

Mora Alves – A exploração do corpo da mulher ainda é um fator que incomoda muito. Na mídia a mulher ainda é usada como um produto, podemos notar isso em propagandas, revistas, até em programas de auditório.

Elenilson – O povo consciente de verdade não quer saber de invasões de propriedade, de MST, da guerra convocada por Bolsonaro e Lula. Quer melhores serviços públicos, pois paga pesados impostos, e oportunidades boas de trabalho. Coisas que o PT e este atual Governo têm impedido, com suas incompetências, roubalheiras e ideologias ultrapassadas. Comenta.

Mora Alves – O que mais vemos são discursos de melhorias, mas na prática o povo está abandonado, falta investimentos em Educação, saúde e trabalho. Porém, o que há uma desigualdade social tremenda, onde os ricos ficam cada vez mais ricos, onde políticos tem salários exorbitantes e mordomias, com tudo pago, enquanto a classe mais pobre sofre todo tipo de descaso.

Mora Alves fazendo a leitura de Diálogos Inesperados…, de Elenilson Nascimento.

Elenilson – O sensualismo do poder é irresistível. O fascínio do poder e, claro, a ilusão de que vai governar um Estado nação, induz os membros desse governo patético a crer que estão realizando uma tarefa meritória. Na verdade estão contribuindo para que o País se mantenha nesse estado de inanição, podendo até piorar, mas que, pelo visto, alguns estão acordando e indo para as ruas protestar. O que você atribui essa súbita atração dos jovens pelo globalismo nessas manifestações?

Mora Alves – Acredito que os meios de comunicação, as informações que hoje chegam bem mais rápido, tudo isso contribui para que o jovem possa ter uma opinião formada de tudo o que está acontecendo, e se essa nova geração realmente conseguir mudar a mentalidade dos próximos governantes, se realmente as pessoas que hoje lutam por mais igualdade, menos injustiças levarem a diante estes propósitos, não se deixando levar pelo “fascínio do poder”, vamos conseguir atingir nossos objetivos.

Elenilson – O Brasil inteiro pergunta onde está Amarildo [Dias de Souza, ajudante de pedreiro que desapareceu depois de ter sido detido pela polícia no Rio de Janeiro]. Em Goiás desapareceram mais pessoas após abordagens policiais do que na época da ditadura. Em Salvador, recentemente, 12 jovens negros foram assassinados pela polícia e a Secretaria de Segurança Pública tentou colocar panos quente. O sistema de segurança pública do Brasil está em crise? É preciso repensar?

Mora Alves – Com certeza, não sabemos mais em quem confiar, a polícia está para trabalhar, nos proteger, mas existem situações em que alguns policiais extrapolam e querem fazer a lei.

Elenilson – Na questão específica de Amarildo, você acredita que federalizar a investigação do caso seria um caminho? Nota-se que a federalização é um trabalho claramente político. Tanto no Rio de Janeiro como em Salvador, como os governos são parceiros do PT, tudo fica no discurso. Comenta.

Mora Alves – Não acredito que federalizar resolveria o caso Amarildo, pois acredito que infelizmente Amarildo entra na estatística de mais um entre tantos casos ficam sem solução em nosso país.

Autoretrato de E. Nascimento, na moldura, de Mora Alves. “Saiu natural a expressão, formato… espatulado… A expressão, formato do rosto… Fui deixando fluir os traços…”

Elenilson – Eu não voto mais no PT, assim como milhões de outros sem voz e sem vez desse país, porque o PT saiu de si mesmo e está infestado de gente desonesta. O sr. também acha que o partido do Lula/Dilma perdeu o eixo ético? O PT mudou ou sempre foi isso mesmo?

Mora Alves – Acredito que o PT mudou com o passar do tempo, o poder e a ganância falaram mais alto.

Elenilson – Pior do que votar no PT é ter eleger gente como o Bolsonaro?

Mora Alves – Com certeza.

Elenilson – O que se vê de socialismo atualmente não anima ninguém que tenha um mínimo de capacidade de reflexão. Comenta.

Mora Alves – Concordo plenamente. O socialismo é uma ilusão, na teoria é muito bonito, prega de distribuição de renda igual para todos, mas na prática não é bem assim que funciona, os pobres são sempre os mais massacrados. Temos como exemplo o que aconteceu com a Venezuela.

Elenilson – Se a pouca moral que existia neste país está indo pelo ralo, se um “de menor” matar alguém de sua família, será que você muda de opinião? Enquanto isso ficaremos à mercê dos “de menor”? Qual a sua opinião com relação a redução da maioridade penal?

Mora Alves – Não sou a favor da redução da maioridade. Estes jovens são reféns de sociedade adoecida, onde falta trabalho, moradia e dignidade. Veja bem , não estou justificando os atos dos de “menores de idade”, mas estou dizendo que vivemos num país de grandes desigualdades sociais, o que muitas vezes facilita a entrada destes jovens para o crime. Senão daqui a pouco 16 anos é pouco, vamos estar condenando crianças de dez anos que em alguns lugares já estão com armas nas mãos. O problema é social e requer grandes mudanças.

Elenilson – Mora, você como uma mulher pósmoderna, inteligente, ledora e integra, hoje, julga-se tudo o que você diz como se fosse o dia do juízo final, e isso parece uma coisa colonizada da decadência judaico-cristã; parece uma prestação de contas. Por exemplo, eu dei uma entrevista a um jornal daqui de Salvador sobre a falta de oportunidade para escritores na terra do axé e que tinha somente um caráter jornalístico e acabou virando um julgamento final. É como se tivesse chegado para prestar contas e julgar as pessoas e julgar a mim mesmo. E aí obrigam a pessoa a emitir um juízo sobre ela mesma, coisa que eu não sei fazer. Essa é a maneira mais perigosa de fazer um approach. Também perguntam muito: “o que você está fazendo?” e que é uma maneira de aproximar e afastar as pessoas, porque é a maneira de colocar a pessoa julgando ela. Como você reage quando percebe que está sendo julgada o tempo todo? 

Mora Alves – Continuo sendo eu mesma, não dá para agradar todo mundo, faço o que gosto e pronto. Como eu mesmo digo: “não sou nem uma coisa, nem outro, sou eu mesma.

Elenilson – O Estado ainda pode ser questionado pela sociedade?

Mora Alves – Com certeza, pois vivemos numa democracia, apesar de estarmos vivendo um momento muito delicado, onde não há tanta abertura, como deveria ter, há uma censura camuflada nas entrelinhas.

Elenilson – O que ainda podemos esperar do nobre artista? Nunca pensou em ministrar cursos para formação de novos escritores? Ou adotar alguns?

Mora Alves – Não nunca pensei, na minha opinião não existe um curso para formação de escritores, mas sim plataformas para desenvolver melhor a escrita.

“Não desistam, o caminho não é fácil, escrever exige muita determinação, leitura e pesquisa.”

Contatos:
www.facebook.com/moreaalves
[email protected]

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